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RESENHAS
De moscas, cabeça e homens
Whisner Fraga*
Quando Luiz Vilela me disse que estava com um novo livro de contos pronto e que tinha até nome e editora, fiquei assombrado. Primeiro porque há vinte três anos, desde Lindas Pernas, que o autor não passeava pelo estilo que o tornou conhecido e que ele soube conduzir até à perfeição. Recluso na sua provincial e telúrica cidade natal, Ituiutaba, Vilela teve tempo não só para aprimorar um gênero que ele domina desde a estréia, como para receber novas influências, legando-nos uma obra que tem muito de contemporaneidade e passado, de cosmopolita e paroquial.
A cabeça reúne dez contos inéditos de Luiz Vilela. Bem verdade que alguns deles nem tão inéditos, pois foram publicados em jornais, suplementos e revistas. Os diálogos precisos, fartamente estudados e traduzidos, encontram lugar de destaque nestes novos textos. Os personagens, com algumas variações, são acolhidos pela banalidade e pelo anonimato, confirmando a predileção do contista por criaturas comuns, mas extremamente literárias. A ironia merece lugar especial nessa coletânea, mas com uma roupagem de sutileza, a reboque de piadas que adereçam os diálogos dos protagonistas, à exaustão.
Vilela também dá alguns puxões de orelha em seus leitores, chamando-os à atenção, como acontece no conto Freiras em fuga, quando o contista coloca na fala de suas (nem tanto) enclausuradas um hipotético sexto mandamento, travestido numa intrusa ordem de “não pecar contra a castidade”. Aliás, Deus e religião sempre foram temas recorrentes na obra do escritor mineiro, como se tentasse, desde o seu Tremor de terra, exorcizar a decadente moral pequeno-burguesa de seus conterrâneos.
Em Suzy, um dos grandes momentos do livro, Vilela constrói personagens e jamais heróis. Engana o leitor com a história da menina inocente que busca abrigo para se proteger de um suposto estuprador num apartamento vizinho, em que mora um jovem jornalista. Aos poucos o caráter da pré-adolescente é revelado e a violência e a sexualidade de uma sociedade banalizada pelo neoliberalismo são mostradas sem falso idealismo.
Luiz Vilela não é um autor fácil e por isso não é lido como merecia. Seus diálogos, marcados pelo coloquialismo e simplicidade, permitem que qualquer leitor se embrenhe com sucesso em suas tramas, mas seus temas muitas vezes confinados a tabus, seus personagens marginalizados e suas histórias tristes e desesperançadas parecem afastar o leitor mais acostumado à solução pronta fartamente presente na literatura brasileira contemporânea.
Em Más notícias, o contista trata de um tema difícil, a política. Mas o faz com tal ironia que obtém um resultado bastante verossímil. Nesse conto, um candidato à prefeitura de uma cidade do interior se vê com um problema enorme às vésperas do que seria seu discurso da vitória. Um de seus caminhões de bóias-frias sofreu um acidente, por negligência do motorista, matando uma pessoa e ferindo outras tantas. O político, juntamente com seus auxiliares, numa breve conversa, ajeita o plano para reverter a situação, promessas que não serão cumpridas, ironias daqui e dali. Num dos episódios mais tragicômicos, o político, preparando seu discurso, solta um “com o coração esmagado pela dor...”, sendo prontamente lembrado que a palavra “esmagar” era inadequada ao caso, já que fora assim que o bóia-fria havia morrido.
A exemplo de Rubem Fonseca, Luiz Vilela trata do escatológico, tema sempre complicado e tantas vezes banalizado. E se sai bem no conto Luxo, em que dois engenheiros discutem detalhes da construção de um apartamento, tentando resolver um impasse sobre um banheiro de empregada com meio metro a menos.
Rua da amargura mapeia a violência. E a pior delas, a da exclusão social. Nesse conto, dois filhos desejam arrancar os dentes de ouro do pai moribundo para pagarem as dívidas de sua oficina.
A tiragem do livro está aquém da importância e da trajetória literária de um autor consagrado como Vilela, o que nos assusta, deixando claro que a boa literatura está sendo superada pelo lixo literário e por certos modismos que nascem sob o falso selo da inovação e que são matéria de certa crítica acadêmica. E mesmo com lançamento previsto para as principais capitais brasileiras, temos de ser otimistas para prever que esta edição se esgotará em um ano.
Os contos de A cabeça não trazem muitas inovações, os leitores encontrarão o veterano e experiente autor de Tremor de terra, velho de guerra, preciso e irônico, que se destacou na literatura brasileira como um dos maiores contistas já surgidos na segunda metade do século passado.
Luiz Vilela nasceu em Ituiutaba, Minas Gerais, em 1943. Estreou na literatura em 1967, com o livro de contos "Tremor de Terra", que lhe rendeu o Prêmio Nacional de Ficção. Tem mais de quinze obras publicadas entre elas: "Tarde da Noite" (1970), "Os Novos" (1971), e os contos "O Fim de Tudo", ganhando o prêmio Jabuti daquele ano.
Sobre o Autor
Whisner Fraga:
Escritor, autor de Inventário do desassossego. Detentor de vários prêmios literários, dentre eles Segundo Lugar no Primeiro Concurso Internacional da Sociedade de Cultura Latina no Brasil, Terceiro Lugar no Primeiro Prêmio Missões, categoria Conto e Segundo Lugar no Com. de Contos de São Paulo. Organizador de antologias, publicou duas, "Encontros", de contos e "Literatura do Século XXI", de poesias. Teatrólogo, é autor da peça "Biografia de um dia só", um monólogo intimista.
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