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Influência e domínio: França e EUA na visão de Mário de Andrade

por Dante Gatto *
publicado em 25/06/2003.

No movimento romântico, no que se refere à nossa cultura, o que havia era uma generalizada atitude de otimismo e nacionalismo que foi substituída por uma visão pessimista do país por ocasião do realismo. Podemos, pois, ver a visão modernista como uma síntese dialética: se se quiser tirar uma atitude predominante ou, pelo menos, aceita pela maioria, esta seria provavelmente de otimismo, de aceitação da pátria tal qual ela é, de ridicularização dos que pretendiam vê-la com olhos europeus, acrescente-se, também, o desejo e busca de uma expressão artística nacional.

Para Mário de Andrade, no que se refere à nossa cultura, isto ainda em 1925, o maior problema do Brasil consistia no acomodamento da nossa sensibilidade nacional para com a realidade brasileira. Era imprescindível, pois, resgatar os elementos da nossa identidade cultural, subjacente ao caráter nacional brasileiro. Será por intermédio da descoberta de uma consciência criadora nacional de base popular e folclórica que o Modernismo daria uma grande contribuição para a nossa brasilidade. O projeto de Mário de Andrade consistia em fazer com que o povo vivesse efetivamente a sua cultura, pois isto implicaria o seu reconhecimento como nação. Mostrou-se, com este objetivo, verdadeiramente obcecado por tudo que a ela se relacionasse (observando-a, pesquisando-a, examinado-lhe o ritmo). Todas as manifestações culturais capazes de revelar a singularidade do povo brasileiro eram do seu interesse. Por intermédio dessa vivência-reconhecimento, considerava ele, haveria possibilidade para uma superação dialética da história e criar-se-ia condições adequadas às mutações, progresso e evolução.

O brasileiro foi vítima de uma política de colonização. As elites econômicas sempre dominaram e privilegiaram as manifestações eruditas, dos salões, e menosprezavam os fatos culturais populares. Os brasileiros que controlaram o poder ao longo do século XIX estabeleceram o seu cotidiano de manifestações culturais a partir de inspirações européias. Amparados por um forte poder econômico foram desbravando o território e subjugando as populações. Como salienta Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1977. p.3): “a tentativa de implantação da cultura européia em extenso território, dotado de condições naturais, se não adversa, largamente estranhas à sua tradição milenar, é, nas origens da sociedade brasileira, o fato dominante e mais rico em conseqüências”. Acrescenta, por fim, o pesquisador uma dolorosa realidade: “somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra”. A grande vilã de então era a França.

O problema mesmo, diga-se de passagem, não era necessariamente a influência francesa, mas a exclusividade dela. Em 1936, no artigo “Decadência da influência francesa no Brasil” ao Diário da Manhã, Mário de Andrade argumenta que não houve diminuição da influência, mas “engrandecimento do Brasil”, “tanto no sentido de se nacionalizar e adquirir consciência e uso dos caracteres, constâncias, tendências que lhe são próprios, como no sentido de se universalizar e adquirir consciência e uso das riquezas espirituais do mundo”. Não dava mais para o cultura brasileira “se empobrecer num exclusivo amor”. A influência exclusiva de outra nacionalidade far-se-ia, pois, prejudicial e contraditória em qualquer um destes dois processos. O Brasil nacionalizou os seus artistas por força da universalização do país e, consequentemente, da nossa cultura. Houve “a criação de elites culturais de importância na orientação espiritual da nacionalidade”: os italianos no centro do pais, os japoneses em São Paulo, os alemães no sul, além das grandes empresas norte-americanas e inglesas.

Há uma nota que acompanha o artigo em questão, indicativa do espírito extemporâneo de Mário de Andrade no que se refere à “desmedida avançada cultural dos Estados Unidos sobre nós”: “... eu desejo livremente afirmar que a influência francesa foi benemérita, e ainda é a melhor, a que mais nos equilibra, a que mais nos permite o exercício da nossa verdade psicológica nacional, a que menos exige de nós a desistência de nós mesmos. Ao passo que a influência espiritual norteamericana sobre nós, apesar da grande admiração que eu tenho pela cultura dos Estados Unidos, será péssima e prejudicialíssima. O espírito norteamericano não apresenta nenhum ideal normativo de equilíbrio, de contenção, de liberdade (nossa) que nos seja utilizável. E pela distância psicológica profunda, e pela diferença econômica que já nos reduz a um estado de servidão, se as condições políticas do mundo não mudarem depois da guerra, a influência norteamericana sobre nós não se contentará de ser influência: será domínio. E nos obrigara por muitos anos a uma desistência quase total de nós mesmos.”

De fato, a profecia mariodeandradiana se cumpriu. Resta a lição salvadora (engrandecer o Brasil, valorizando o que é nosso e desembotando nossa sensibilidade para as riquezas espirituais da humanidade) agora com força suficiente para neutralizar tal domínio. Ou desistimos (brasileiros) de nós mesmos?
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Sobre o Autor

Dante Gatto: Professor de Teoria da Literatura da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), campus de Tangará da Serra (MT), e doutorando da UNESP de Assis, na área de Letras (Teoria literária e literatura comparada).

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