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Concertos para arranha-céus

Claudio Willer*

Os relatos de Concertos para arranha-céus vêm confirmar Ronaldo Cagiano, também poeta e crítico, como um dos mais consistentes dentre os narradores contemporâneos brasileiros, com sua prosa vigorosa e precisa. À primeira vista, ou em uma primeira leitura, predomina a impressão da diversidade, diante dos textos mais longos, alguns, e mais breves, outros, passando do monólogo interior e da narrativa na primeira pessoa até o registro mais linear, bem descritivo. Também há diversidade temática: os enredos variam ao longo do tempo; tratam de diferentes épocas e lugares, desde uma Cataguases e as metafóricas Santa Rita de Duas Pontes e Curralópolis do início da década de 1960, até hoje, o aqui e agora, com passagens cuja ação chega a este 2004.

Mas, por trás da diversidade aparente, há unidade, Santa Rita, Curralópolis e Cataguases são microcosmos da grande metrópole focalizada em Paralelo 16: olhar 43 e outros dos textos deste narrador mineiro de Brasília. Relações de poder, desigualdade, dominação e a política miúda apresentam equivalência nas províncias pretéritas e na Brasília de hoje, encontro e réplica de todos os Brasis.

Se, em outras ocasiões, a capital já foi celebrada no modo eufórico, aqui o tom é disfórico, ao tratar de uma cidade que se tornou ciclópica e traiu suas origens, as promessas feitas aos que se engajaram em sua construção e a escolheram como morada, conforme relatado logo no início. Como um organismo vivo, vai engolindo seus habitantes, com sua artéria infartada de automóveis, gente, outdoors. Por isso, é vista como máscara, simulação, o presente suntuoso com suas guirlandas de novidades estancando o que um dia houve e retornando em flashes mnemônicos. Mas esses flashes, fragmentos de memórias, acabam por reiterar que Ontem, como hoje, como amanhã.., frase de um final de conto que também poderia ser título do livro todo. Seu verdadeiro tema é a história do Brasil nas últimas 4 décadas, que se confunde com a biografia do próprio narrador (ou vice-versa). O conjunto dos textos apresentados em Concerto para arranha-céus corresponde a uma grande narrativa, que só poderia ser apresentado como sucessão não-linear, painel feito de fragmentos, pela complexidade e pelo caráter não só dinâmico, mas caótico da realidade que abarca.

As epígrafes e referências a autores, a começar pela homenagem a Samuel Rawet, que aparece, no primeiro dos contos do livro, como arquétipo da relação antagônica entre o escritor e seu tempo, passando pela boa lembrança de Vitor Giudice e suas representações do mundo como absurdo, mostram que a escrita de Cagiano, voltada diretamente para a vida, para o real imediato, também é um diálogo com a própria literatura; em especial, com o melhor do que se escreve hoje no Brasil. Seleciona frases, desde os trechos de poemas na abertura do livro, que correspondem a uma ampla reflexão sobre a relação entre o homem e a metrópole moderna. Parece-me haver, contudo, um autor ausente nessas referências: o João Antonio de Abraçado ao meu rancor. Isso, por afinidades de estilo bem evidentes, principalmente nos trechos na primeira pessoa de A cidade proibida, e porque as emoções e sentimentos que movem esses dois prosadores, João Antonio e Cagiano, são as mesmas: a indignação, o senso crítico agudo, o desprezo pelas concessões. Ou não, a referência talvez nem seja necessária. Qualidades e motivações para escrever que esses dois autores partilham são comuns a tantos outros; e mais, são universais, pois correspondem àquilo que move a boa literatura contemporânea.

Sobre o Autor

Claudio Willer: Poeta, ensaísta e tradutor. Sua formação acadêmica é como sociólogo e psicólogo. Traduzido e publicado no exterior.

Depois de ocupar outros cargos e funções em administração cultural, foi assessor na Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, responsável por cursos, oficinas literárias, ciclos de palestras e debates, leituras de poesia, de 1994 a 2001. Dezenas de participações em congressos, seminários, ciclos de palestras, apresentações públicas de autores etc., no Brasil e no exterior. Presidente da União Brasileira de Escritores, UBE, eleito em março de 2000 para o cargo que já exerceu em dois mandatos anteriores, entre 1988 e 92; reeleito em março de 2002; além disso, também secretário geral da UBE em outros dois mandatos (1982-86), e presidente do Conselho da entidade (1994-2000).

 

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