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“ADRIENNE MESURAT”: o urro da solidão numa província francesa e universal

por Chico Lopes *
publicado em 29/03/2006.

O prazer de correr bancas e livrarias atrás de algum livro cujo título nos atraia, nos diga alguma coisa que ansiamos decifrar melhor (em menino, o mero título de "O morro dos ventos uivantes", numa velha edição da Saraiva, me deixou louco de vontade de saber o que era aquilo; ventos uivaram na minha imaginação, literalmente), pode nos levar a autênticas descobertas de ouro puro nos lugares menos olhados, nos cantos menos examinados. Esconsos de banca, fundos de revistarias, liquidações, podem estar nos guardando alguma coisa que esperávamos adquirir, e com tal felicidade que chegamos a achar, supersticiosamente, que era caso de predestinação ela se encontrar ali, à mão, não para outros, mas para nós.

Assim, topei com um livro que alguém uma vez me emprestara, eu adorara, mas não pudera comprar. Era um exemplar de "Adrienne Mesurat", de Julien Green, da coleção "Grandes Romances", da antiga Nova Fronteira. Um desses livros que a gente lê, ama, mas não chega a ter, por uma razão ou outra. Era preciso tê-lo, e pelo resto da vida. Dessa vez, eu não perderia a oportunidade.

"Adrienne Mesurat" é um caso à parte. Eu nunca teria sabido de Julien Green não o visse citado como um dos favoritos de Clarice Lispector. Clarice falara dele em alguma entrevista remota, e creio que ela falava também do escritor mineiro Lúcio Cardoso, que teria sido influenciado por Green. Se Clarice e Lúcio admiravam esse Green, eu precisava conhecê-lo. E o primeiro livro seu que me caiu nas mãos foi exatamente "Adrienne Mesurat", que havia saído numa edição simples, de bancas, por uma coleção que não me ocorre agora. A da Nova Fronteira, mais cuidada, com fotografia de Green na capa, deve ter-lhe sido posterior.

"Adrienne Mesurat", livro com esse título promissor de não se sabe quais romantismos para a alma feminina, é uma armadilha para imaginações sentimentais, pois anda na absoluta contramão das Danielle Steels da vida. Poderia ser um "romance para moças" sim, se Green não fosse um escritor de outra espécie, porque reúne elementos comuns a esse tipo de livro: uma jovem solitária de uma perdida província francesa que se apaixona à primeira vista por um médico, que não pode nem mesmo ver, trancafiada que vive em um casarão insalubre com seu pai, um velho avarento e estúpido (na tradição balzaqueana do avarento de província), além de uma irmã mais velha, doente, que tem dela um ciúme doentio. Com Steels e Bárbara Cartlands, tudo isso acabaria bem, claro, porque essas escritoras são artífices do mais consumado escapismo, do tipo "acredite quem quiser", e, como todo mundo adora acreditar em coisas absolutamente irrealizáveis (talvez precisamente por serem irrealizáveis; qualquer tentativa de transferi-las para o real, virariam fumaça), vendem loucamente. Mas, se o que se procura é literatura verdadeira, ali está Green, mestre em não escamotear que o desejo é um poço sem fundo de onde só se escapa mentindo - ou seja: nunca se escapa.

Com Green, a barra aparece tal como é: pesadíssima. Adrienne não consegue chegar a seu idolatrado médico amado à distância - ele, aliás, é um fraco, um doente, dominado por uma irmã solteirona que é tipicamente monstruosa. Ela nunca escapa a seu casarão, a seus passeios milimétricos, à sua vida absolutamente inerte, insignificante. Vê a irmã mais velha fugir do odiado pai (para a morte), e lhe aparece na vida uma amiga que é na verdade uma velha prostituta disposta a explorar a sua completa inocência quanto à realidade deste mundo. Fará a tentativa de fuga mais patética entre as que já conheci em heroínas oprimidas: vai até uma cidadezinha próxima à sua e, medrosa dos homens que vê, das caras novas, de um mundo nada familiar (embora o seu mundo familiar seja seu inferno, é ao menos conhecido, acomodado), acaba voltando para casa, para o pai terrível. Mais terrível ainda será o que fará para atrair o olhar do médico para a sua janela: vai quebrá-la e cortar-se com os vidros.

SEM INDULGÊNCIA COM O DESESPERO
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Julien Green, católico, teve parte de sua obra lançada no Brasil nos anos 80 e 90. Alguém deverá se lembrar de livros como "Leviatã" e "Meia-noite". Não sei muito sobre ele, mas o prefácio de "Adrienne Mesurat" é outra das razões pelas quais vale ler esse romance - ele fala de sua ignorância e, depois, repulsa às idéias de Freud, e fala quanto dele há em Adrienne. A gente tira a conclusão depressa: é daqueles católicos para os quais o Mal é um assunto substancial. O que caracteriza seu trabalho é a certeza de que este mundo é o Inferno, inequivocamente, e que o desejo está completamente acorrentado à impureza e ao malogro, sem possibilidade de purificação e concretização, a não ser por monstruosas sublimações, por tortuosas evasões. O Outro está lá, para sempre inatingível, e o Eu é uma clausura fenomenológica dentro da qual uma alma só se pode debater. Não há nada que não seja jaula, e as frestas para o ar que há entre as grades nunca bastam - ao contrário, apenas torturam, prometendo o azul de liberdade e descompressão que não se cumpre.

Alguém pode alegar que ler gente assim é insalubre, que livros como esse são para masoquistas empedernidos. Os livros, hoje em dia, por mais que os autores estejam autorizados, pelas liberdades formais e morais asseguradas pelos sucessivos vanguardismos, a dizerem o que bem entendem, estão oprimidos em outra direção: por uma tirania de Mercado que não permite assuntos incômodos e finais pessimistas. Observemos como o que se pede é sempre algo tônico, comédias, biografias, romances que não se desviem do entretenimento. Não se admira mais o escritor que tem a coragem de se arriscar em zonas humanas irremediáveis- preza-se muito pouco a imaginação moral. E nem alguns vanguardistas escapam a ser meros "entertainers", usando das liberdades formais como atrativos circenses. A indústria cultural é liberal, mas não simpatiza nem um pouco com o que não seja frívolo.

A ligação de Lúcio Cardoso com Julien Green se explica: quantas vezes não se vê, nessas perdidas Minas, casarões que abrigam vidas como a de Adrienne Mesurat! Não se pode saber nada, mas pode-se adivinhar tudo: às janelas, aparecem aqueles olhares de prisioneiros de um mundo que nem de arcaico pode ser chamado - é antes atemporal em sua aridez que não terá fim nem remédio. É gente que você sabe que nunca escapará a uma sina de pequenez, tristeza, exílio e desespero. Porque essa sina é a sua identidade, é a sua explicação, é o seu nexo ontológico. As Adriennes Mesurats mineiras existem desde sempre, e como! Muito além da solidão, vivem na loucura mansa, no confinamento delirante que já não encontra meio de ser compreendido, apenas lamentado ou ridicularizado. O urro francês de Adrienne ecoa plenamente no interior do Brasil, e talvez no resto do mundo.

Escritores como Green só têm a oferecer um prazer e uma compensação: a lucidez. Para alguns, basta. Mas, é bem compreensível que ele esteja fora de moda e não se fale mais de seus livros. Os alguns são poucos, e parecem diminuir dia após dia.



Sobre o Autor

Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.

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Francisco Carlos Lopes
Rua Guido Borim Filho, 450
CEP 37706 062 - Poços de Caldas - MG

Email: franlopes54@terra.com.br

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