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Retrato impossível de uma nação

Mia Couto*

O escritor moçambicano Mia Couto transformou a literatura no caminho para a construção de seu país

Mia Couto é um caso literário condenado ao silêncio dos leitores do Brasil. Seus livros não repercutem no imaginário local como seria justo reivindicar. Contudo, este autor moçambicano deveria nos significar bastante, porque, simples ao fabular, ele transformou a literatura em caminho para a construção de um país. Quem, no Brasil, não desejaria conhecer esse projeto interessante?

Como o moçambicano José Craveirinha ou o angolano Maurício Gomes, Mia Couto praticou literatura de cunho fundador. Inspirado pelo modernismo brasileiro, que proclamou a autonomia literária cem anos depois daquela política, Couto teve a sorte de estar concomitante nas duas frentes locais. Acreditou em uma nova política, sem abandonar a crença imediata em uma literatura que nem nova era – era a primeira.

Apesar disso, não será preciso enfrentar em suas letras a dificuldade do experimento. Para o autor de O Último Voo do Flamingo , publicado originalmente em2000, nitidez é atributo essencial. Couto escreve em busca de novas luzes, mas também de união. Pratica uma delicada literatura não revolucionária, antes “reacionária”, no sentido de que suas armas apontam para as raízes sociais e lingüísticas de Moçambique (um pouco à moda do que, em Minas Gerais, fez Guimarães Rosa,uma das referências essenciais do escritor).

A literatura de Couto, contudo, tem mais do que A Terceira Margem do Rio. Tem Gabriel García Márquez, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira. É uma literatura contemporânea por não estar só, por buscar desesperadamente uma síntese de modelos. Este Último Voo (não estranhe a ausência de acento, já que a edição brasileira preservou toda a grafia original do livro) exemplifica a confluência de vertentes romanescas e poéticas do autor. Há epígrafes em cada capítulo, como há até em Christine, de Stephen King, e elas sublinham as tensões. As novidades são muitas. “A única coisa que eu posso dizer é que estou tentando criar... beleza, mostrar um pouco o que é a responsabilidade de alguém fazer uma língua sua. (...) Por exemplo, abolir esta fronteira entre poesia e prosa”, explicou Couto a Patrick Chabal em uma entrevista de 1994, incluída no livro Vozes Moçambicanas: Literatura e Nacionalidade (Vega, Lisboa).

Segundo entre três irmãos nascidos na Beira moçambicana, filho de Fernando, jornalista e poeta português expatriado, o escritor de 50 anos António Emílio Leite Couto relatou sentir-se excluído da elite branca do país africano desde a infância. Seu fascínio se dirigia aos nativos negros, à sua literariedade oral, quase abolida do convívio civilizado português. Eles falavam como quem rezava... Quando iniciou sua trajetória nas letras, em 1983, com o livro lírico e antipanfletário Raiz de Orvalho e Outros Poemas, imaginou-se como um tradutor do ambiente sugerido por aquele mundo negro, servindo-se da moldura literária branca. Por brancos, ele não entendeu apenas as máximas expressões lusas, mas os brasileiros que haviam se despregado do cânone e, antes dele, inaugurado uma visão libertadora das imposições lingüísticas.

Por isso, o narrador de O Último Voo do Flamingo é simplesmente um tradutor que, nascido na vila de Tizangara, deve promover o entendimento entre a administração local e o funcionário italiano das Nações Unidas Massimo Risi. Risi vem investigar por que razão os soldados da ONU explodem em Tizangara, restando-lhes intactos apenas os pênis. A chave desse mistério pode estar com a prostituta Ana Deusqueira, com Temporina, a mulher com cara de velha e corpo de deusa, ou com Sulplício, o pai rosiano do protagonista. O tradutor não se esquece da mãe: foi ela quem lhe disse que os flamingos carregam o dia no seu último vôo. Quando eles partem, o dia se põe, e se não voltam no fim da noite, o novo dia não nasce.

Todo o enredo é urdido com simplicidade, como convém, e o escritor jamais nega a necessidade de colocar nele um certo humor. Os flamingos, espécies de barcas do Sol egípcias, são a força vital da nação, e é por isso que todos esperamos que voltem.Couto inventa sem inventar: seu romance é curto, mágico e realista. “O mundo não é o que existe, mas o que acontece”, reza um de seus ditos. Apesar de às vezes engraçada, sua trama se revela essencialmente melancólica, com um traço português de pessimismo e saudade por aquilo que jamais retornará ou acontecerá. Ao fim do livro, saberemos quão distante está aquele país africano de uma realidade, de um acontecimento. O escriba traduz o que vê.

Ainda que tanto esforço tenha sido empreendido por este autor em busca de descrever uma nação, seu livro nos deixa a impressão forte de que ela, a descrição, ainda se resume à impossibilidade. Moçambique está quieta. E esta quietude nasce das bocas fechadas dos próprios negros africanos. O que é este pensamento que moldou a nação? Quem são os verdadeiros pensadores que orientam o país? “Eu não reivindico que sou um africano completo”, afirmou Couto naquela entrevista de 1994. “Não, eu sou uma pessoa misturada, eu sou moçambicano mas com toda essa carga de diversidade, não estou mascarado de negro, não tenho tribo.”

É como se Homero estivesse de ombros pesados, cansado de tentar explicar os troianos pela força grega da língua. O cineasta Jean-Luc Godard, no filme Nossa Música, faz essa distinção filosófica que nos pode ajudar aqui.Os troianos, como os palestinos, não detiveram a força literária – não puderam, em essência, contar a própria história. E é por isso, diz Godard, que a epopéia israelense se transformou em grande ficção, enquanto a realidade palestina se torna um documentário para sempre. É de esperar que Mia Couto seja uma inspiração, um primeiro passo para o surgimento dessa importante expressão nativa. (Rosane Pavam)

Retrato impossível de uma nação
O Estado de S. Paulo / Data:20/3/2005

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Sobre o Autor

Mia Couto: Escritor e jornalista moçambicano, natural da Cidade da Beira (província de Sofala) e filho do poeta portuense Fernando Couto. Em 1972, fixou-se em Maputo para seguir estudos de Medicina. Mas o movimento estudantil era demasiadamente forte, já havia fracções de estudantes ligadas à Frelimo, pelo que Mia já se norteava pelas razões da causa. Viria a interromper o curso em 1974 e a dedicar-se a actividades jornalísticas. Em 1974 estava no jornal A Tribuna, tornando-se sucessivamente director de AIM (Agência Informativa de Moçambique), da revista Tempo e, até 1986, do Jornal de Notícias, que era o órgão oficioso. Em 1983, publicou um livro de poesia, Raiz de Orvalho. Reingressou na universidade em 1985, para concluir o curso de Biologia. Em 1986, publicou a sua segunda obra, um livro de contos intitulado Vozes Anoitecidas.

Entre 1987 e 1988, assinou semanalmente uma rubrica de crónicas no Jornal de Notícias, da qual resultou a publicação do livro Cronicando, que foi prémio anual da Crónica (1988). Na década de 1990, assinou um livro de «estórias», Cada Homem é uma Raça (1990), o seu primeiro romance, Terra Sonâmbula (1992), um livro de contos, Estórias Abensonhadas (1994), A Varanda de Frangipani (1996), obra que foi transposta para o teatro em 2000, Contos do Nascer da Terra (1997), Vinte e Cinco (1999), O Último Voo do Flamingo (2000) e Mar Me Quer, um livro «para entrar no céu», com ilustrações de João Nasi Pereira. Tem várias obras traduzidas em espanhol, francês, inglês, italiano, alemão e sueco.

Foi o vencedor do Prémio Literário Vergílio Ferreira de 1999, atribuído pelo conjunto da sua obra. Em 2001, a obra O Último Voo do Flamingo foi distinguida com o Prémio Literário Mário António, instituído pela Fundação Gulbenkian.

 

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