Crônicas,contos e outros textos
PÁGINA PRINCIPAL → LISTA DE TEXTOS → Leonardo Vieira de Almeida →
Verdes Trigos em São Miguel das Missões/RS - Uma viagem cultural
VerdesTrigos está hospedado no Rede2
Leia mais
-
NOSSOS AUTORES:
- Henrique Chagas
- Ronaldo Cagiano
- Miguel Sanches Neto
- Airo Zamoner
- Gabriel Perissé
- Carol Westphalen
- Chico Lopes
- Leopoldo Viana
- mais >>>>
Link para VerdesTrigos
Se acha este sítio útil, linka-o no seu blog ou site.
Anuncie no VerdesTrigos
Anuncie seu livro, sua editora, sua arte ou seu blog no VerdesTrigos. Saiba como aqui
A coisa Não – é assim
por Leonardo Vieira de Almeida
*
publicado em 21/05/2003.
Pois não é a literatura da decadência, mas uma literatura em decadência. E como denunciador dessa situação, vimos no suplemento literário Rascunho, do Jornal do Estado de Curitiba, de abril de 2003, o escritor Alexandre Soares Silva, autor do romance A coisa Não-Deus (Beca Editora) expor numa entrevista a cloaca que é a atual realidade nacional em matéria literária. Que todos já sabemos – aqui não vou me advogar o direito de discorrer sobre a extensa lista de herdeiros do que muito bem o crítico Silviano Santiago intitulou como grau zero da escrita, tendo a partir The Killers, de Hemmingway, criado uma escola que insiste em manter-se mesmo à custa da própria estagnação, que outro motivo maior não seja o do lucro – do grau de doença da maior parte dos partidários de nossas letras contemporâneas é fato notório, maior o é a deficiência com que esse escritor parece analisar todo nosso patrimônio beletrístico, tendo a audácia de dizer: “Da literatura brasileira um escritor só pode aprender a ser ruim”.
Venhamos e convenhamos, parece-me ainda mais audaz, é o entrevistador, Sr. Paulo Polzonoff Jr., num non sense que precisa ser devidamente avaliado, taxar o entrevistado de “humilde”. Para usar o próprio estilo que o escritor defende quase como que único em arte, diria que o entrevistador usa de uma paráfrase, ou ainda, no melhor estilo machadiano, de ironia. Sim, o entrevistador consegue ser bem mais incisivo: “Humildade daqueles que não se deixam guiar por vaidades menores”; “marca de uma geração de romancistas que recusam a pecha de brasileiros, mas apenas por preferirem a de universais”.
Alexandre Soares Silva, 35 anos, tradutor, diz: “Quero escrever melhor do que todo mundo”. Entendendo um mínimo que seja de psicopatologia, estou diante de um caso megalômano. Mas não de todo perdido, pois livra, nec plus ultra, o gênio do Cosme Velho da taxativa alcunha de “escritor-gentinha”.
Diz ser leitor de Borges, Oscar Wilde, Eça de Queiroz, C.S. Lewis, P.G. Wodehouse. Confirma ter trocado um livro do Nelson Motta por Moby Dick. Seu gosto parece ser elevado e realmente irrefutável. Mas quando também cita Tolstói, uma dúvida me vem a mente e se o daimôn de Sócrates insiste em por tudo a baixo, sou levado a desconfiar do escritor que, se na verdade leu Ana Karenina, Guerra e Paz, A Morte de Ivan Ílitch, Sonata a Krautzer, teve o descuido, o pior dos descuidos, de não se lembrar da máxima que o gênio russo legou a todos os que pretendem escrever: “se queres escrever bem, escrevas sobre tua aldeia”.
O escritor tenta nos fazer crer que Guimarães Rosa é um mero Paracelso nordestino, misturando num cadinho medíocre e ínsipido matutos e jagunços. Rosa extraiu de tipos e de regiões populares da cultura nacional a matéria-prima que representa sua cosmogonia mítica e universal, extrapolando o mero retrato social da marginália, que hoje é mote da nossa literatura. O escritor diz que era melhor que Rosa tivesse criado dândis. É de se perguntar ao autor porque Shakeaspeare, em vez de de reis não tivesse usado ets, ou se Faulkner, em vez de retratar a degradação da aristocracia sulista nos Estados Unidos, não falasse de astrólogos sumérios tentando desvendar o efeito Big Ben.
Parece que o escritor é um caso sério de burguês melindroso. O que ele tem com as manicures, com os vendedores de bala, matutos ou jagunços? Graciliano Ramos não deixou de ser universal por falar numa família de retirantes na seca nordestina; Clarice Lispector, através de uma doméstica e uma barata criou uma das obras mais humanas sobre a dialética da existência. Assim como Zola utilizou-se de carvoeiros numa mina, Flaubert e Katherine Mansfield de empregadas. O próprio Oscar Wilde extraiu de seu ambiente e época os dândis.
Fica uma pergunta, ao tratar toda a literatura brasileira de inútil, por que Alexandre Soares Silva ainda perde seu tempo em escrever um romance? Afinal, não é mais um brasileiro? Mas, não, ele não pode ser brasileiro, é algum iluminado vate que pousou do além em terras tropicais, vindo talvez, dos círculos do Inferno e do Purgatório para encontrar seu Paraíso.
Valendo-se de tal absurdo, o escritor nos mostra mais uma das armas da autopromoção.
Sobre o Autor
Leonardo Vieira de Almeida: É escritor e arquiteto. Participou como co-autor do livro O disco de Newton, Imago, 1994, com poemas e contos e da Antologia n. 2 Poesia Viva, Editora Uapê, 1996. Possui trabalhos publicados em algumas revistas literárias como Nave da Palavra, Falaê, nos jornais Panorama e Balaio de Textos. "Os que estão aí" é seu primeiro livro de contos.< ÚLTIMA PUBLICAÇÃO | TODAS | PRÓXIMA>
LEIA MAIS
Homenagens aos Pais, por Leopoldo Viana Batista Júnior.
De velhas e antigas caixas, por T.M. Castro.