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Vozes da alma: recado à felicidade

Dante Gatto*

Empenhado em fazer aquilo que mais gosta, que é difundir e facilitar para os leitores o acesso à ação científica e literária, o professor Robério Pereira Barreto, professor de leitura e semântica da Universidade do Estado de Mato Grosso – Unemat, lançou mais uma importante obra: "Vozes da Alma: Recado à Felicidade”, que trata de lirismo amoroso e introspectivo. “O poeta busca o caminho, nos labirintos da interioridade, que o levem a si mesmo”, afirma o professor Dante Gatto, que assina o prefácio do livro.


Prefácio

Nunca se está seguro diante da poesia. Quero dizer, quando se quer tirar dela uma mensagem. Aliás, não há mensagem possível diante da poesia. Você pode até argumentar que ela suscita um mundo de coisas, mas dizer ela não diz. E quando diz logo desdiz para dizer de novo. E assim vai. E quando diz peremptoriamente já não é poesia. Será o que você quiser que seja em versos, menos poesia. A única verdade possível é aquela que se destila da dúvida perene. O leitor pode até discordar de mim se for tomar, por exemplo, um lirismo de forte apelo social, mas não é desta poesia que eu estou falando. Estou me referindo às Vozes da alma: recado à felicidade. Trata-se de lirismo amoroso e introspectivo. O poeta busca o caminho, nos labirintos da interioridade, que o levem a si mesmo.

A palavra é sempre vital na literatura, não é? Está vitalidade podemos entendê-la com grandiosa claridade diante da essência concentrada que se configura o poema. Uma palavra inadequada na narrativa pode fazer um estrago enorme. Na poesia é morte. Além disso, a poesia convida o poeta ao engano de todas as maneiras possíveis e imagináveis: a rima e todas as formas de sonoridade, por vezes o ritmo etc. A palavra certa apela para uma complexa combinação de infinitos elementos, tanto quanto for a ambição do poeta.

Quantas vezes já participamos de dissabores metapoéticos na busca da dita cuja que escapa a ponto do poeta eleger a procura ou a luta como mote para sua poesia. O que eu quero dizer, por fim: "alma", "vozes", "recado" e "felicidade" casam-se perfeitamente no sentido de envolver a procura maior do ser, a felicidade. Esta procura se dá como princípio de vida: alma! Numa palavra só o poeta envolve todas as características da vida: pensamento, afetividade, sensibilidade etc. Acrescente-se: poeta pós-moderno, tais atividades não apresentam qualquer natureza substancial particular ou isolável da materialidade corporal, confundindo-se com a própria consciência pensante em sua dimensão psicológica, orgânica ou neuronial. A razão mesmo, como sabemos, no sentido kantiano, é a faculdade das idéias, as quais, como postulado, ultrapassam o conhecimento conceitual e científico que é domínio do entendimento.

Pois bem, se "alma" e "felicidade" são por demais oportunas, e fortes, apesar da fragilidade ("Fragilidade da Alma"), "vozes" e "recado", também oportunas, não me parecem palavras próprias da índole roberiana: intelectual incisivo, infenso aos mascaramentos da ambigüidade. Até posso vê-lo dizendo: Palavras da alma: acerto com a felicidade. Mas ele preferiu, por fim, "vozes" e "recado". O eu poético transige afinal. O universo da poesia é outro: movediço, nevoento, insólito. Todo conhecimento que tenho do colega, dos artigos científicos e das conversas nos corredores da Universidade, que seja naquela sala embruxada do Departamento de Letras, não me serve de nada agora, diante da poesia. Ora, a palavra "vozes" denuncia as muitas faces poéticas que se asilam na unidade plástica promovida pelo cotidiano. Fernando Pessoa tomado por forte racionalismo preferiu dividir-se em heterônimos, Mário de Andrade reconheceu-se "trezentos, trezentos e cinqüenta" e quantos de nós já não sentimos que nossas mais caras verdades, por vezes, escapam de nós mesmos. Mas o fenômeno da poética roberiana é bem outro: interferências, influências, discursos atravessados, interações, introjeções etc. Coisas da pós-modernidade: bakhtinianas. Bem, talvez eu esteja exagerando, mas acredito que a coisa vai por aí. Quanto ao "recado", se, por um lado, sugere um ataque incisivo; por outro, deixa aberta possibilidades para variadas interpretações: a volta por cima?

O primeiro poema, geralmente é assim em toda obra poética, procura (paradoxo) estabelecer parâmetros num universo insondável. Os elementos que o compõem são felicidade, solidão e alma, apesar de que o poeta, agora, prefere utilizar o termo espírito. A solidão que fora amiga "nos momentos de refúgio e reflexão", agora tem força de embrutecer o espírito. Portanto o poeta busca afastá-la de si sob pena da desumanização. No plano formal, o enjambement corrobora esta idéia:

Não agüento mais fazer
Companhia a solidão.


Estes versos serão repetidos na terceira estrofe, isolando a solidão:

Não agüento mais fazer companhia a
solidão.


Esta prática se revela uma constante em quase todos os poemas.

Os poemas que se seguem iluminam a complexidade do mundo interior do eu lírico. A amada se revela sob metáforas, como em "Noite e desilusão!": luz na escuridão. Afinal, a solidão insiste. Não é fácil. Até a possibilidade de uma metamorfose ("Metamorfose") é suscitada com "as alegrias desse corpo de meretriz". Possibilidade logo descartada em nome do "moralmente perfeito", natural, revelado em "Natureza quase morta" e confirmado em "Mentiras". A fotografia é perfeita. Poesia plástica. A palavra precisa arranjada com fina destreza. Encadeamento, hipérbato, rima toante e a delicada assonância e "o" estão na receita:

Na mesa de cabeceira
O jarro de flor artificial decora
Sob a penumbra do abajur a alcova.


Segue-se o dístico (objetividade) em redondilha maior (o ritmo medido suscita equilíbrio, não é?) e rima consoante (a batida certa corrobora todo o esquema anterior):

O amor trilha linha torta,
Natureza quase morta!


Há, pois, está tensão sempre presente, entre o clamor do corpo e o da alma. Tive impulso aqui de colocar o amor (reciprocidade entre duas pessoas) como síntese, mas não sei ainda se para o poeta a felicidade implica amor nestes moldes. É certo que ele dá muitos conselhos no sentido da aprendizagem ("Doar-se"), mesmo com a "intensidade dos insanos", mas, por outro lado, sugere equilíbrio entre emoção e razão ("Caçador de emoções"), se bem que com prioridade ao viver que consiste no "dinâmico e agridoce sabor da emoção".
Anunciei nas primeiras linhas desse prefácio a natureza indômita da poesia. O que temos diante de Vozes da alma: recado à felicidade senão um complexo estado de alma, apesar dos conselhos, dos apelos, das assertivas pontuais? Diriam os espíritos aburguesados que este tipo de conhecimento, que nos oferece a poesia, não serve para nada. Não serve mesmo se se pensar dentro do espírito de utilidade que movimenta a máquina capitalista. Mas então, para que serve? Se você não encontrar a resposta dentro de você, pode ter certeza, eu, nem ninguém mais, terá o poder de respondê-la. Encontrá-la representa a busca essencial que nos configura como seres humanos.

Dante Gatto
Tangará da Serra (MT), 14 de julho de 2005.

Sobre o Autor

Dante Gatto: Professor de Teoria da Literatura da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), campus de Tangará da Serra (MT), e doutorando da UNESP de Assis, na área de Letras (Teoria literária e literatura comparada).

 

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