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A Transgressão Sutil

Whisner Fraga*

Autor de Nó de sombras, lançado em 2000 pelo Instituto Moreira Salles, avalizado por críticos e escritores, entre os quais Ignácio de Loyola Brandão, Chico Lopes é um contista à moda antiga, aqui entendida por sua inclinação ao texto clássico, sem apelo a vanguardas ou inovações formais. Tendo estreado aos 48 anos, sua obra refletiu o grande período de amadurecimento e reflexão que deve nortear a obra de qualquer escritor. Não é pra menos. Tradutor de Henry James, Lopes sabe que o autor, antes de tudo, tem uma responsabilidade estética, pois é um comunicador, um formador de opinião, portanto optou por esse compromisso verdadeiro com a arte, o que exigiu de si tempo e consistência. E a espera valeu a pena, pois sua prosa - meticulosa, exata e sem desvios – oferece ao leitor um conjunto homogêneo, tanto na temática como na estrutura, em cujas narrativas, sentimos a sua concentração textual e a segurança de um veterano.

Há em seus contos, muitas vezes com o fôlego de uma novela, um esmero no encadeamento das ações e idéias. A tensão é meticulosamente criada seguindo uma seqüência linear de acontecimentos, como num filme, resultado de sua estreita relação com o cinema. Chico é programador e crítico de cinema do Instituto Moreira Sales, parente espiritual de David Lynch, Lars von Trier e Alfred Hitchcock, como bem notou Nelson de Oliveira, na orelha do livro. Em sua prosa é nítida a influência da sétima arte.

Há duas vertentes na literatura contemporânea. A de viés clássico - que reproduz os paradigmas machadianos; e uma inclinada à transgressão – muitas vezes se perdendo na ingênua intenção de romper com os cânones. Firmar-se na primeira alternativa pode ser custoso e nem sempre com resultados favoráveis, porque sempre ronda o fantasma dos grandes escritores do passado. Já os pretensos transgressores, se de um lado adotam a solução fácil dos textos de ruptura formal e conceitual, como os representantes da Geração 90, por outro, deixam a desejar, pois esbarram num fenômeno comum às estréias apressadas: a falta de qualidade e coerência, o que, em última análise, resulta da ausência de experiência criativa, e até de leituras, dos novos. Com relação a essa segunda classe, apesar de beneficiária dos holofotes da grande mídia e das editoras de porte, só ao tempo caberá fazer sua triagem e ao filtro da qualidade poucos resistirão. Isso não é um vaticínio, mas uma constatação a partir do que temos visto, lido e ouvido.

Chico Lopes é tributário de uma literatura que não se apega a modismos nem se vale das benesses de uma crítica de mera homologação ou de amizade. É filho da grande literatura, e foi através de sua condição de leitor detido e consciente, que foi recolhendo a lição dos mestres. Este Dobras da noite é resultado de um permanente espírito crítico, que o fez curtir ao máximo seus contos. Nos nove textos, Chico constrói personagens fortes, marginalizadas, ambíguas, que certamente o marcarão como um dos grandes prosadores do Brasil deste novo século. Certa vez Luiz Vilela afirmou que um bom conto era aquele cuja história permanecia na memória do leitor. Ratificando a assertiva do contista mineiro, o texto O manco, que abre o volume, sem dúvida, deverá perdurar na mente dos que se debruçarem sobre a obra.

Utilizando a escuridão como alegoria e/ou pano de fundo para o paroxismo e a desesperança de seus protagonistas, Lopes elabora histórias pungentes, lastreando o ranço da realidade pelas sombras, por si mesmas marginalizadas, de tantas vidas à deriva. Da edênica Poços de Caldas, que outrora abrigou João do Rio, o paulista de Novo Horizonte ergue uma sólida base para a sua carreira de escritor, provando que, estando em Paris ou em Ituiutaba, é possível uma arte de qualidade e universal, desde que se tenha talento.

Sobre o Autor

Whisner Fraga: Escritor, autor de Inventário do desassossego. Detentor de vários prêmios literários, dentre eles Segundo Lugar no Primeiro Concurso Internacional da Sociedade de Cultura Latina no Brasil, Terceiro Lugar no Primeiro Prêmio Missões, categoria Conto e Segundo Lugar no Com. de Contos de São Paulo. Organizador de antologias, publicou duas, "Encontros", de contos e "Literatura do Século XXI", de poesias. Teatrólogo, é autor da peça "Biografia de um dia só", um monólogo intimista.

 

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