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Barra do dia

por Eloi Zanetti *
publicado em 03/03/2006.

Existe um termo que os pescadores e os caboclos do interior do Brasil usam para designar o momento que antecede o amanhecer que eu adoro. Eles chamam este breve espaço de tempo, formado por uma tênue e alongada luminosidade que marca o horizonte, como: a barra do dia. É uma hora mágica, quando a luz do sol começa a se mostrar, e se mistura com os últimos momentos da escuridão. Neste instante meio impreciso, vago, a luz do alvorecer demarca o encontro da terra com o céu. E esta luz difusa que se estende por todo o horizonte cria, exatamente, o desenho de uma barra no céu. É como se o firmamento fosse um imenso manto e o seu encontro com a terra uma enorme barra, uma espécie de dobra, debrum, reforço na costura.

O efeito luminoso depende da geografia local, estação do ano e condições atmosféricas. No litoral, nos desertos e nas chapadas a formação desta barra é mais precisa, mais acentuada, mais forte, pois há todo um horizonte à frente do observador. Certa manhã fiquei fascinado com um nascer de dia nos Campos Gerais. A luz se espalhou em um matiz de cor esmeralda intensa, cercando-me por alguns minutos de um verde maravilhoso que, depois, foi lentamente se esmaecendo. Para completar aquele momento de magia um bando de curucacas passou em vôo longo e ruidoso a caminho dos campos de alimentação. Outra vez, do alto de uma montanha, observando a linha do litoral, fiquei extasiado com os preparativos de uma tempestade que se formava ao longe. Na contraluz do sol que teimava em entrar, espessas nuvens negras rolavam de um lado para outro. Não demorou muito veio uma chuva farta, exuberante, boa, criadeira.

Para olhos cartesianos, a formação da barra do dia é um simples fenômeno da física, que se repete minuto a minuto, sem parar, por toda a tangência da esfera terrestre, há milhões e milhões de anos. Mas para quem observa com o coração é um instante fulgaz, mágico, muitas ve zes arrebatador. É quando o retrato sagrado do nascer de mais um dia nos comunica algo, tocando nossos sentimentos mais profundos.

Gosto desta hora, quando a luz não incide diretamente sobre os objetos e vem até nós sob forma difusa e rebatida. A imprecisão deste tipo de luminosidade me informa que as coisas vagas também podem ter formas definidas.

Alguns minutos antes da formação da barra do dia, dependendo do mês e local, ouvem-se os primeiros cantos das aves madrugadoras. Na minha região: galos, sabiás-laranjeira e tico-ticos. De repente, bem no instante em que a luz começa a se firmar, como se regidos por um maestro invisível, eles param de cantar e deixam entrar em cena, em algazarra intensa, outras aves e insetos. Para muitos animais chegou a hora dos preparativos, do espreguiçamento dos músculos, do apresto, do aviamento para a viagem de mais um dia.

Morando na cidade quase não temos espaço para ver as barras do dia. Dormimos até mais tarde, levantamos de mau humor e temos "outras coisas mais importantes a fazer".

E muitos perguntarão: por que perder tempo com uma coisa tão banal, simples, ingênua até? Eu não saberei responder, mas cito Vinícius de Moraes que certa vez falou que gostava de São Paulo, mas faltava-lhe um horizonte ao fundo para poder apreciar o nascimento dos dias.

Sobre o Autor

Eloi Zanetti: Eloi Zanetti - Publicitácio, foi diretor de comunicações e marketing do Bamerindus e do Boticário, hoje Consultor em Marketing e Comunicação, autor dos livros: Administração, Futebol & Cia, O Encantador de Clientes, O General que Sabia Ganhar Batalhas, O Mago Pareto, O nó do afeto e Posso Ajudar?

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