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História de um Dente Molar

por Pablo Morenno *
publicado em 12/07/2005.

No tempo em que eu era mais pobre, gastei além das possibilidades, para dar carinho a um dente molar. Quando meus pais mandavam em mim, dor de dente se resolvia arrancando. Não, não era extração. Era arrancação como a sofrida pelas mandiocas e tiriricas. Assim foi feito com meus dentes na infância. Depois se colocaria uma chapa e pronto.

Morando na cidade descobri haver salvação para caninos e molares. De modos que investi meus poucos primeiros dinheiros para dar carinho a meus dentes. Neste ponto da história entra o molar de quem falei acima. Estou digitando minha blogada de hoje com a boca anestesiada. E como crônica é cotidiano, é um excelente assunto.

Seguimos. Meu dente molar recebeu todo o carinho e atenção. Tenho propiciado a ele tratamento de canal, amálgama e uma jaqueta de porcelana. Mas não bastou. Faz umas semanas surgiu uma fístula. Para quem não sabe “fístula” é um nome requintado para uma vertente de porcarias nascida no lado. É uma coisa menor que um licenso. A diferença é que o licenço nasce normalmente nas virilhas.Escrevi com S e depois com Ç porque o dicionário aqui não tem a palavra. Só achei a palavra “leicenço”, mas isso só dá em dicionários. A palavra “furúnculo” não serve porque diz aqui que é “inflamação circunscrita, de origem estafilocócica, em volta de uma glândula sebácea e de um pêlo, e que de ordinário termina em supuração”. Como não entendi nada, não sei se era isso mesmo que a gente tinha nas virilhas lá no interior. Em todo caso, supuração entendo, seria igual à fístula.

Meu dentista tirou umas chapas (esta chapas aqui são aquelas fotografias, não as dentaduras), e encontrou umas manchas de inflamação na furca (arco entre as duas raízes) e na raiz. Me mandou para um periodontista. O periodontista pediu uma chapa panorâmica e chamou mais dois outros dentistas que acharam que o furo era mais embaixo, poderia ser problema de canal mal tratado. O complicado é que tinha uma jaqueta de porcelana, era preciso quebrá-la e retratar o canal. Como o endodontista, em viagem para os Esteites, me passou para uma especialista e professora universitária. Ela colocou microscópio, tirou fotos, e confirmou o diagnóstico. Rimou e complicou.

Meu primeiro dentista tirou a jaqueta de porcelana, colocou uma de acrílico e voltei para a especialista. Ao retratar o canal, vimos a frouxidão do dente. Bah, aconteceu o pior. Teu dente tá rachado de cima a baixo. Claro, ela falou “teu dente tem uma fissura transversal” e não tem salvação. O negócio agora é extração e depois você decide se vai querer fazer um implante ou uma prótese fixa.

E agora eu estou aqui com a boca anestesiada e sangrando por culpa de um dente para o qual dei todas as oportunidades e tratei com todo o carinho e dinheiro que eu tinha. Não consigo entender porque, com coroa de porcelana e tudo, o dente conseguiu se estragar desse jeito. Além da dor que analgésico acalma, a inflamação e tudo, tenho uma dor sem remédio. Porque para esse dente rachado e infeccionado eu dei o melhor de mim, tratei com todo o carinho, investi, gastei. Tínhamos tudo para dar certo juntos. Sinceramente, eu não esperava isso dele.

Sentado aqui, com a boca anestesiada e sangrando ainda um pouco, fico me sentindo com meu dente igual o povo brasileiro com o PT. Será que para deixar a crônica redonda eu preciso retomar a idéia do primeiro parágrafo??

Sobre o Autor

Pablo Morenno: Pablo Morenno nasceu em 21.05.1969, em Belmonte, SC, e mora em Passo Fundo, RS. É licenciado em Filosofia e bacharel em Direito. Também é professor de Espanhol em cursinhos pré-vestibular, músico e servidor público federal do Tribunal Regional do Trabalho/4ª Região, e pinta nas horas vagas. Escreve uma coluna semanal de crônicas no jornal O Nacional, de Passo Fundo RS, e Nossa Cidade de Marau-RS. Colabora com os jornais Zero Hora, Direito e Avesso, e com sites de leitura e literatura. É Membro da Academia Passofundense de Letras, ocupando a cadeira cujo patrono é Érico Veríssimo. Como animador cultural e escritor, participa de projetos de leitura do IEL- Instituto Estadual do Livro do RS e de eventos literários no Rio grande do Sul e Santa Catarina. Com suas palestras interdisciplinares e descontraídas, utilizando-se de histórias e da música, conversa com crianças, jovens, pais, professores e idosos sobre a importância da leitura e da arte na vida.

Livros publicados: POR QUE OS HOMENS NÃO VOAM? Crônicas, WS Editor e MENINO ESQUISITO, Poesia Infantil, WS Editor. Contato com o Autor: Pablo Morenno

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