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RESENHAS
Areias Movediças....
Adelina Velho da Palma*
De Portugal, recebo "Areias Movediças....". Leio devagar, são contos repletos de inquietações, como propõe o título deste livro da lisboeta Adelina. Raro prazer proporcionou-me sua leitura. Tiago é o nome do conto, onde verifica que em nada difere a alma feminina de outro continente. "Chamavas-te Tiago. Tiago. O nome assentava-te como uma luva. Como Iago, Iacobus ou Jacob, aquele que vence, que dá segurança e em quem se pode confiar. O que se seguiu não foi uma paixão súbita, repentina, mas um amor lenta e solidamente construído."
"O Círculo" lembra-me "À Sombra do Cipreste", de Menalton Braff. "A sala de espera era pequena e acolhedora. Pairava no ar um aroma peculiar, adocicado, e fazia-se ouvir uma música suave, entorpecente. O tecto era baixo, forra a madeira, e as paredes, maioritariamente orndas de prateleiras, exibiam uma cor quente, entre o castanho e o alaranjado. Na parede do fundo, uma janela estreita deixava entrar uma réstia de luz filtrada por trepadeiras".
Título: Areias movediças e outras histórias de inquietação
Sinopse: Dez histórias onde Adelina Velho da Palma explora com mestria a natureza misteriosa e desconcertante da alma humana. Comédia e drama convivem lado a lado, num estilo narrativo intenso e directo que prende o leitor desde a primeira página. Dez enredos onde a imaginação é a nota dominante e o inopinado constante. Dez frisos de personagens multifacetadas, impregnadas de incoerência e subjectividade — em suma — presas das paixões e vicissitudes comuns a todo o género humano. Dez epílogos surpreendentes.
Apresentação da obra: "Areias Movediças e outras histórias de inquietação"
de Adelina Velho da Palma
Em primeiro lugar, quero agradecer à Adelina Velho da Palma, a minha tia Adelina, o amável convite que me endereçou para fazer a apresentação do seu primeiro livro, "Areias Movediças e outras histórias de inquietação". Foi com muito prazer que aceitei o convite, e sinto-me muito honrada por estar aqui, perante vós, para falar um pouco sobre a obra e a sua autora.
Conheço a Adelina há muitos anos, e desde muito cedo habituei-me a admirá-la pela sua inteligência fora do comum, pela maneira frontal como encara a vida e os outros, e pelo seu sentido de humor.
Curiosamente, de entre as primeiras memórias que guardo da Adelina ressaltam, muito vivas, as lembranças, já antigas, de almoços e lanches, em Cascais, durante as férias, em que nos reuníamos à volta da mesa, naquela agradável descontracção própria das tardes de Verão, e seguíamos com prazer as histórias que nos contava, cheia de entusiasmo. Eram histórias repletas de um humor fino e inteligente que nos levava às gargalhadas. Histórias que nos encantavam especialmente pela originalidade dos raciocínios subjacentes ou pelo inesperado dos seus finais.
Estava eu longe de imaginar, nesses tempos, que um dia me veria a apresentar um livro de contos da Adelina. E certamente também a própria estaria longe de o prever, até porque a sua vida profissional seguiu um rumo aparentemente distante das letras e da escrita.
A Adelina foi uma aluna brilhante no liceu, e quando se tratou de escolher o curso universitário optou pelas Matemáticas Puras, matéria a que dedicou o seu estudo e em que se licenciou pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Leccionou Análise Matemática, como assistente na mesma Faculdade, e mais tarde embrenhou-se na informática, área em que tem feito a sua carreira profissional.
A verdade é que, embora as literaturas portuguesa e universal estejam repletas de escritores oriundos das mais diversas e inesperadas profissões (por exemplo, se Júlio Verne e Kafka tiveram formação em Direito, já Fernando Namora, Miguel Torga ou Lobo Antunes a receberam em medicina), esta preferência da Adelina pela Matemática não denunciava o seu talento para escrever.
Eis-nos, portanto, surpresos diante destas "Areias Movediças e outras histórias de inquietação"! E que surpresa feliz descobrir como a autora utilizou o seu arguto espírito de observação, a bagagem cultural que adquiriu ao longo dos anos, e a maturidade, associados ao antigo gosto de contar histórias inteligentes, inesperadas, impregnadas de humor, para passar ao papel dez contos inesquecíveis.
“Areias Movediças e outras Histórias de Inquietação”! Devo dizer, à partida, que estamos perante um livro que dá gosto olhar e folhear - a Pé de Página Editores está de parabéns! A capa é atraente, com a pintura de Zulmira Brandão, tão bem enquadrada, a chamar-nos para que mergulhemos nestas cento e cinquenta páginas de uma escrita surpreendente, mas simples, directa, muito bem apoiada no diálogo. A leitura revela-se um autêntico prazer!
Ler os primeiros parágrafos de "O Mestre" - conto de abertura - é dar passos em território só aparentemente prosaico, que rapidamente se torna cativante, inquietante, absorvente, ao ponto de dificilmente conseguirmos fugir-lhe. A verdade é que logo ficamos presos à narrativa, cujo desenvolvimento seguimos ansiosos, expectantes do final, que já adivinhamos inesperado.
Como escreve Massaud Moisés, professor titular de literatura portuguesa da Universidade de S. Paulo, e autor, entre outras obras, do "Dicionário de Termos Literários", "No conto, especialmente o tradicional, o epílogo guarda um enigma. A narrativa articula-se rumo de um desfecho inesperado, mas coerente com o todo da fabulação: o desenlace final se determina desde o começo. De onde a pedra de toque do bom contista não residir no epílogo mas na introdução; o saber principiar condiciona o andamento da intriga e o seu arremate."
Isto acontece em "O Mestre", que, tal como os demais contos deste livro, nos prende desde as primeiras orações. Aqui, rapidamente somos introduzidos no mundo misterioso do centro de ioga e das personagens que o povoam: o mestre Joaquim de Oliveira; Lucília, a observadora e lúcida professora de português; e a recepcionista, essa figura mirrada, sem nome, vestida de escuro, que é, afinal, a mulher do professor.
Depois, à medida que avançamos na narrativa, mais se adensa o mistério, maiores se tornam a expectativa e a urgência em descobrir o que se passa nos bastidores do centro de ioga, que segredo se esconde por detrás dessa mulher queixosa, por detrás do enigmático mestre, e que destino está reservado a todos eles, incluindo Lucília, a aluna - professora.
No segundo conto - "Um caso de sucesso" - espera-nos um início esplêndido. Logo nas primeiras palavras a autora estabelece uma deliciosa cumplicidade com o leitor, apelando à sua memória para lançar as bases da narrativa. Uma memória comum à autora e ao leitor, mas que é, evidentemente, ficcionada, e por isso mesmo cria uma forte relação de cumplicidade entre ambos.
Com um sorriso nos lábios, aderimos a esse jogo e prosseguimos a leitura, para verificarmos que o conto é, afinal, uma inconfidência, o desvendar dos verdadeiros factos e motivos que estiveram na origem desse acontecimento que chegou ao conhecimento público: o estrondoso sucesso que foi o lançamento do produto Sublimac pela empresa Vago SA. .
E, assim, são-nos apresentados os protagonistas: o improvável autor desse sucesso, o Engº Estorninho, um indivíduo baixo, franzino, de físico pouco atraente, e o Rodolfo Frederico, o seu enteado fantasticamente bonito, alto, musculoso, de feições correctíssimas.
Como e quanto o fabuloso Sublimac irá mudar a vida destes dois seres, tão profundamente diferentes, constitui a divertida descoberta desta história.
Em "Tiago" - o terceiro conto - Adelina Velho da Palma muda de registo. Leva-nos a penetrar na "natureza misteriosa e desconcertante" da paixão, que, segundo as suas palavras, "tem uma estranha forma de se evaporar, deixando um sabor amargo na boca". Faz-nos descobrir, com surpresa, o poder inesperado de um simples olhar!
Seguem-se "O Investimento", num ritmo óptimo, sempre interessante, "O Almoço", com esse final inesperado, que nos deixa a sorrir, e "Uma questão de princípio", muito bem narrado, consistente, a prender-nos do princípio ao fim.
Nos contos "O melhor namorado" e "O barco da vida" deparamo-nos com essas ironias do destino que parecem espreitar a vida dos que mais pensam estar prevenidos contra os reveses da fortuna.
E eis-nos chegados à penúltima história de inquietação: "O círculo", um conto perfeito, intrigante, absorvente, com o mais inesperado dos finais.
Aviso-vos! Por melhor preparados que estejamos, por mais que especulemos ou conjecturemos sobre o desfecho deste conto, jamais conseguiremos prever o que se vai passar. Vamos seguindo, num crescendo de curiosidade, os meandros da narrativa, envolvemo-nos com o oculto, e desembocarmos num final absolutamente surpreendente!
Resta-nos o derradeiro conto, o que dá título à obra: "Areias movediças".
Mais uma vez, de forma inesperada, Adelina Velho da Palma muda completamente de tom, e surpreende-nos com uma narrativa comovente, onde não encontramos vestígios da ironia ou do espírito jocoso que nos acompanharam em boa parte dos textos anteriores. Achamo-nos, agora, num plano totalmente diferente. Mergulhamos numa escrita muito bela, muito serena, que pinta um retrato maravilhoso de Tavira, da cidade, da paisagem, da sua história e das suas lendas. E, nesse cenário admirável, conta-nos, de uma maneira primorosa, a história de uma paixão, de uma vida, de um drama que esconde um terrível segredo.
Ao lermos esta narrativa emocionante, em que cada palavra surge no momento certo, no lugar certo, apercebemo-nos de que se tratou de uma escolha correctíssima eleger este conto, de entre todos, para baptizar o livro, e para o encerrar. Ao terminarmos a sua leitura, não podemos deixar de querer ler mais da escrita de Adelina Velho da Palma, uma excelente escritora que desejamos continue a encantar-nos com o seu espantoso dom de criar personagens e tramas admiráveis. (Lisboa, 21 de Maio de 2005, Ilona Bastos)
Sobre o Autor
Adelina Velho da Palma: Maria Adelina Nunes da Fonseca Velho da Palma nasceu em Lisboa e é do signo Aquário. É licenciada em Matemática pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa onde foi assistente de Análise Matemática, após o que iniciou uma carreira dedicada à Informática. Na actualidade, desempenha funções numa grande empresa de telecomunicações. Começou a actividade literária há cerca de dois anos, escrevendo prosa e poesia.
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