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SENÃO
por Conrad Rose
*
publicado em 02/10/2005.
Vez ou outra, a libido assumia. Percorriam tresloucados as escadas até o terceiro andar. No reservado acesso dos serviçais, consumiam-se felinos e rumorejantes nas madrugadas cariocas. Ferviam tropicais: felação, felação, coito, felação e felação. Frenesi tamanho.
Quando saciados, voltavam-se às vestes e retornavam misturados nas mãos, bocas, narinas. Embebedados de cheiros compilados.
Inevitável foi a gravidez da jovem e o parceiro desapareceu no teste de farmácia. Se houvesse trilha, seria Berlioz.
Restou a Norma socorrer-se à mãe, que de pronto fez chegar ao pai. O volume aumentou além do condomínio pois o tenente-coronel reformado era, segundo ele mesmo, o exemplo. O resto do planeta era composto por revolucionários, pagãos, profanos, desonestos, miscigenados, vagabundos e vagabundas.
Este perambulava pela sala quando deu a sentença:
- Vou dar-te o que te cabe. Vais pegar o dinheiro e irás sem volta. Crias este desafortunado e somes com a mancha que causaste. Se te houvesse Deus, eu a abençoaria, mas não é o caso.
Ela cobrou a mãe com os olhos, que a calou baixando os seus.
Foi-se então, locando um dois quartos no Grajaú e depressa tratou de aproveitar e despender a partilha.
Jurandir soube e tentou reaproximar-se, no qu´ela cortou pela raiz. Com grana, não lhe faltava homem e muito menos colchão d´água. Pagando por prazer, não se aporrinhava. E percebera que sua devoção doida era apenas necessidade.
Sabe-se lá o que pintou primeiro: o bingo ou os antidepressivos. A seguir, a barriga. A tríade tomou progressões geométricas.
Avisos não faltaram: celular, cartão de crédito, cheque especial, CDC, clube recreativo, telefone, luz, carne, terapias, massagens, seguro saúde, profiterolis, perfume francês e pretinho básico italiano. Numa ordenação portenha tudo lhe escorreu dentre os dedos. Parir ficou em último plano, como se não fosse existir; e marcou a miséria propriamente dita. No despejo, conheceu Ronílson.
Teve momentos com ele e fora apresentada ao Morro dos Prazeres. Lá se instalou quase sem nenhum conforto. De imediato, geral se dispôs a ajudá-la, mas seu recente passado cocota a impedia de sentir-se inserida. E não era mesmo. Com a bebida, não houve mais remédio e logo veio o expurgo.
Duas da tarde, dia chuvoso. Norma oferecia pastilhas no trânsito do Humaitá. O filho cansava-lhe os braços.
Ao aproximar-se, percebeu a mãe sentada ao passageiro dum popular noventa e poucos. Um afago no pescoço do motorista deliberou-lhe a história.
A mulher nem sequer a reconheceu; mediu-a dos pés ao pescoço e estendeu-lhe dois reais. A jovem rasgou-se:
- Quero não. Compra chocolate pros cachorros.
Retirou-se e desandou a beber.
Sobre o Autor
Conrad Rose: Conrad Rose é um escritor paranaense que observa o comportamento humano e brinca com sua paisagem. Atualmente ministra oficinas de criação literária em Santa Teresa, bairro do Rio de Janeiro.Email: conradrose@hotmail.com
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