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“O Segredo de Brokeback Mountain”: em DVD, depois do turbilhão

por Chico Lopes *
publicado em 15/06/2006.

Quem não viu "O segredo de Brokeback Mountain" nos cinemas (o meu caso) quando, no início do ano, provocou um turbilhão de vozes desencontradas na mídia, algumas avacalhando, outras elogiando e outras ainda achando que havia um "marketing" polêmico e intenso demais em torno de um filme apenas mediano, pode tirar as suas dúvidas agora que o filme está em DVD, em todas as locadoras do país.

Os que não gostaram do tema vão continuar não gostando e olhar de esguelha para o DVD nas prateleiras, não ousando uma locação; mas, tampouco é necessário execrá-los só por isso - pois houve um óbvio exagero em caracterizar todos os que rejeitaram o filme como inimigos "politicamente incorretos" dos homossexuais. A força ideológica e midiática da minoria "gay" pode ser também intolerante: assim, chegou a ser enfaticamente afirmado que o Oscar 2006 não fora conferido ao filme apenas porque exaltava o amor entre dois homens. Acredito que a produção não recebeu o Oscar de Melhor Filme por uma razão mais óbvia: não era tão grande coisa.

Vejam agora. Adaptado de um romance de Anne Proulx (escritora elogiada, cujos livros infelizmente desconheço) por um diretor refinado e sensível, Ang Lee (é dele o ótimo "Razão e sensibilidade"), "O segredo de Brokeback Mountain" é a história de Jack e Ennis, dois "cowboys" à deriva, desempregados, que, em 1963, se conhecem por acaso ao serem contratados para tomar conta de ovelhas no Wyoming por um criador que se enquadra bem no protótipo do patrão explorador. Bem, sozinhos na paisagem desolada e magnífica, praticando um pastoreio bucólico e rude que torna a primeira parte do filme de longe a mais interessante, o que acontece é infalível e óbvio: dois homens em plena potência da juventude, sem mulheres por perto, não poderiam deixar irem pras "vias de fato". Um acerto da direção é que nenhum dos dois é um desmunhecado ou enquadra-se no estereótipo do "gay" afeminado que parece ser o mais usual no Brasil. Nenhum deles se atreveria a considerar-se um homossexual. Isso é bom, pois dá às caracterizações matizes mais ambíguos e menos fáceis de caricaturar.

O filme pode ter irritado tanto aos homofóbicos e congêneres por essa razão: não se enxerga na tela aquela dicotomia tão cara aos preconceitos que faz com que os pares masculinos homossexuais sejam sempre vistos como "ativo" e "passivo", as cartas do baralho se misturam, as simplificações e reducionismos se dissolvem e o espectador é forçado a conviver com sutilezas e incertezas. O que a mídia um pouco mais refinada divulgou muito foi a reação polêmica que o filme teve nos EUA, tendo mexido com um símbolo da macheza ianque, o "cow-boy" pra lá de viril e heróico que acostumamos a venerar nos faroestes que amamos desde meninos.

Mas esses matizes homoeróticos sempre estiveram presentes nos filme de faroeste - uma imaginação um pouco mais viva e mais realista podia muito bem especular sobre o que faziam ou sentiam secretamente aqueles sujeitos tão apegados uns aos outros, obrigados a viver naquelas desolações, com uma dieta de prostitutas nos "saloons" ou se casando e sendo zombados pelos companheiros ao adotarem uma vida mais doméstica. Parecia sempre que as mulheres enfraqueceriam aqueles deuses, que os obrigariam a carregar filhos no colo e a ficarem subjugados pelo matriarcado caseiro. A misoginia, pelo menos, sempre marcou presença forte nesses filmes - a heroína em geral não sabia se seu herói não preferia, no fundo, as pradarias, as companhias masculinas, as rodinhas consumidoras de latas de feijão ao pé de fogueiras.

Nesse ponto, pode-se imaginar "O segredo de Brokeback Mountain" como uma operação paródica perversa - metaforicamente, o que aconteceria é que os varonis rapazes da propaganda de cigarros que diz "terra onde os homens se encontram" teriam levado ao pé da letra demais o "slogan"...Jack e Ennis fazem tão completamente o gênero "durões", cuspindo de lado etc que a gente pensa isso, por gozação.

A relação entre os dois, quando cuidavam de ovelhas (a brincadeira os torna desatentos ao trabalho e lhes vale uma demissão) poderia ter acabado por ali mesmo, como muitas "ralações" masculinas tão comuns entre homens que jamais se considerariam "gays", mas eles se apaixonam de fato, e, depois de casados e pais, se reencontram de vez em quando, para celebrar pescarias muito másculas, daquelas onde "menina não entra", e deixar suas senhoras com as pulgas atrás das orelhas.

O filme parece pintar o casamento como uma rotina heterossexual decididamente chocha, traindo aí, infelizmente, uma grande parcialidade ou da escritora do romance original ou do diretor Ang Lee. Se os dois homens se "casassem", vamos considerar a hipótese, não enfrentariam a corrosão da rotina e do tédio só por serem um "casal alternativo"? Não é do destino humano como um todo a instituição do casamento ser, não importa se praticada de modo anti-convencional e por parceiros heterodoxos, uma coisa decididamente condenada a alternar-se entre o entusiasmo e o tédio?

Independente de tudo, o filme é bem feito, e as paisagens do Wyoming são mesmo de tirar o fôlego, lindamente fotografadas. Mas, Jake Gyllenhaal e Heath Ledger, os atores principais, não são nenhuma maravilha - dois atores de maior capacidade dramática poderiam ter tornado o filme muito superior (evoque-se, nesse caso, a superioridade de um filme com tema parecido, estrelado por Dustin Hoffmann e Jon Voight, nos anos 60 - "Midnight cowboy", de John Schlesinger). E teria sido casual a produção ter escolhido atrizes tão feias e inexpressivas para os papéis das esposas?

Nada justifica o alarde tremendo que se fez em torno do filme. Ele é esteticamente pouco arriscado - Ang Lee, que recebeu o Oscar de melhor diretor, fez um trabalho competente, sensível, mas não extraordinário. Não há cenas escandalosas nem ousadas de maneira alguma. E, na verdade, trata-se de uma história de amor impossível, que, houvesse sido filmada no sentido heterossexual, seria tão comovente - ou melodramática, para outros - como os bons filmes românticos com travo realista costumam ser.

Houve excesso de "marketing" negativo e positivo. O DVD permite que se avalie tudo isso com cabeça fria. Conclui-se, como sempre, que houve exagero nas duas facções, na que defendia o filme ardentemente (e aí entram as tintas passionais e suspeitas do sectarismo "gay") e na que o atacava até sem querer vê-lo (os que não aprovam a homossexualidade nas telas, deixando que a aversão iniba até as suas faculdades estéticas). A verdade, como quase sempre, ficou no meio.

Sobre o Autor

Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.

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Francisco Carlos Lopes
Rua Guido Borim Filho, 450
CEP 37706 062 - Poços de Caldas - MG

Email: franlopes54@terra.com.br

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