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O Mergulho

por Airo Zamoner *
publicado em 19/06/2003.

Aquele brusco tremor o impulsionou violentamente para trás. Já sentira isso há muito tempo, quando inadvertidamente, colocara o dedo no bocal de uma lâmpada. Experiência assustadora! Alguma coisa entrara subitamente em seu corpo.

Ao mesmo tempo em que, num ato reflexo, puxara a mão de volta, sentira uma contraditória atração. Queria levar outro choque! Quantas vezes, ao ver um bocal sem lâmpada, sentira novamente aquela estranha tentação. Sempre resistiu bravamente.

Agora, contudo, num misto de sofrimento e prazer, toda aquela sensação se repetia e nada tinha a ver com o choque elétrico!

Letras. Palavras. Livros. Depois que dominara as letras, passara a admirar as palavras. Ficava horas, olhando e pensando nelas. Letras sem sentido adquiriam uma espécie de vida própria, quando juntas. A palavra? Gerava milagrosamente dentro de seu cérebro, nítidas imagens de seus desejos. Essa mágica o deixava maravilhado!

A curiosidade quase o matava, na tentativa de saber como e porque alguém, algum dia, juntou letras e formou palavras que antes não existiam! Que sensação teria tido ao olhar para a palavra recém criada? Permanecia calado, absorto, sozinho, diante da glória fantástica de ver aquele conjunto inofensivo de palavras – na verdade, um conjunto de letras – formando as mais inesperadas idéias. Abrir um livro, qualquer livro, em uma página, qualquer página, espiar muito rapidamente, provocava o calafrio das idéias sendo cuspidas desavergonhadamente em sua cara. Era a fuga absoluta para os limites lógicos de sua compreensão.

Queria um dia ter a coragem que não tinha. Ansiou por ela. Sofreu sem ela. Restava apenas estudar como enlouquecido. Treinar tal qual combatente fanático. Foi absorvendo calafrios em cadeia. Percebeu a coragem aflorar devagarinho e depois com força. Sentiu que chegava sua hora. Juntou temerosamente algumas letras, aquelas que se espalhavam perdidas em sua memória. Formou algumas palavras. Respirou fundo. O sangue a ferver nas veias. Coração em pulos adolescentes.

Cuidadosamente, arranjou as palavras numa concatenação esmerada e nova. Foi colocando uma ao lado da outra, sentindo variações inusitadas nos sensores da alma. Algo semelhante ao poder de príncipes, reis, deuses, a invadi-lo despudoradamente.

Finalmente lá estava ela. Uma idéia silenciosa parida dele mesmo. Algo novo a existir neste mundo de Deus. Foi aí que sentiu o choque abrupto. Retraiu-se assustado por um tempo sem conta. Não ousou contar.

A estranha, talvez doentia vontade de sentir o prazer ou a dor de outro choque, voltava aos poucos. Relutava muito. Era certamente um drama estapafúrdio a perturbar sua consciência.

Hoje, por razões indizíveis, acordou mais ousado. A vontade do choque estava muito grande. Mas choque, apenas choque, seria coisa pequena para um deus. Precisava algo maior. Um precipício! Sim, é isso! Um precipício seria digno de um príncipe, de um rei!

Eis o maior dos precipícios. Colocou-se em sua beira, equipado com todas as letras e palavras que pôde reunir. A mochila arqueava o dorso. No trajeto precipício abaixo, teria ínfimo tempo para construir sua história, criar um final espetacular.

Atirou-se.

Atirou-se numa infinita sensação de prazer e dor.

No vôo mortal, tecia angustiado seu pára-quedas salvador.

Chegou ao solo, suavemente.

Desesperado, quis voltar ao topo para novo mergulho.

Sobre o Autor

Airo Zamoner: Airo Zamoner nasceu em Joaçaba, Santa Catarina, criou-se no Paraná e vive em Curitiba. É atualmente cronista do jornal O ESTADO DO PARANÁ e outros periódicos nacionais. Suas crônicas são densas de conteúdo sócio-político, de crítica instigante e bem humorada. Divide sua atividade literária entre o romance juvenil, o conto e a crônica, tendo conquistado inúmeros prêmios e honrosas citações.

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