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RESENHAS
Um rio pedregoso no interior de uma escritora
Rosângela Vieira Rocha*
A quantidade de gente que escreve no Brasil, sem que a mídia se dê conta disso e sem que as livrarias sequer imaginem, mereceria, a esta altura, estudos mais sérios e teses mais alentadas. Verdade que a maior parte desses livros resultantes de concursos ou de pequenas edições de 500 a 1000 exemplares desaparece em pilhas guardadas nas casas dos próprios escritores ou é consignada para vendas que não acontecem nas livrarias dominadas pelos títulos das grandes e bem organizadas editoras. Verdade que a maioria desses escritores se cansará logo de dar «murros em ponta de faca», vendo suas edições mal distribuídas e seus nomes despontarem para uma «fama» que parece mais uma forma de anonimato paradoxal que qualquer outra coisa.
Não ficam conhecidos nem na própria rua onde moram. Os que apenas sonhavam com a fama rápida desistem, e ninguém sentirá falta deles. Os que gostam de escrever DE FATO, continuarão escrevendo – para si ou para um ou dois amigos, esquecidos das ingratidões do mercado. Tudo isso faz pensar no que Fernando Pessoa especulou – se haveria grandes poetas neste mundo, «fora do silêncio de seus próprios corações».
Rosângela Vieira Rocha ganhou a edição de um livro pela «Bolsa Brasília de Produção Literária» em 2001. Está tentando, como todos os novos, colocar seu «Rio das Pedras» no mercado. É um suplício de Sísifo. Mas ela insiste, e tem qualidades para tornar-se conhecida. Escreve com um domínio tranqüilo e fluente das palavras, escreve com sinceridade e parece buscar, acima de tudo, um registro sensível do que é a vida da mulher numa sociedade desbragadamente machista como a nossa. «Rio das pedras» me surpreendeu.
DOS FRAGMENTOS PARA A INTEIREZA
É uma narrativa nitidamente autobiográfica em que se conta o drama de uma mulher que decide contar sua própria vida. De cara, esbarra com as vozes interiores que a censuram, a recriminam, a ironizam - «você não feita pra isso», «pretensiosa» etc. Mas, ela avança com seu propósito. E o livro vai se fazendo à nossa vista. Como um rio, naturalmente pedregoso. Não é de outro feitio os rios que têm que cruzar os heróis.
Lembra uma infância pobre numa cidade do interior (a autora é de Inhapim, MG, e usou as referências inevitáveis) em que o drama principal se desenrola ali, onde todos os dramas maiores se desenrolam – entre pais e filhos Tem um pai alcoólatra. Uma das cenas mais dolorosas da narrativa é aquela em que, depois de lutarem para ter uma ceia de Natal, as crianças são obrigadas a testemunhar isto: o pai desvairado joga inseticida em toda a desejadíssima comida. A autora é uma menina deslocada, incompreendida, infeliz, sensível e verdadeira quando não deve ser, quando deve – como todos nós – aprender a calar, a compartilhar com a hipocrisia. Os pais, Ísis e Lauro, são pais reais, gente viva, que a gente conhece bem, porque a vida está cheia deles – nobres às vezes, infelizes sempre, capazes de amar e de fazer muitíssimo mal àqueles que amam.
A infância da narradora é um pouco como a versão para feminino de um daqueles meninos de Charles Dickens, que tanto sofreram com a feiúra, a opressão e a mesquinhez da Inglaterra vitoriana, mas agora, transposta para um contexto muitíssimo mais pobre, no interior de uma desolada cidadezinha mineira. A verdade, enfim.
Essa jornada vai dos fragmentos contraditórios para a inteireza, mas se mantém em aberto. (Resenha escrita por Chico Lopes - escritor e autor de «Nó de sombras»)
Sobre o Autor
Rosângela Vieira Rocha: Mineira de Inhapim/MG, jornalista e mestre em Ciências da Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo; atualmente é professora da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília.
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