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RESENHAS
Expressões do aberrante: uma outra realidade
Thiane Nunes*
“O olhar inteligente pode hoje valer mais que a
estrutura mais bela e a construção mais sublime.”
Nietzsche
estrutura mais bela e a construção mais sublime.”
Nietzsche
Resenha escrita por Miguel Ângelo O. do Carmo e originalmente publicada no Verbo 21
Pronto! Meus olhos não escapam a uma mensagem horripilante. O feio, o estranho, enfim, o grotesco tomam forma em uma simples propaganda de televisão (Ok! Se quiser, que tal um posicionamento inesperado frente a um quadro em uma sala de Museu? Não se espera Bosch em plena aparição transfigurada!). Ponho-me, então, a pensar: “o que pensar?”. Na verdade, não há nada a pensar, pois o impacto, a estranheza causada, já é um pensamento apressado, e por ser apressado, não percebo a realidade que se apresenta (sempre achei necessária a evidência do sentido paradoxal que esta palavra comporta: o que se apresenta é sempre aquilo que já está lá).
Voltemos a nossa brincadeira inicial. Afinal, o que é isto que se nos apresenta (e que já estar sempre lá)? Thiane Nunes, em seu livro Configurações do Grotesco: da arte à publicidade, nos lança uma palavra: o grotesco, nada mais! Este livro, assim como nossa brincadeira, denuncia a renúncia inconsciente do que nos é estranho (Nietzsche diria; “renuncia da vida”), mostra a estreita percepção do que faz parte do real que sempre é colocado como duplicação: que tal fazer a história do que não é grotesco em nossas vidas? É preciso muito conto de fada para ficar do lado comum da vida e vermos sempre o que aparentemente é belo. Mas o belo, no livro de Thiane Nunes, ganha, historicamente, outra forma, aquela que nos acorda, aquela que nos lança constantemente para a realidade e, no entanto, não deixa de ser arte.
O passeio começa em esclarecimentos conceituais acerta do que é grotesco; traz como exemplo pinturas dos séculos XV e XVI (Hieronymus Bosch e Pieter Brueghel) e obras literárias sobre o tema do século XVII ao XX. Em seguida, vemos como a arte grotesca se expressou em várias épocas. Aqui, à luz de Benjamim e Bakhtin, é interessante notar a transposição da arte, como forma popular na Idade Medieval, para ser um instrumento ético-político em suas várias expressões estéticas: Fuseli, Goya, Géricault, Wiertz, Magritte, Joseph Beuys e Damien Hirst. A arte grotesca a serviço de uma crítica social. Tal empreitada ficou a cargo, também, da escrita. A autora nos convida a prestar atenção na literatura mundial: Thomas Mann, Gogol, Edgar Allan Poe, Baudelaire (por sinal, também crítico de arte), Kafka, etc. Passa para o cinema com Nosferatu (Murnau), Nouvelle Vague e cita Buñuel, David Lynch, Coppola e outros. A música não fica de fora; temos então Radiohead, Joy Division, Sisters of Mercy, Paganini e muito mais. Passa pela escultura e traz fotos de artistas contemporâneos de tirar o fôlego.
O próximo passo da Thiane foi uma análise sobre a incursão do grotesco na publicidade — tema que trouxe muito que discutir. Valendo-se de exemplos de campanhas como a da agência Diesel, da C & A, Benetton, etc., vemos a atenção ser voltada para temas polêmicos como suicídio, aborto, racismo, doentes de aids em estado terminal, drogas, fome e outros. Em outras palavras, os exemplos explorados pela autora demonstram o quanto o grotesco, por um lado, desmistifica as visões alienantes de um mundo belo a ser consumido, e, por outro, na realização desta tarefa, tem que se apresentar (ou é visto) como tabu. O papel criativo da publicidade, na sua relação com a arte grotesca, não deve se resumir às escolhas preferenciais e estéticas, mas a transformação singular do real e, conseqüentemente, daquele que recria o real. A “estética do espanto” quer nos acordar; fazer-nos transpor um determinado sentido e culminar tudo em novas formas, em um novo olhar. Convenhamos, o espanto, a partir do que é grotesco na publicidade, é uma sacudida em roupagem nova, seu efeito principal continua sendo a transfiguração da nossa relação com certa realidade.
Esse elemento, estético-crítico da arte grotesca, podemos encontra-lo nas citações do publicitário Oliero Toscani, que a autora nos traz em boa hora. Os trabalhos de Toscani visam uma comunicação imagética que venha a modificar a posição de quem a aprecia; não basta simplesmente lançar imagens sem nenhuma mensagem a dizer, a não ser a imbecil imploração de um consumo, é preciso fazer da imagem algo diferenciado e eletrizante, um impacto dos olhos para se firmar em novas órbitas. Toscani, à frente da Benetton, é um realizador de novos mundos, pois desloca os caminhos da arte publicitária.
Aprofundando mais o tema do grotesco na publicidade, a autora dedica um capítulo inteiro para uma das grandes agências do momento, a KesselsKramer, liderada por Erik Kessels e Johan Kramer. A marca desta agência holandesa é o humor, mas não no sentido de “humor grotesco”, que denuncia os vitimados; o objetivo é potencializar aquilo que a primeira vista pode aparentar tristeza. A campanha para os sapatos Shoebaloo, usada como exemplo pela autora, mostra isso muito bem: os modelos deficientes são apresentados como pessoas que se sentem úteis para a sociedade. È interessante perceber este viés na propaganda publicitária e encetar uma discussão sobre o esclarecimento da utilização dos modelos deficientes. O dito “humor” da agência é essa potencialização da vida.
O capítulo 5 é interessante, pois a autora tenta mostrar as idéias que norteiam a produção publicitária: o que se espera ao comunicar uma imagem? Que idéia pode-se ter do impacto ocasionado no receptor? O que podemos entender por “arte aurática” e qual o seu papel na fruição artística? A “usina Publicitária” está em jogo. E algumas conclusões iniciais são interessantes. O primado de Husserl cai no meio publicitário: “toda consciência é consciência de algo”; ora, toda mensagem é intencional, isso é certo, mas, quais os efeitos de tal intenção? Se a comunicação das imagens tem como intenção revelar algo mais que um produto posto à venda, quais os efeitos dessas sensações, emoções e vivências que ela traz? Se o impacto deve ser um “acordar”, algo estritamente político-social, a usina produz bons produtos. Caso contrário não passa de uma grande enganadora, devoradora de espíritos que se acham ativos. Aqui eu preciso discordar: estamos vivendo uma sociedade alienada, e os produtores de mensagens sabem disso e tiram poder daí. Basta olhar para o lado, a “burrificação” está vivendo, respirando e nos fazendo fingir viver. A verdade pode ter perdido o seu status de absoluta, mas a linguagem continua realizando a sua melhor função: fazermos acreditar que ela existe. E na usina, retirando as boas convicções, ainda se fabrica essa verdade. Que venha a comunicação crítica, e com ela, a idéia de que toda intenção é intenção de poder. Se o grotesco é polêmico é porque nos domina, está em nossas entranhas.
O último capítulo traz os dois grandes teóricos da industria cultural: Walter Benjamim (e seu conceito de aura na arte) e Adorno (com grande desconfiança em relação a indústria cultural). Com a chegada da Indústria Cultural, na primeira metade do século XX, Adorno e Benjamim apresentaram visões diferentes sobre os efeitos sociais que este novo modo de se fazer arte geraria. Enquanto Benjamim via a implementação de novas técnicas de reprodução da arte como a eliminação do sagrado (da aura) que envolve a arte, aproximando-a mais do público, pois o acesso através do cinema, da fotografia, etc., seria maior, Adorno achava que a diversidade cultural dessa industria seria a realização sutil de uma uniformização cultural. Esses contrapontos são preciosos no trabalho da Thiane, pois coloca em voga uma discussão sobre o papel da arte no seio do povo, ou melhor, que politização se aproxima dos modos de vida sociais; qual o melhor meio de politizar, através destas técnicas, o efeito da arte? Que importância as expressões do aberrante trazem a esse novo modo de produção cultural?
Com respostas ou sem elas, o grotesco se intensificou na publicidade. Vemos desfilar a idéia de Benjamim e a crítica de Adorno em nossas propagandas, em nossas televisões, na moda, etc. Contra tudo isso, fica a recomendação de Thiane: o grotesco como politização da arte e construção de uma nova realidade. Expressões do aberrante.
Sobre o Autor
Thiane Nunes:
Publicitária e vocalista da banda Deus e o Diabo
Thiane Nunes formou-se em Publicidade e Propaganda no segundo semestre de 2001. Seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), com o tema Configurações do Grotesco – da arte à publicidade, foi escolhido como um dos três melhores, além de ter sido finalista de um concurso da universidade. Thiane resolver inscrever esse trabalho num concurso da Editora Nova Prova.
site official : www.deuseodiabo.com
blog : http://deuseodiabo.blig.ig.com.br
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