Crônicas,contos e outros textos

PÁGINA PRINCIPAL LISTA DE TEXTOS Ronald Augusto


COMPARTILHAR FAVORITOS ver profile do autor fazer comentário Recomende para um amigo Assinar RSS salvar item em delicious relacionar no technorati participe de nossa comunidade no orkut galeria relacionar link VerdesTrigos no YouTube fazer uma busca no VerdesTrigos Imprimir

São Miguel das Missões Verdes Trigos em São Miguel das Missões/RS - Uma viagem cultural

VerdesTrigos está hospedado no Rede2

Leia mais

 




 

Link para VerdesTrigos

Se acha este sítio útil, linka-o no seu blog ou site.

Anuncie no VerdesTrigos

Anuncie seu livro, sua editora, sua arte ou seu blog no VerdesTrigos. Saiba como aqui

Olhos de Cadela, livro de estréia de Ana Mariano

por Ronald Augusto *
publicado em 19/03/2007.

Logo no início de A Arte da Poesia, Ezra Pound menos censura do que questiona a funcionalidade de um certo tipo de metáfora. O grande mestre da vanguarda sustenta que compósitos imagéticos do tipo dim lands of peace (brumosas terras de paz) deveriam ser evitados. Para Pound, a relação aíestabelecida obscurece a imagem, mistura o concreto ao abstrato. O conceito poundiano de linguagem eficiente supõe o poema como a conquista da precisão e da clareza. Preceito, aliás, que o próprio poeta não consegue transferir para a sua obra máxima, Os Cantos. De qualquer modo, Pound quer dizer que quando for necessário usá-la épreferível lançar mão da metáfora, digamos assim, mais natural em detrimento daquelas variedades mais artificiosas ou abstratas.

A metáfora corresponde a uma vertente da fanopéia (a projeção de uma imagem visual sobre a mente). E esse verdadeiro fotograma ou frame verbal, em muitos casos constitui o insumo fundamental para a construção do poema. No que respeita aos poemas do livro de estréia de Ana Mariano, Olhos de Cadela (L&PM, 2006), não há como escapar à constatação de que uma pulsão de cinema em versos está em jogo no seu embate com a linguagem. Mas, a metáfora da poeta não é bem a projeção de uma imagem visual sobre a mente. Parece-me que no caso de Ana Mariano, seu complexo imagístico antes se projeta na carne, ou melhor, transforma num combusto o corpo desejante e desejável do leitor abandonado ao contato sigiloso com o corpo do texto.

Carnações metafóricas, imagens encarnadas embebem os poemas de Olhos de Cadela. Ana lambe os beiços ao saborear os próprios textos que vai produzindo: Desejo montando ancas. E perturba o poema ao injetar nele eventos comuns demais, que não deveriam constar de sua fatura: as cinco caixas de morango negociadas pelo menino na calçada; o excesso de riso e celulite; o ruído da chaleira, música da cotidiana aurora dedirrósea, etc. Não é o fino tecido do papel, portanto, o suporte da metaforização mais corpórea do que mental de Ana Mariano, mas sim o corpo e sua topografia de memória seduzida. Os vales mais dolorosos, as ranhuras dos gozos sempiternos. Memória que se deixa assediar pelo imaginário, pela plasticidade. Dissipação de biografemas na paleografia tensa-tenra do corpo e sua brevidade heróica nesta vida não livresca de aquém-túmulo. Leio à boca pequena: (...) Em vão busquei apoio no cheiro das goiabas,/ tua carne de sonho,/ abstrata,/ diluía o mundo conhecido./ Entre os bambus, eu te avistei,/ macia e nua.

Mas, em Olhos de Cadela não só a metáfora e suas imagens serpejantes trazem o hálito, o índice de um corpo presente, ou prestes a, ou mesmo a inquietude do que lateja ao alcance da mão. Ana escreve alguns textos que quase podemos pegar com a mão, tamanha é a ênfase em sua materialidade. Os efeitos estéticos ficam presentificados. No poema Revoada, a velocidade da brusca travessia dos pássaros desestabiliza a última estrofe do poema; o vento da vontade de linguagem dispersa as palavras na página. Em Ensinamentos, Ana Mariano materializa, mimetizando o recurso da colagem, a letra enfeitada do quadrinho de azulejos pendurado na cozinha, isto é, a poeta transcreve o dístico-clichê composto numa tipografia kitsch, afeita ao lirismo doméstico; afetação, afecção da afeição. É como se o leitor se deparasse com uma ilustração in absentia. Quase podemos apalpar o pequeno ícone, mas ele não se acha ali; dissipa-se entremeado ao erradio trânsito das palavras.

Ana Mariano quer mais que o símbolo: De que serve um amor só de palavras.... E ela está em boa companhia, pois segundo Octavio Paz, a imagem deve ser encarnação. Linguagem que atravessa estados de corpo e suas espiras. Amor não parece ser o nome apropriado para esse amor que a poeta franqueia ao irredutível desejo do leitor: sua pulsão, seu sorvedouro impreciso e sem avesso. Ana, essa menina à espera, tenta converter em música metafórica, em estrutura, o incongruente da tensão afetiva, a desmesura corrosiva dos sentimentos, os musgos da água escura onde a carne, nem alegre nem triste e por meio da memória, mergulha industriosa no pathos de sua antiga inocência.

Sobre o Autor

Ronald Augusto: nasceu em Rio Grande (RS) a 04 de agosto de 1961. Poeta, músico, letrista e crítico de poesia. É autor de, entre outros, Homem ao Rubro (1983), Puya (1987), Kânhamo (1987), Vá de Valha (1992) e Confissões Aplicadas (2004). Assina o blog:
www.poesia-pau.zip.net

< ÚLTIMA PUBLICAÇÃO | TODAS | PRÓXIMA>

LEIA MAIS


Natural de Sorocaba, por Milton Marinho Martins.

Quando os detetives entram em ação, por Rodrigo Capella.

Últimos post´s no Blog Verdes Trigos


Busca no VerdesTrigos