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Digerindo dezembros

Whisner Fraga*

Baratas esmagadas, vírgula iniciando conto, Clarice. Kafka, José J. Veiga. Eu ainda o vi atravessando o pontilhão até diminuir, diminuir, e não ser mais que uma noite longa crescendo dentro de mim. Falar de escuridões intermináveis, desesperanças, solidão, tormentos. E é Cataguases, Brasília, lugar nenhum. Criaturas estioladas, tempo desbotado, poesia mesmo em prosa. Complicado ler Ronaldo Cagiano. E porque tradicional, não há uma frase que fuja à influência dos clássicos. E isso não quer dizer cópia. E Dezembro indigesto, seu novo livro, está ao lado de boa gente.

Uma certa predileção por palavras rebuscadas, o que às vezes dá um tom de pedantismo, mas pura impressão, o leitor deve seguir em frente, até o fim, perto de legiões enigmáticas, presenciando estupros, e quase sempre é isso, climas psicológicos, personagens tragados pela fragilidade do próprio mundo e desassossego. Não é um livro fácil, principalmente para nós, acostumados à literatura óbvia, de palavras cruas, violência, explicações prontas.
E medo.

Ronaldo é poeta, mas esse seu novo livro não é somente uma aventura pela prosa, de jeito nenhum. O autor já escreve contos há muito, premiado. Inclusive Dezembro indigesto foi laureado pela Secretaria de Estado de Cultura do Distrito Federal em 2001. O que não é pouco. Falem aí que prêmio não quer dizer nada, que isso, que aquilo: despeito.

Até onde inovação é um critério de qualidade? Aliás, calhamaços sobre o que seria uma boa obra e má aquela que não se enquadra nessas regrinhas? Remando contra a moda, isso é quase sempre se frustrar, não dá mais para ler Machado de Assis, é bonito num boteco ficar citando Dom Casmurro e coisa e tal, mas Guimarães Rosa? Lindinho entre um gole e outro, boca cheia de tira-gosto, ruminar uma Clarice ou alucinações em teses de doutorado. Um livro ou outro isso. E eu recomendo Dezembro, sei, não é uma antologia para qualquer um, estou por dentro.

A sociedade expulsa aquilo que não pode assimilar. Octávio Paz. Em literatura significa panelinhas, cultura de massas, pizza. No duro, falta de qualidade. A mídia passando a mão, o leitor vai sendo formado em porcarias. Mal-informado. E medo novamente. Como no conto Espectro dissonante, já apresentado antes em Araraquara, para o Ignácio Loyola e tudo o mais, se é que isso quer dizer alguma coisa. Não há uma história, antes um círculo, traçado pela angústia e em torno do qual uma corrida infernal em busca de alcançar-se. Ou seja, inútil. Não é para quem quer finais felizes e tramas de Hollywood. Aliás, não tem nada a ver com cinema, ao contrário da literatura brasileira contemporânea, que acabou virando comércio. E arte é assunto difícil de ser negociado.

Ronaldo deveria ser mais lido. Contos como Destino e O rosto perdido figurar em qualquer roda de leitura que se preze. Poucas se prestam a tanto. Nada de velhos em chapadões ou de passados (e amores) perdidos. É démodé, é feio. E não adianta ficar enchendo lingüiça, páginas para convencer leitores que Cagiano é indispensável, etcétera, etcétera. É isso e ponto final.

Sobre o Autor

Whisner Fraga: Escritor, autor de Inventário do desassossego. Detentor de vários prêmios literários, dentre eles Segundo Lugar no Primeiro Concurso Internacional da Sociedade de Cultura Latina no Brasil, Terceiro Lugar no Primeiro Prêmio Missões, categoria Conto e Segundo Lugar no Com. de Contos de São Paulo. Organizador de antologias, publicou duas, "Encontros", de contos e "Literatura do Século XXI", de poesias. Teatrólogo, é autor da peça "Biografia de um dia só", um monólogo intimista.

 

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