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UMA METAFICÇÃO INTELIGENTE

Mauro Rosso*

Contos de Alberto Lins Caldas retomam a tradição de J.J. Veiga, Murilo Rubião e Cornélio Pena.


Por praticar uma escrita diferenciada, que não privilegia ação e tramas ágeis, carregada de caráter mais intimista, e exibir um estilo algo lírico e filosófico, que foge de um modelo tradicional de contar histórias, Alberto Caldas propicia ao leitor a descoberta de um tipo de escrita, para usar expressão de Julio Cortázar, “qual o tremor de água dentro de um cristal”.

Muito bem construídos, não obstante certas repetições temáticas e estilísticas, seus contos caracterizam-se mais pela densidade humana imprimida a suas (micro) tramas e pelo brilho da escrita, do estilo e da linguagem, do que propriamente pelas histórias narradas. Caldas é acima de tudo um criador de atmosferas em que se perdem os limites entre planos distintos da realidade, com farto uso do insólito, do onírico, do fantasioso, aliando eficiência técnica com inventividade alegórica.

Alegórica, sim, poética, sim - e não fantástica, porque lida com representações da realidade em tom nada fantasmagórico ou de terror, dando ênfase ao excepcional, ao estranho, ao absurdo, a la Marcel Schwob, de Vidas imaginárias ( não por acaso "inspiração confessa" de Borges, de quem Caldas incorpora marcas indeléveis).

Ele pertence muito mais a uma vertente lúdica da literatura brasileira - Murilo Rubião, Cornélio Pena, J.J.Veiga, Victor Giudice, expoentes do "conto alegórico". E mais: na densidade psicológica inerente a seus textos, remete ainda a Clarice Lispector e Lúcio Cardoso, autores de quem assimilou o intento de fazer da literatura não só um trabalho de introspecção, mas também uma interrogação a respeito da linguagem.

Babel amplia e redimensiona muitas propostas temáticas, estruturais, formais, estilísticas e mesmo filosófico-ideológicas do conto brasileiro contemporâneo. Bom contista que é, Caldas capta os elementos do real, ainda que por vezes caia em clichês e lugares-comuns, utiliza a fantasia como combustível ficcional.

Há uma relação de intertextualidade entre os contos, que se integram qual um mosaico borgeano de espelho, recorrência e reflexo: sintomático e revelador o conto final "O criador" - autêntico exemplar de metaficção inteligente - falar da busca pelo Livro "perfeito, total e definitivo" (frustrada: afinal, Borges sentenciou que "todos os livros já foram escritos"), e o próprio título da obra ser Babel.

Assim, encaixam-se frases, situações, ambientações, imagens e figuras (dragão, animais, natureza) de um conto em outro, mesmo à custa de algumas inconveniências repetitivas: o fio da narrativa não se atém à realidade, a escrita serve como meio de expressão e reprodução de formas de representação alegórica. A linha aparentemente reta da realidade é substituída pela elipse, circular; círculo que é figura e emblema do texto de Caldas, o próprio leitmotiv narrativo onipresente.

Vindo do ensaísmo acadêmico - é mestre em História, doutor em Geografia Humana - USP; tem como "áreas de interesse a hermenêutica, a filosofia, a epistemologia"; autor de Materialismo Histórico e Arqueologia, História e Arqueologia, Interpretação e Realidade, Oralidade, Texto e História, Nas Águas do Texto; residente em Porto Velho, Rondônia, Alberto Caldas encontra um novo caminho na seara da ficção.

Sua técnica narrativa - e o domínio da técnica se vislumbra no distanciamento analítico de sua narração, não obstante o tom poético, sensível, da escrita -, seu estilo, a temática abraçada, abrigando certa originalidade, talvez anunciem o que venha a ser a escrita marcante da primeira década do novo milênio - distanciando-se da mesmice da propalada pós-modernidade e seus indesejáveis desconstrutivismos.

Sobre Alberto Lins Caldas: Escritor e professor doutor pela USP em história oral. Já escreveu outros livros como "História e oralidade"(ensaios) e outro sobre literatura. Tem pelo menos mais uns 10 livros engavetados.

Sobre o Autor

Mauro Rosso: Mauro Rosso é jornalista, professor de literatura e consultor editorial.

UMA METAFICÇÃO INTELIGENTE: artigo originalmente publicado no Jornal do Brasil, Idéias, no dia 11/05/2002, encaminhado pelo autor do livro BABEL, Alberto Lins Caldas


 

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