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RESENHAS
Memórias de um padre subversivo
Lourenço Cazarré*
No início dos anos 70, condenado por crime contra a segurança nacional, um padre é jogado na cadeia pública de uma cidadezinha da fronteira gaúcha que, além de outras excentricidades, tem cinco quartéis do Exército. Na verdade, melancólicas guarnições que, há duzentos anos, esperam um ataque dos argentinos. Felizmente, depois da recente quebradeira, os gardelons não têm mais dinheiro nem para a brilhantina, quanto mais para os rojões.
Em cana, o padre José Silveira lamenta que a cidadezinha pródiga em espadas e canhões não tenha um zoológico. O problema é que todos os desocupados – e eles são inúmeros na sonolenta cidade pampeana – nada tendo de melhor para fazer dirigem-se em romaria à cela do “prisioneiro político”. Como gaúchos, claro, não buscam nem benção, nem rezas ou conselhos. Querem papear. Querem, em torno de um chimarrão, contar histórias e, principalmente, vantagens.
É claro que um romance com este enredo só poderia se transformar numa hilariante seqüência de pequenas histórias, de causos de gente modesta perdida numa cidadezinha modorrenta. Este é o mote de Agora Deus vai te pegar lá fora, delicioso romance do jornalista gaúcho Carlos Moraes, recentemente lançado pela Record. Assassinos ou vigaristas, beatas ou abigeatários (ladrões de gado), todos os personagens têm a simpatia e a compreensão do autor. Enfim, um livro transbordante de humanidade numa época marcada por uma escrita raivosa e vulgar.
Embora indiferente às lutas políticas da época, o padre José Silveira é condenado depois de minuciosa investigação de sua vida. Os arapongas nada encontram de desabonador na vida afetiva do religioso, que não teve amantes e nem resvalou, como tantos, para a pedofilia. Porém, pesa muito contra ele um sermão em que - como lamentou um amigo - ele “botou Moscou no meio”.
É uma história que se passa, ao fim da segunda guerra, na então capital da ficção soviética. O povo russo, ao ver soldados alemães aprisionados, começa a xingá-los. Porém, quando notam que não passam de meninos, jogam pedaços de pão para eles. Mas continuam a vaiar os oficiais.
Entre os juristas de farda, aquele sermão é prova inconteste de que o padre é um inimigo da pátria, um subversivo, adjetivo de amplíssimo espectro, em voga nos anos 70, que serviu para mandar muita gente para a tortura.
Enjaulado, o padre Silveira trata de repassar sua vida. Descobre que a modestíssima missão que lhe foi dada no seminário – redimir a humanidade inteira – é, digamos, infactível. Pede seu desligamento da batina e fica aguardando o seu julgamento pelo Tribunal Militar de Brasília. Enquanto isso, toma chimarrão, joga muito futebol e torce desbragadamente por um time – o mais vagabundo - de Porto Alegre.
De leitura agradabilíssima, Agora Deus vai te pega lá fora é um livro com começo, meio e fim. E muito bem escrito. Trata-se de obra que, certamente, não agradará doutorandas de literatura. É um livro para ser saboreado pelos que, como aquele velho catacego de Buenos Aires, acham que a literatura serve apenas para divertir e entreter. Enfim, para os que sabem que nem livros nem sermões mudam o mundo ou as pessoas.
Sobre o Autor
Lourenço Cazarré:
O jornalista Lourenço Cazarré - gaúcho radicado em Brasília desde 1977 - é autor de 40 livros, entre novelas juvenis, contos e romances. Nos últimos anos, vem se dedicando principalmente à literatura juvenil.
Entre seus livros para jovens, destacam-se Nadando Contra a Morte (Formato Editora), que recebeu o Prêmio Jabuti, em 1998; A Espada do General (Editora Atual), traduzido para o espanhol pela editora Fondo de Cultura Económica (México) e O Sumiço do Mentiroso, premiado pela Fundação Cultural de Brasília, em 1990.
Lourenço Cazarré recebeu mais de vinte e cinco prêmios literários de âmbito nacional, tendo vencido por duas vezes o maior certame literário dos anos 80, a Bienal Nestlé, nas categorias romance (em 1982) e contos (em 1984).
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