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Os árduos e glorificantes caminhos da literatura jeovaneana

Jeová Santana*

Resenha de autoria de Floricélia Marta Santos*

Após quatro anos da publicação de seu último livro de contos - A Ossatura -, Jeová Santana dá à luz a sua mais nova criação, Inventário de Ranhuras, tendo também publicado, no ano de 1993, Dentro da Casca, também de contos.

Jeová revela-se um escritor surpreendente quando o assunto é a boa literatura. Suas palavras, em sua última obra, reverberam a contemplação do tempo e a necessidade de rebuscar o passado como forma de materialização temporária das coisas que fogem com esse elemento permanente (o tempo) a fim de se esquecer das mazelas do presente; a angustia diante dos padrões morais pré-estabelecidos pela sociedade; além de deixar bem claro sua ojeriza pelos protótipos de filmes americanos "com mais de mil tiros só na primeira cena ou contando as aventuras de um cachorro" (p. 13), e das novelas brasileiras com "aquela ruma de homem com peito de fora e um corre-corre desgraçado" (p. 14).

O medo da solidão - "personagem" que nos acompanha em nossas andanças pelo mundo afora - é um elemento muito presente nessa nova empreitada. "Ao findar da tarde, vem a hora mais difícil, pois se encontram durante o jantar. Para diminuir o constrangimento, tomou a iniciativa de comer diante da tevê" (p. 14). É nessa luta de querer livrar-se dela (a solidão) e ao mesmo tempo de se sentir só, que o Ser humano, dentro de sua infinita complexidade, afasta-se de seu semelhante e dá vida a objetos inanimados, na certeza de que, bastando um clique, nada mais poderá importuná-lo.

Os árduos e glorificantes caminhos da literatura Jeovaneana oscilam entre o espírito saudosista, encontrado em "O Poetaro", o radicalismo irônico em "Aracaju By Night", "O Falador" e em outros tantos que se espalham pela obra. Neste aspecto, destaca-se ainda "O Cantor das Multidões", texto escrito em um só parágrafo, o que vem a caracterizar o fluxo de consciência do narrador-personagem, num breve momento em que este se lembra de sua rotineira vida de músico "sem coragem pra enfrentar as palavras" (p.107). já as sinestesias causadas por expressões como "pequeno lote de convivências", "o couro comia", "lambendo com os olhos aquele despropósito de carnes", "o cheiro branco dos médicos", "seu rio de cabelos subia e descia" etc., são também marcas de sua nova criação.

O que também chama a atenção, no livro, é a FORMA que Jeová deu a muitos contos. Em "Relatos Frios", por exemplo, apesar de utilizar uma técnica já inaugurada por Machado de Assis (a do defunto autor), o autor soube mesclar fatos catastroficamente reais - daí o fato de serem frios os relatos - com a ficção, sempre utilizando a primeira pessoa. O conto "Macacos", exemplo típico do Conto Fantástico, revela-se como uma verdadeira metáfora para a multidão de famigerados e analfabetos existentes em nosso país.

Outro elemento interessantíssimo foi a criação de um receptor oculto em certos textos nos quais se percebe um diálogo travado entre duas personagens apenas. Sem contar com os termos que tão bem caracterizam o nosso regionalismo: "engabelado", "oitão", "consumição", "caçuá", "sisudo"; e das justaposições como "malouvida" e "senvergonha".

Além desses aspectos, pode-se ressaltar, nesta página tão alva e tão sedenta de palavras, a suave agressividade das expressões e um tímido erotismo - tímido se comparado a João Ubaldo Ribeiro, em A Casa dos Budas Ditosos: "Nunca se amarrou em mulher nenhuma, mas não dispensava um chamego com qualquer zinha que lhe abrisse um sorriso e as pernas depois que tomava umas duas", encontrados no primeiro conto do livro, por exemplo.

Quem tiver disposto a peregrinar por esses caminhos, basta deleitar-se nessa leitura que mescla forma e conteúdo, não de maneira perfeita - uma vez que esta fusão exprimiria uma conotação um tanto monótona -, mas necessária.

* Graduada em Letras pela UFS e professora do Colégio Sagrado Coração de Jesus - Estância -SE.

Sobre o Autor

Jeová Santana: O poeta Jeová Santana nasceu em Maruim (SE), em 17 de outubro de 1961. Dizer que ele é graduado em Letras (UFS) e Mestre em Teoria da Literatura (Unicamp) é muito pouco para quem já publicou livros do quilate de A ossatura, Dentro da casca (contos, 1993); e tem uma série de poemas publicados em tantos outros lugares. Recentemente teve a alegria de ver alguns deles publicados na revistas Cult (SP) e Poesia Sempre (RJ), só para citar... Trabalha na rede estadual de ensino como professor de língua portuguesa, literatura e redação.

 

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