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RESENHAS
“Pupilas ovais”: instaurando e quebrando encantos
Chico Lopes*
Rosângela Vieira Rocha nasceu em Inhapim, interior mineiro, e reside em Brasília, onde é professora da Faculdade de Comunicação da UnB. Publicou duas novelas, "Véspera de lua" e "Rio das pedras" e esteve em duas antologias, a de "...contos brasilienses", organizada e lançada por Ronaldo Cagiano em 2004, e "Mais trinta mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira", organizada por Luiz Ruffato, publicada em 2005.
É de contos o terceiro livro que ela lançará em Brasília no dia 14 de setembro, no restaurante "Carpe Diem" em Brasília. O livro, "Pupilas ovais", de 104 páginas, é uma edição FAC/LGE. Reúne treze narrativas curtas, em que se confirma o universo temático que a escritora já mostrara ter escolhido em seus dois primeiros livros: o da mulher, seja ela interiorana dos "fundões mineiros", seja ela metropolitana e requintada. A mulher brasileira é o tema de Rosângela, e, nesse sentido, sua pauta é ampla: vai da dona de casa convencional a mulheres mais marginalizadas, como as homossexuais de "Véspera de lua", livro particularmente corajoso e forte. Para "Pupilas ovais", Rosângela conta com prefácio da escritora Rachel Jardim.
Rosângela Vieira Rocha tem um jeito especial para lidar com o universo feminino. Um jeito que vai do lírico ao patético, do prosaico ao insólito, entremeado por muita ironia e um humor oblíquo, que o leitor descobre aos poucos e que nos dá a sensação de estarmos diante de uma escritora com consciência plena das criaturas que nos entrega. Em "Pupilas ovais", vão desfilar diante do leitor mulheres do interior mineiro (e o trabalho de Rosângela com as memórias de Inhapim nos traz muitas delícias de velhos detalhes, doces, fotonovelas, atrizes, canções esquecidas, utilizadas por ela de maneira cômica e reveladora) e das metrópoles - podemos ver claramente como Inhapim e Brasília se confluem, na geografia e na alma da escritora. A menina interiorana que mergulha a cara no glacê verde de um bolo em um conto é a adolescente mais informada que se apaixona por um vampiro de seriado e a iludida funcionária adulta de uma grande repartição brasiliense que se encanta por um maestro vindo da Romênia de dois outros contos (não importa a faixa etária e as mudanças de ambiente e cenário: essas mulheres são sempre só uma).
As personagens de Rosângela partilham de um desejo agudo de romantismo, de felicidade a qualquer custo, em geral a custo de um "kitsch" que a escritora manipula ironicamente. Sonhos de televisão, fotonovela, velhos livros (a escritora chega a citar M.Delly, autora de uma edulcorada coleção para moças do passado), elas querem viver num mundo encantado, mas, tal como num filme de Almodóvar, a realidade crua vive lhes dando rasteiras.
Isso não diminui a estatura dessas heroínas, que não perdem sua dignidade. São mulheres frágeis, conformadas, que subitamente mostram fúria, grandeza e uma insuspeitada capacidade de virar o jogo. Num conto particularmente bem construído, "O arroz de Lucília", veremos um exemplo delas numa pobre dona de casa, falsamente conformada com os desmandos do marido, que faz misérias de um consultório de dentista onde a amante dele foi tratar dos dentes com dinheiro que ele deveria destinar à família. Num outro conto admirável, "Academia de ginástica", uma mulher já envelhecida, mas ainda sonhadora, terá que desmontar os castelos que fabrica com um certo professor. O amor que ela procura, invocado pelo provérbio "wishful" da estrela, só pode mesmo existir em seus desejos - a realidade é bem outra.
Rosângela trabalha particularmente bem com nomes - em geral irônicos, engraçados, e, em sua cafonice deliberada, elementos de uma estética que faz precisamente o jogo de instaurar e quebrar o encanto, como em "Não-me-esqueças", conto em que, aliás, duas mulheres se defrontam em duelo psicológico bem cruel, e uma delas é Miosótis.
Mas, Rosângela não esquece os homens, e temos dois exemplares masculinos irônicos em "Dentes perfeitos" e "Pupilas ovais". São homens literalmente massacrados por fêmeas perversas, homens de uma curiosa fraqueza, desfibrados, sensíveis, que serão - tal como outras mulheres malogradas - obrigados a se erguer de suas cinzas com uma nova consciência.
Os contos de "Pupilas ovais" confirmam um universo literário coerente, mas que reserva imprevistos. Rosângela tem talento o bastante para quebrar o lugar-comum e colocar os clichês de ponta-cabeça, sempre apostando na inteligência do leitor - ou da leitora. Homem ou mulher, ela sabe que na Literatura o que está em jogo é o Humano, acima de tudo. E nessa direção aposta todas as suas fichas.
Legenda: Capa de "Pupilas ovais", um desenho de Chico Lopes
Sobre o Autor
Chico Lopes:
Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.
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Francisco Carlos Lopes
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