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Um Oscar duvidoso e reflexões sobre outras dubiedades do "Cinema de Arte"

por Chico Lopes *
publicado em 04/02/2008.

Quem escreve sobre Cinema e vê muitos filmes, como eu, tem que estar sempre atento à movimentação da área, naturalmente. Mas não pode escapar a alguns desapontamentos ao fiar-se no julgamento alheio - ou seja, ao ler maciços elogios a um determinado filme lançado no estrangeiro, comentado com entusiasmo arrebatador, tachado como obra-prima, premiado aqui e ali e esperado com ansiedade nos cinemas e nas locadoras brasileiros. Nesses casos, o leitor comum, que acredita em determinados críticos e comentaristas de cinema por achar que seu julgamento é sóbrio e confiável, não pode ficar acreditando cegamente em seus guias: todo mundo erra nesta área, seja por boa-vontade excessiva, seja por ceder a idiossincrasias e outras tinturas emotivas ou publicitárias. Os acertos e as precariedades de julgamento são quinhões universais, ninguém que se fie demais, não há ninguém que saiba tudo e escape às besteiras. Só não erra de fato quem não emite opinião nenhuma.

Dei bobeira esperando muito de "Onde os fracos não têm vez", pelo qual fiquei suspirando no final do ano passado, porque, conhecendo o talento de Javier Bardem e dos irmãos Coen, e fiando-me nos julgamentos arqui-favoráveis da crítica americana nos sites de cinema da Internet, estava tomado pela onda pró (que, tal como as ondas contra, tem que ser sempre olhada com seu tanto de desconfiança). Depois, com os quatro Oscar ganhos pelo filme, nas categorias mais fortes, fiquei com a impressão de que veria algo fora do comum, realmente. Que surpresa! Encontrei um filme ora bom ora razoável, com boas interpretações, mas, sem dúvida, sofrendo da maior onda de supervalorização que vi em toda a minha vida. Não merecia os prêmios todos que ganhou, simples assim.

UM EXTERMINADOR COM BANHO DE ARTE

"Onde os fracos não têm vez", sem trilha sonora (só ao fim, ao subir os créditos, ouve-se uma vaga música inquietante), é um filme que, precedido por tanta publicidade, parece a coisa mais promissora e excitante no início, e é muito auxiliado pela bela fotografia de Roger Deakins de uma região semi-árida, com montanhas e céus magníficos que o fotógrafo captou com perícia. Quando Javier Bardem, encarnando o psicopata Anton Shigurh, entra em cena, ouviu-se falar tanto da grande interpretação do ator e da estranheza do personagem que tudo nos prepara para arrepios e sustos antológicos.

Não acontece muito disso. Não que ele não inspire medo. No entanto, não tão mais que outros psicopatas (há milhares, pelo amor de Deus!) que o cinema americano ofereceu e oferece. A certa altura, tendo levado um tiro de Llewelyn Moss (Josh Brolin), coxeia e compõe o quase clichê do doidão-perigoso-com-um-machado-em-punho que arrasta uma perna, consagrado por Jack Nicholson em "O iluminado". Ficamos esperando dele o que se espera em todo filme desse tipo - o que fará de mais terrível ainda na próxima cena, quem matará e em quais circunstâncias. Os mesmos apelos vulgares, que já se exauriram e não provocam mais nada em filmes meramente comerciais de "serial killers", são usados pelos irmãos Joel e Ethan Coen com um "banho de arte" e deixam certos críticos embasbacados.

Uma cena particularmente chocante é a de Shigurh-Bardem nu, curando-se do tiro levado de Llewelyn-Brolin com uma frieza só dele. Mas, daí a pouco, a gente acha que já viu aquilo, e viu: chato dizer, mas foi em "O exterminador do futuro", o primeiro, quando Schwarzenegger, no espelho, curava-se, repondo um olho ou algo assim (a lembrança é vaga), já que, robô, era programado para reciclar-se a si próprio a qualquer dano em sua lataria. Bardem faz uma caracterização ímpar, ninguém quer tirar seus méritos, mas seu personagem também é um autômato.

Ele não tem um personagem para representar, de fato - tem um tipo, vestido de preto, com um penteado esquisito, que se porta como um matador weird e possui uma lógica insondável ao tratar de suas próximas vítimas. Usa também uma arma até aqui não vista nas mãos de outros "serial killers", mas não faz nada que outros assim, assustadores, soltos pelo mundo e parecendo invencíveis, já não tenham feito em outros filmes. O Oscar que Bardem recebeu é merecido, mas não por esse papel. Em "Mar adentro" e em outros filmes europeus, como "Segundas-feiras ao sol", teve papéis muito melhores. E fazia tempo que merecia consagração internacional. Mas não por seu Anton Shigurh.

ÁLIBIS DO CINEMA DITO ARTÍSTICO

Os irmãos Coen fizeram filmes inteligentes e divertidos como "Arizona nunca mais" "Barton Fink" e "Fargo", mas quem andou dizendo que são diretores superestimados estava certo. "Onde os fracos não têm vez" adapta um romance respeitado pela crítica, de Corman McCormick, que não li e não sei se é tão grande coisa. E usa álibis favoritos do cinema "artístico": ausência de trilha sonora e lentidão, "tempos mortos" e diálogos naturalistas e triviais que parecem esconder abismos de significado (mas, nesse caso, duvido que escondam mais do que a inanidade que enunciam).

Todo mundo que não seja muito chegado a complacências intelectuais e estéticas nota que, no chamado "cinema de arte", essas coisas acontecem sem parar - grandes silêncios, muxoxos que parecem "profundos" e "filosóficos", fotografia estática de lugares ou pessoas exibidos em silêncio propício a ruminações do espectador (digo, do espectador que consegue não dormir), tudo em aberto para que ele possa se sentir inteligente e projetar suas fantasias intelectuais, literárias e filosóficas sobre coisas que, na verdade, não acontecem senão dentro de certos cérebros ávidos de poder derramar comentários inteligentes e cintilantes.

Tolera-se certa lentidão em filmes de Herzog e Bergman, mas há alguma coisa sim por trás daquilo - senão talento e coerência com um projeto, ao menos uma sólida visão de mundo, uma apreciável cultura, de seus diretores. Nos Coen, parece um artifício, que já fora usado em "Fargo", com aqueles diálogos de caipiras americanos meio estupidificados, mas "Fargo" era superior, pois tinha na xerife grávida Frances McDormand um personagem ao menos engraçado. O xerife interpretado por Tommy Lee Jones é um homem digno e impotente diante das coisas - tudo, menos engraçado.

"Onde os fracos não têm vez" é sombrio. Sua violência consegue dar os únicos pequenos choques que o filme propicia, o que não é uma referência lá muito lisonjeira. É um filme de ação meio morto, para dizer o mínimo. E será chocante eu dizer que achei Josh Brolin muito mais interessante e humano que Javier Bardem em sua interpretação do aturdido e meio safado Llewelyn Moss que acha o dinheiro da droga e foge com ele?

Brolin é uma ótima surpresa, como ator. E Tommy Lee Jones é muito respeitável em seu papel de xerife. Woody Harrelson entra no filme para ficar pouco tempo e ser mais uma vítima de Shigurh-Bardem. A fotografia é ótima, mas nada, em matéria de motéis, crepúsculos e visões solitárias do Oeste americano, que já não tenha aparecido em muitos outros filmes - o "Paris, Texas", de Wenders, por exemplo.

"Onde os fracos não têm vez" não é, de modo algum, um filme desprezível. Mas ter ganho Oscars de melhor diretor, melhor roteiro, melhor filme e melhor ator me parece um equívoco que, daqui a algum tempo, alguém terá que levar em conta.



Sobre o Autor

Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.

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Francisco Carlos Lopes
Rua Guido Borim Filho, 450
CEP 37706 062 - Poços de Caldas - MG

Email: franlopes54@terra.com.br

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