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Recostado no portão

por Airo Zamoner *
publicado em 02/01/2006.

Ele não partiu de repente, não desapareceu por encanto. Foi aos poucos. Angustiado, juntando cacos e malas, enxotado atabalhoadamente pelo novo que é imaturo e quer seu lugar.

Recostado no portão, olhos lá naquele horizonte esverdeado, azulado, avermelhado, alaranjado, vejo o velho sumir aos poucos, arrastando a bagagem desarrumada. Lá vai ele, de costas encurvadas, alquebrado, triste, desapontado, frustrado. E enquanto se apaga devagarinho, sinto o cansaço de ver mais um ano sujo, emporcalhado por tanta gente, por um materialismo elevado ao infinito,mas também um ano lindo no coração das pessoas simples, cheia de humanismo e candura.

Não vou amaldiçoar ninguém. Nem os brutos, os ladrões de corações esperançosos, nem os traidores, os assassinos. Cansei! Preciso restabelecer forças. Vou tirar o luto. Vou esperar o novo aqui no portão, vestido de amarelo ou de festa, de verde ou de felicidade, de vermelho, ou mesmo de branco, para apaziguar a consciência. Vou esperá-lo com projetos sólidos ou planos irrealizáveis. Vou ficar aqui, sentindo a felicidade de ver os anos desfilarem e estar presente em todos eles, um a um... Vou pensar nos amigos que fiz, da amizade que me dedicaram, talvez sem que eu mereça. Vou recostar os braços no portão, apoiar o queixo e refletir sobre tudo que falei, escrevi, sobre as ofensas que fiz, a indignação que mostrei em vão.

Lá vai ele, imagem esfumaçada. Parece meu próprio retrato. Também estou de costas. E costas encurvadas. Um peso que amealhei durante anos, do qual não me livrei por vontade ou imposição. Lá vai ele, lá vou eu, triste, sumindo. Eu, pensando que deveria ir com ele. Expulgir aos poucos. Deixar a solidão me engolir de vez, no ritmo de uma clepsidra preguiçosa. Parar de lutar contra ela, já que é ela que me quer avidamente. Talvez seja hora de me voltar para dentro. Vasculhar o que existe por aqui mesmo. Sim, talvez seja hora de ser complacente. Não há outro jeito! As decepções com o homem são decepções comigo mesmo.

Vejo minha espada empoeirada, ridícula, tentando enfeitar uma parede inacabada. A arma herdada,desmontada no chão. Os punhos frouxos, mas teimosos. A alma varrida por furacões outrora vermelhos, hoje desbotados, esboçando um cor-de-rosa suspeito. Mas é mentira! Se é hora de tolerância, conformismo, nunca será de covardia.

Enquanto penso, meu queixo dói pela pressão sobre as pontas do portão e acordo. O horizonte está vazio. Furtivo, deixou-se encobrir pela névoa ou poluição. O novo já se alvoroça aqui por perto. Tenho que sacudir este portão frágil que me divide em dois ou três. Preciso me reunir a mim mesmo. Unificar mágoas, renovar certezas e falar cada dia mais baixo, ouvir cada vez menos, enxergar para fora cada dia pior. Depois, gritar muito alto para dentro, ouvir-me forte e ver um inventário rebuscado, na certeza de emitir um relatório que me prove ter valido a pena não me despedir ainda e ter ficado mais um pouco, recostado no portão.

Sobre o Autor

Airo Zamoner: Airo Zamoner nasceu em Joaçaba, Santa Catarina, criou-se no Paraná e vive em Curitiba. É atualmente cronista do jornal O ESTADO DO PARANÁ e outros periódicos nacionais. Suas crônicas são densas de conteúdo sócio-político, de crítica instigante e bem humorada. Divide sua atividade literária entre o romance juvenil, o conto e a crônica, tendo conquistado inúmeros prêmios e honrosas citações.

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