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A Revolta das Bengalas
por Airo Zamoner
*
publicado em 05/12/2005.
Bengala, como todas suas milhões de irmãs, só conhecia o bem, mesmo porque, o bem fazia parte integrante até de seu nome. Ninguém jamais imaginaria uma bengala se chamar maugala. Além de pouco sonora, a palavra seria injusta.
Claro que todas sabiam da existência de algumas primas distantes que tinham em sua alma armas letais como espadas, estoques e mesmo armas de fogo. Estas parentes espúrias tinham donos também dissimulados que, a rigor, não precisavam delas. Para estas, sim, justificar-se-ia o nome maugala, embora de gala só a aparência...
Entretanto, teve um dia – bendito dia aquele – em que Bengala, cansada de ver triunfar o mal, rebelou-se.
Tudo começou muito devagar, de forma surpreendentemente sutil. Yves, seu dono, percebera nela alguns tremeliques quando lia jornais, ouvia rádio ou se refestelava à noite em sua poltrona predileta, para assistir aos vibrantes noticiários. Bengala repousava ao lado, quieta, como é próprio de qualquer bengala que preze o nome. Repentinamente, começou a rolar para longe, trepidando um trepidar irritado, quase raivoso. Yves levantou-se devidamente assustado, indevidamente desapoiado e a trouxe de volta.
Atônito num primeiro momento, deixou chegar o segundo momento e atribuiu o fato a fenômeno perfeitamente lógico, como uma réstia de vento, já que o Sol se escondera na borda do mundo há bastante tempo e não poderia, por evidente, ser uma réstia dele. Mais provável ela estar mal estacionada em algum móvel. Afinal, Bengala não tinha bengala para melhor apoiar-se. Daí, poderia ter acontecido uma escorregadela e pronto. Bengala rolara para longe dele.
Evidentemente, lembrou-se dos tremeliques esquisitos que ela sofrera dias atrás. Começou a desconfiar de si mesmo, já que estes fatos passaram a se repetir com muita freqüência.
Aos poucos, Bengala escancarou sua revolução. E no dia fatídico, ao invés do Yves dirigir os destinos de sua bengala, Bengala começou a dirigir sua mão. Milhões de irmãs assistiram a tudo pela televisão e começou no Brasil a revolta das Bengalas. Os poderosos, agora às voltas com o que chamam de “problema” – embora esteja parecendo uma solução – estão agitados. Querem votar novas leis para regulamentar as bengalas. Mas já não conseguem pensar direito, pois, antes que todos passassem a usar capacetes, suas cabeças ficaram muito inchadas e desativadas. É comum ver no parlamento, no palácio e nos ministérios, capacetes voarem intempestivamente e novos galos surgirem, a ponto das fábricas de capacetes estarem aumentando os tamanhos e as bengalas estarem pensando em mudar seus nomes para bengalos, ou seja, galos que fazem bem. Nunca se vendeu tanto capacete.
Hoje, as bengalas dominam tudo. A limpa está sendo rápida, nada gradual e muito restrita, tomando conta de todos os nichos.
A propósito, quem está escrevendo este texto, não sou eu, é uma bengala.
Sobre o Autor
Airo Zamoner: Airo Zamoner nasceu em Joaçaba, Santa Catarina, criou-se no Paraná e vive em Curitiba. É atualmente cronista do jornal O ESTADO DO PARANÁ e outros periódicos nacionais. Suas crônicas são densas de conteúdo sócio-político, de crítica instigante e bem humorada. Divide sua atividade literária entre o romance juvenil, o conto e a crônica, tendo conquistado inúmeros prêmios e honrosas citações.< ÚLTIMA PUBLICAÇÃO | TODAS | PRÓXIMA>
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