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ENTREVISTA EXCLUSIVA =>>> RACHEL JARDIM fala de sua vida literária: “sou um duende mineiro”

por Chico Lopes *
publicado em 15/06/2006.

Rachel Jardim, que neste 2006 completa 80 anos, nasceu em Juiz de Fora e foi morar no Rio de Janeiro em 1942. Dividida entre o apelo metropolitano e cosmopolita do Rio e os encantos mais introspectivos do interior mineiro, ela fez uma carreira literária onde nunca faltaram os elogios da crítica e a adesão de um público seleto, que sempre leu com prazer seus livros por vezes duros, provocadores, mas banhados por um lirismo próprio.

Rachel escreveu livros importantes para a literatura mineira e brasileira: "Os anos 40", "Cheiros e ruídos", "A cristaleira invisível", "Vazio pleno", "Inventário das cinzas", "O penhoar chinês", "Num reino à beira do rio", e participou de várias antologias, bem como escreveu teatro.

A intenção desta entrevista é homenagear essa escritora muito importante, um dos maiores nomes literários dos que Minas ofereceu ao país, mas que ultimamente está um tanto esquecida, muito em razão de sua própria escolha de uma vida mais discreta, longe do burburinho literário. Ela própria esclarece os motivos de sua relativa reclusão, fala de seus livros, de seu modo de ser. Rachel mora no Rio, cidade que sempre a atraiu pela beleza e a vida cultural, e ainda vai a Juiz de Fora com regularidade (teve obras suas reeditadas pela fundação Funalfa, daquela cidade, em parceira com a José Olympio). Tem uma filha escritora, Ana Teresa Jardim, autora dos contos e novelas de "A cidade em fuga", "No fio da noite" e "A mesa branca". O último livro de Rachel, publicado pela Funalfa, "Um reino à beira do rio", é uma homenagem à sua mãe e à Juiz de Fora que ela tanto ama, trazendo poemas de um caderno de juventude de Murilo Mendes e aquarelas de sua mãe, Maria Luiza Jardim.

CHICO LOPES: O que significou "Os anos 40" em sua produção literária? É a sua estréia, em 1973, mas, à medida que outros livros seus foram saindo e novas facetas da escritora Rachel Jardim sendo conhecidas, sente-se, na verdade, que tudo já estava lá, em "Os anos 40". Fale sobre este livro essencial.

RACHEL JARDIM: "Os anos 40" obedeceu a um ciclo memorialístico que estava sendo inaugurado pelo Villaça, pelo Pedro Nava. Procuro relatar o estado de espírito de uma época - as referências são os nomes de filmes, de artistas de cinema. Neste ponto ele foi inovador. Quem gostava do livro era o Gilberto Freire, que também, nesse sentido, inovou na sociologia. Tenho afinidades com o Manuel Puig, tão pouco entendido pela "intelligentsia". Não, no "Os anos 40" não estava tudo, apenas uma pequena parte. Juiz de Fora sou eu.

CHICO LOPES: Não se encontra, na sua ficção, uma visão de mundo que possa ser considerada indulgente. Suas memórias, em geral, doem. Sente-se um dilaceramento, um remorder de lembranças duras, de tal modo que o seu lirismo sempre aparece temperado por uma lucidez cruel. O que Juiz de Fora e o passado em geral significaram para essa obra?

RACHEL JARDIM: Na verdade, sou muito pouco indulgente comigo, com os outros. O meu livro mais cruel (e quem sabe o melhor) talvez seja "O inventário das cinzas". Eu tenho uma crueldade bem proustiana. Ele também foi muito cruel, embora cético e compassivo ao fundo. Há certos contos meus, como "Manteigueiras de galinha", que são muito cruéis. Meus livros são cheios de entrelinhas, e se busco neles uma sonoridade de cristal, os cristais estão cheios de rachaduras. Caio Fernando Abreu, ao escrever sobre "A cristaleira invisível" um artigo muito irônico, dá ao seu artigo o título de "Esse belo horror de estar vivo". Ele diz que eu escrevo contos de horror (gentilmente horríveis).


CHICO LOPES: Em nossas conversas, você sempre deixou claro que considera "O penhoar chinês" o seu melhor livro. Foi seu último editado e, recentemente, teve uma quinta edição, pela Funalfa/José Olympio. O que a leva a considerar esse romance o seu melhor trabalho?

RACHEL JARDIM: Não sei se "O penhoar chinês" é o meu melhor livro. Gosto muito de "Num reino à beira do rio", que saiu pela Funalfa, em edição limitada, em 2004. É o meu livro mais curioso, talvez o mais maduro, o mais comovente. Pode ser o melhor.

CHICO LOPES: Uma boa parte de sua vida esteve ligada não só à literatura, mas à atuação na área cultural do Rio de Janeiro, que deixou marcas. Pode falar mais disso?

RACHEL JARDIM: Trabalhei na Prefeitura do Rio de Janeiro, quase sempre com arquitetos e urbanistas. O projeto "Corredor Cultural", que teve repercussão em todo o Brasil, tem muito de mim. Assim como o "Parque das Ruínas", em Santa Teresa, e tantos outros. A cidade, a memória, o Tempo, tão importantes na minha obra, nortearam os meus trabalhos e o meu exercício como funcionária pública. Escrevi um livro chamado "O calor da ira", que não vou publicar, e que conta a minha história como funcionária pública. Quando dirigia o patrimônio cultural, na Prefeitura, lia Proust para os arquitetos de minha equipe. Editamos uns livrinhos chamados "Olhos de ver", deliciosos. Até hoje eles são disputados aos tapas nos sebos, nas feiras de antiguidade da Praça XV.

CHICO LOPES: Esse eterno refazer da memória na sua obra, incorporando ao confessional a ficção e a criação, é a própria definição da obra de Marcel Proust. Você tem grande apego a essa obra e inclusive dá cursos sobre Proust no Rio. Fale sobre isso.

RACHEL JARDIM: Há dez anos leio Proust com um grupo. Quando terminamos a "Recherche", há dois anos, a retomamos. Isso está dentro do próprio espírito do romance, que é circular. Proust é o escritor do mundo mais lido errado. Coitado! Sartre desancou com ele (prefiro a visão equivocada de Sartre aos elogios equivocados dos "proustianos").

CHICO LOPES: Além de Proust, sei que você tem grande admiração pela obra do falecido Pedro Nava, de Juiz de Fora e proustiano como você. Outros mineiros, como Lúcio Cardoso e Cornélio Penna, também a interessam. Pode dizer o que essa literatura mineira, toda essa bela tradição, significa, em termos de influência, sobre a sua escrita? Que outros escritores, brasileiros e estrangeiros, têm influência sobre ela?

RACHEL JARDIM: Sempre sobrevoei Minas Gerais, como uma espécie de duende. Sou um duende mineiro. Escritores: Proust, Thomas Mann, Henry James, Machado, T.S Eliot, Drummond, Camões, Cecília, Virginia Woolf, Katherine Mansfield, George Elliot, tanta gente!...Italo Svevo, Lampedusa...

CHICO LOPES: Você deixa a literatura depois de "O penhoar chinês", abrindo uma pergunta na cabeça dos seus leitores e admiradores, porque não retornou mais. O que motivou essa decisão, a reclusão em que vive hoje, o abandono das publicações?

RACHEL JARDIM: Tenho preguiça de escrever, gosto mais de ler. Não gosto de conviver com escritores. Eles são, em geral, obcecados por si mesmos, só falam deles próprios, dos seus próprios livros. Dá para entender, mas não para suportar. A mídia...Não convivo com ela e nem a interesso. Meus livros, por enquanto, estão sobrevivendo. Não publiquei mais.

CHICO LOPES: O que é - ou foi - escrever, para você? Fuga? Encontro? Uma procura de redimir a vida insuportável pela beleza? Uma tentativa de recuperação de um passado vital? Exaltação e decepção a um só tempo? Escrever nos melhora? Ou só nos torna mais ávidos do Impossível e infelizes pelo malogro que daí vem?

RACHEL JARDIM: Nada disso. Sou uma escritora visceral. Só entendo o mundo através da literatura. Aprendi isso com meu pai e minha filha aprendeu comigo. Não escrevo atualmente por pura preguiça. Tenho muito bons leitores. Não preciso escrever mais.


Obras
Os Anos 40 (a ficção e o real de uma época) - 1ª edição - Editora José Olympio. Rio de Janeiro - 1973. 2ª edição - Editora José Olympio. Rio de Janeiro .- 1979. 3ª edição - Editora José Olympo. Rio de Janeiro - 1985. 4ª edição - Editora Guanabara. Rio de Janeiro Rio de Janeiro - 1985. 5ª edição - Funalfa Edições e Editora José Olympio- 2003.
Cheiros e ruídos (contos) - 1ª edição Editora José Olympio/ INL- MEC. Rio de Janeiro. 1982. 2ª edição Editora José Olympio. Rio de Janeiro. Rio de Janeiro 1982.
Cristaleira invisível (contos)
- Editora Nova Fronteira. Rio de Janeiro.1982.
Vazio Pleno (Relatório do cotidiano)
- Imago. Rio de Janeiro. 1976.
Inventário das Cinzas (Romance) - Nova Fonteira. Rio de Janeiro. 1980. Prêmio Nacional do Pen Club do Brasil. 2ª edição. Editora Salamandra. Rio de Janeiro. 1984.
O penhoar chinês (romance) - 1ª edição. José Olympio . Rio de Janeiro. 1985. 2ª edição Editora José Olympio. Rio de Janeiro. 1987. 3ª edição. José Olympio. Rio de Janeiro. 1987. 4ª edição. Editora José Olympio. Rio de Janeiro. 1990.
Num reino à beira do rio - com Alexei Bueno (Um caderno poético de Murilo Mendes). Funalfa Edições. Juiz de Fora. 2004.



Sobre o Autor

Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.

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Francisco Carlos Lopes
Rua Guido Borim Filho, 450
CEP 37706 062 - Poços de Caldas - MG

Email: franlopes54@terra.com.br

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