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Primavera no apê
por Noga Lubicz Sklar
*
publicado em 12/09/2007.
E pra cultivar violetas no apartamento, será que alguém ainda tem tempo? Mamãe tinha. A mãe de Simone K., segundo ela mesma conta, também. Já vovó não; cultivava rosas, que como todo mundo sabe, levam muito mais tempo pra cultivar. Tempo a vovó tinha de sobra. Tinha também intimidade com a terra. Tinha espaço. Tinha jardim.
Agora eu. Embora uma nova na Cobal só custe dois real, é doce este prazer herdado de ver florescer, na mureta baixa da área de serviço, a mesmíssima velha violeta, em seu vasinho barato de plástico preto. De sol mesmo, coitada, só tem dois meses de verão por ano, e um dia quase secou. A flor murchou, morreu, capitulou. Mas eu não: insisti. Decidi apostar na sobrevivência dela, no sonho, no fruto maduro, e reguei na medida: nem demais, nem de menos. Dei a ela o tempo justo da primavera, o longo tempo de escrever um romance, taí: como a Lúcia, sou mesmo antiga. Ou quem sabe louca.
Educada à base de Tolstói, a mãe de Amós Oz costumava inebriar-se, no jardim de sua infância na Rússia, com o perfume intenso de uma florzinha roxa, até sentir-se leve, flutuando. Mas em seu berço de imigrante pobre foi com o cheiro inebriante da cola, em seu primeiro sapato de couro, que o menino Amós se deliciou. A mãe de Oz se matou; o menino cresceu, se libertou: virou romancista. Conto ou romance, se for por prazer de ler — ou de escrever —, criam seu próprio tempo. É a escolha de cada um que importa, e não a circunstância em volta.
Vovó nunca leu nenhum romance. Nem conto. Nem mesmo jornal. Imigrante também, nunca aprendeu a ler. Mas num tempo em que ninguém mais tem tempo a neta dela escreveu um romance, apostando a vida em sonhos que muitos outros, em seu lugar, já julgariam perdidos. Em vez de comprar flor, prefere cultivá-las num canto apertado do apartamento, fazer o quê: tem gosto pra tudo, e sim, muita coisa pra fazer. Mas conto ou romance, quando um livro é realmente bom, encontro sempre o tempo de lê-lo: nem demais, nem de menos.
No final das contas, não é o tempo disponível que interessa, claro. Nem o tamanho do texto, mas o assunto, o envolvimento. É pensando nisso que custo um pouco a entender porque tanta gente hoje em dia, com tanto assunto pra escolher, decide escrever sobre o que escreviam, ou pensavam, ou sonhavam, os autores de antigamente: reconhecidos, porém já mortos. Será medo? Medo de ousar? Medo de escolher? Ou medo de incomodar? Ainda mais se levarmos em conta que o clássico moderno sobre o tema já foi escrito em 2002, e é tão bom, mas tão bom, que dificilmente será superado: é o "Mal de Montano", de Enrique Vila-Matas. Medo de assunto não está com nada, mas que existe, existe. Até mesmo José Castello, meu crítico literário favorito, anda pensando em optar pelos mortos. Mas no caso dele, a coisa até se justifica: com o parecer honesto e original que lindamente praticou, nas suas "Cartas de um aprendiz", acabou ofendendo a tanto aspirante a gênio, que simplesmente... desistiu. Largou de mão. Mesmo sendo crítico, o cara é ótimo: não quer magoar ninguém, e nós, escritores, é que perdemos com isso. Enquanto há tempo, confere lá. E vê se aprende alguma coisa.
* imagem: jardim de apartamento no Alto Leblon Foto: Noga Lubicz Sklar
Sobre o Autor
Noga Lubicz Sklar: Noga Lubicz Sklar é escritora. Graduou-se como arquiteta e foi designer de jóias, móveis e objetos; desde 2004 se dedica exclusivamente à literatura. Hierosgamos - Diário de uma Sedução, lançado na FLIP 2007 pela Giz Editorial, é seu segundo livro publicado e seu primeiro romance. Tem vários artigos publicados nas áreas de culinária e comportamento. Atualmente Noga se dedica à crônica do cotidiano escrevendo diariamente em seu blog.Para falar com Noga senda-lhe um e-mail ou add-lha no orkut.
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