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RESENHAS
José Geraldo Neres e os Poemínimos
Ricardo Alfaya*
José Geraldo Neres, da nova geração de poetas de Diadema-SP, vem desenvolvendo uma poesia lírica, na qual se percebe cada vez mais a tendência à concisão.
Parte de sua produçao se volta para a temática social, como a presente na antologia "Poética Social: tempos perplexos", coordenada por Beth Brait Alvim, pelo Departamento de Cultura de Diadema, 2002. Obra que certamente o inspirou a editar na Internet a revista homônima, "Poética Social", da qual tenho a satisfação de ser um dos colaboradores. Nesse setor, sua poesia se revela vigorosa, manifestando-se em prol das minorias, dos excluídos, da paz e da justiça entre os homens.
Outra vertente do poeta se revela mais complexa. Temos poemas de forte simbolismo, não raro recorrendo a imagens surrealistas e ao realismo fantástico. Talvez por essa razão, inclusive, sua poesia venha tendo boa receptividade por parte de editores de sites de língua hispânica, que têm divulgado o trabalho do autor.
José Geraldo vem-se dedicando, igualmente, à poesia erótica, da qual se acham exemplos no site Escritora Vânia Moreira Diniz. O gênero faz parte do "Projeto Ambrosia". A singularidade que diferencia a poesia erótica de Neres da realizada pelos demais autores é comentada no penúltimo parágrafo.
Por fim, há o gosto pela poesia de concisão máxima, os "poemínimos", trabalhos nos quais se despoja de todo peso, revelando seu lado mais leve, espirituoso e observador. Sem dúvida, nota-se aqui a influência da poesia oriental, em particular do haicai, que o poeta incorpora a seu modo bem peculiar.
Entretanto, muitos dos poemínimos combinam a descontração da escrita, uma fala mais clara, livre e direta, com a preocupação social. Como se uma melancolia atrapalhasse a "brincadeira", nublasse o espírito, deixando no poema um rastro de sombra. Assim ocorre no belo terceto:
lama negra
sem alegria
brinca uma criança
(José Geraldo Neres)
Aliás, chama a atenção a quantidade de poemínimos em que crianças são mencionadas. E o verbo "brincar" aparece em outro terceto. Agora é o tempo que brinca, numa imagem simbólica, ambígua, ao mesmo tempo lúdica e dramática, podendo ainda servir de exemplo para o que falamos mais adiante sobre os estados meditativos, nos quais ocorre uma suspensão do fluxo do pensamento, o que, de certo modo, relaciona-se também a uma idéia de parada do fluir do tempo:
o tempo brinca
carruagem suspensa
muralha d_água
(José Geraldo Neres)
Voltando ao tema das crianças, é interessante como há alternâncias entre momentos de dor e sofrimento em contraste com outros de entrega e enleio. Vejamos mais alguns tercetos:
lata na cabeça
criança no ventre
vai aonde?
gesto
gestante, dor
grita uma criança
leite
sabor de mãe
toco o seu peito
chora a criança
esperança doce
no colo da mãe
samambaia
— embala —
dorme a criança
(os cinco poemas são da autoria de José Geraldo Neres)
Em entrevista a Rodrigo de Sousa Leão, para a publicação virtual Balacobaco, falei que em geral se discute pró ou contra a questão da preponderância da razão ou da emoção como fonte criadora na poesia. No entanto, há um outro estado capaz de engendrar um poema: o da meditação. Do estado de concentração medidativa, que leva a mente a ficar tranqüila, vazia, deserta, receptiva, pode emergir o "insight". A julgar por alguns textos, é bem provável que certos poemínimos de José Geraldo sejam fruto de um estado alterado de consciência. São escritos que parecem resultado de uma situação "alfa" da consciência. Neles, as paisagens evocadas sugerem metáforas da mente, quando em estado meditativo. Além do poema a que já nos referimos no sétimo parágrafo, observem-se os tercetos:
o vento
acaricia o dia
na relva sonolenta
lentamente
o dia caminha
a trilha do tempo
o silêncio da luz
sorriso-escuro sem força
e o chão
(os três poemas são da autoria de José Geraldo Neres)
Nestas considerações, ressaltamos muitos tercetos. Entretanto, outros poemínimos do autor apresentam número diferenciado de linhas. Para exemplificar, encerremos com este, no qual aparecem as características de surrealismo e erotismo mencionadas anteriormente. Aliás, a sensualidade na poesia de José Geraldo foge ao trivial. Numa época em que o "sexo explícito" tornou-se lugar-comum no gênero, o poeta tem preferido recorrer à sensualidade implícita, muitas vezes transformando objetos e elementos da natureza em sujeitos ou intermediadores da ação, conforme sucede neste criativo poema relacionado ao Gênese:
fruto pecado
maçã morde pêra
macio corpo
jovens
corpos colados
temendo a liberdade
(José Geraldo Neres)
Naturalmente, estivemos longe de esgotar as possibilidades de leitura dos poemas mencionados. E há vários outros que nem sequer chegamos a citar, que fariam jus a uma análise. Nosso intuito foi apenas de fornecer algumas pistas, dar um retorno ao autor e também contribuir para que seus poemínimos consigam do leitor a atenção que merecem.
Nota: Para realização deste trabalho, recorremos a textos de José Geraldo Neres presentes no livro supracitado "Poética Social: tempos perplexos", coordenada por Beth Brait Alvim e também a poemas e informções constantes dos seguintes "sites" da Internet: Grupo Palavreiros de Diadema-SP; PD-Literatura (em página de março de 2003, apresentando seleção de poemas do autor por Silvana Guimarães); Portal da Poesia (de Adriana Zapparoli); e Site da Escritora Vânia Moreira Diniz.
Rio de Janeiro, 23 de março de 2003.
Sobre o Autor
Ricardo Alfaya: jornalista, poeta e escritor carioca. Editor de Nozarte Informativo Impresso e Eletrônico. Autor de inúmeras resenhas, prefácios e ensaios literários.
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