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RESENHAS
Remendando cuias em busca da cabaça de origem
Otacilio Souza*
Não tive cidade natal. Como nasci numa fazenda, tenho fazenda como natal. Em minha certidão original de nascimento, consta que sou do município de Goiás, antiga capital desse Estado. Por razões que não vêm ao caso, um dia tive de tirar uma letra do meu nome; na ocasião, a fazenda se encontrava na região administrativa de Ceres. Portanto, oficialmente, pela nova e última certidão, sou dessa cidade. Mais tarde, o município de Ceres perdeu o domínio administrativo para outro, o de Rubiataba. Agora, a fazenda pertence a ele. Esta é minha identidade: não sei de onde sou e, ao certo, que nome tenho. Aliás, "eu quase que nada não sei; mas desconfio de muita coisa". Desconfio, por exemplo, que viver é um remendar contínuo de cuias. Cada um tem as suas para costurar, o que é ótimo. Já foi dito que felicidade é ter o que fazer. Portanto, enquanto remendamos ou fazemos, vamos sendo felizes.
Quando Manoel de Barros quer dizer caminhar, ele fala em "abastecer de pernas as distâncias". Assim sendo, abasteci de pernas caminhos diversos. Raízes fincadas em meu Goiás, parti para Minas, onde desenvolvi importantes galhos e onde tirei diploma de engenheiro. Com ele, ganhei o pão e a gravidade que nos põe em contato com a terra e suas coisas. Rumei depois para o Rio de Janeiro, e lá comecei a colheita profissional, para, finalmente, voltar as Planalto Central, onde, agora, é chegada a hora de algumas folhas começarem a cair e outras a branquejar, sob forma de cãs, em mais uma e nova estação.
Tirei diploma de marceneiro, também. Com este ofício, ganho sempre o fascínio pelo milagre da transformação, cada vez que entro em minha oficina e faço da madeira o útil ou o belo; ou os dois.
Tirei diploma na arte da ikebana, e com ela aprendi a importância de valorizarmos a harmonia, o equilíbrio entre elementos, sejam eles a flor, o galho, o vazio, o vaco, o homem, explorando novas dimensões da estética.
Ainda não tirei diploma de poesia. Mesmo assim, valho-me da poesia para a conexão com a terceira, com a quarta e outras margens do rio que somos. Valho-me também da arte para a conexão com a beleza e a expressão da vida, quando viver, apenas, não está sendo suficiente para exprimí-la, coisa que aprendi com André Gide.
Ainda quero tirar diploma é de serenidade, de calma de água parada de rio, fazendo cócegas em pedras, fundos e beiradas, para depois, e sabiamente, ganhar pressa de correntezas e quedas de cachoeiras, mistura com outras águas, na magia do encontro. E também a lição do caminho, da resistência, paciência, flexibilidade, onde o salto, o atalho, o mergulho, a fresta, o jeito e a entrega ao mar.
Tirei mais diplomas e outros tantos tenho a tirar, nem que seja só - ou principalmente - para a despesa, como diz o sertanejo, quando planta apenas para sua subsistência. Na busca do conhecimento, a cada dia se soma alguma coisa, lembra o Taoísmo, e que, na busca da sabedoria, a cada dia se diminui uma. Portanto, não há limite para o aprendizado, onde estamos sempre realizando operações matemáticas de som, subtração, multiplicação e divisão.
Um homem estava pela hora da morte e os que o assistiam não encontravam vela para colocar em suas mãos e, com isso, iluminar seu novo caminho. Colocaram nelas, então, um pouco de areia. Foram ao fogão de lenha e de lá tiraram uma brasa, que foi depositada sobre a areia e, simbolicamente, também iluminaria sua passagem. Ao perceber a substituição, ele disse: "É morrendo e aprendendo".
Aprendendo e desaprendendo a cada ponto dado no remendo da cuia. Cada uma a seu jeito e condições, mas sempre remendando, que todos temos cacos à espera de reparo. E quem não tiver uma trinca sequer em sua cabaça, que atire a primeira pedra. Mas com cuidado, para que não atinja a cabeça do vizinho.
Sobre o Autor
Otacilio Souza:
Minha formação acadêmica é em Engenharia Elétrica (1970). Sou aposentado,
mas ainda trabalho no ramo. Sou natural de Rubiataba, Goiás e tenho 57
anos, casado, com 3 filhos. Moro em Brasília desde 1972. Tenho 4 livros
publicados e participação em outros. Meu gênero é a crônica e o conto, mas navego também pela poesia.
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