Crônicas,contos e outros textos

PÁGINA PRINCIPAL LISTA DE TEXTOS Urda Alice Klueger


COMPARTILHAR FAVORITOS ver profile do autor fazer comentário Recomende para um amigo Assinar RSS salvar item em delicious relacionar no technorati participe de nossa comunidade no orkut galeria relacionar link VerdesTrigos no YouTube fazer uma busca no VerdesTrigos Imprimir

São Miguel das Missões Verdes Trigos em São Miguel das Missões/RS - Uma viagem cultural

VerdesTrigos está hospedado no Rede2

Leia mais

 




 

Link para VerdesTrigos

Se acha este sítio útil, linka-o no seu blog ou site.

Anuncie no VerdesTrigos

Anuncie seu livro, sua editora, sua arte ou seu blog no VerdesTrigos. Saiba como aqui

Seu Hamilton, profissão cidadão

por Urda Alice Klueger *
publicado em 09/05/2003.

Seu Hamilton, 53 anos, tratorista há 33, brasileiro, profissão cidadão. Seu Hamilton, de Salvador, nove crianças na sua casinha de dois quartos, e uma coragem do tamanho do mundo dentro do peito. Quando a gente vê gente como o seu Hamilton enfrentando sozinho, apenas armado de uma camisa surrada, que ele usava para enxugar as lágrimas, todo o aparato da Lei e do poderio do Capitalismo, a gente volta a crer que “o essencial é invisível para os olhos. Só se vê bem com o coração.”

Tem muita gente grande que acha que é bobagem um pequeno/grande livro que Antoine de Saint-Exupéry escreveu um dia, chamado “ O pequeno príncipe” – as pessoas acham que é um livro infantil, ou uma mera fábula. Digo-lhes que não é. Ao longo da minha vida tenho-o lido de novo mais ou menos a cada 5 anos, e ele sempre é novo e a cada leitura descubro um monte de novidades que não percebera na leitura anterior. Seu Hamilton fez com que eu o buscasse e lesse outra vez.

Saint-Exupéry fala do Amor assim como Marx fala do Capital – e seu Hamilton junta as duas coisas, o Amor e a revolta contra a Injustiça que o Capital perpetra. E, numa noite de sexta-feira, deixa a nós todos, brasileiros, bobos com a sua coragem. Eu, cá, queria ser, algum dia, um seu Hamilton.

Para quem não viu na televisão: seu Hamilton, tratorista há 33 anos, foi chamado para cumprir uma ordem da Justiça: derrubar uma casinha construída numa invasão – era uma invasão enorme, um bairro inteiro, mas certa casinha estava sobre o terreno de um homem rico que apelara à Justiça, e agora seu Hamilton teria que obedecer às leis. Ele ligou o trator, movimentou-o – e começou a chorar. Desceu do trator, e num primeiro plano, a enfrentá-lo, estava o oficial de justiça, a polícia, o homem rico que era o dono da terra – a rodeá-los, uma multidão de gente pobre, e ali junto, desconsolada, nem se agüentando em pé de tanta dor, a família que ia perder a casinha que construíra reunindo todas as economias da vida.

Seu Hamilton foi duramente tratado pelo oficial de justiça, ameaçado com prisão – subiu de novo no trator, de novo movimentou-o, de novo começou a chorar- e de novo desceu dele, e recebeu, então, voz de prisão por estar obstruindo a justiça. Não foi para a cadeia – acabou num hospital, com uma crise de pressão alta, e virou o herói de muitos milhões de brasileiros.

Existissem muitos seus Hamiltons por aí, e a nossa realidade ficava bem diferente. Os simpatizantes ortodoxos do Capitalismo vão dizer que ele está errado, que o terreno era do antigo dono e pronto, e então eu penso em Jean-Jacques Rousseau, que disse mais ou menos isso: “Quem foi o louco que não matou o primeiro homem que cercou o primeiro pedaço de terra e disse que era seu?” Pois é, não me consta que lá pelo Paraíso terrestre Deus tivesse dito a Adão: “Olha, tua terra é este pedaço aqui – ali adiante vai ter outro dono.”.

E penso em Kant, que disse que para nós termos um êxtase perpétuo, precisamos apenas de “o céu estrelado sobre nossas cabeças e a lei moral no fundo do coração”. É brabo isso aí, né, gente? Lei moral é coisa muito maior do que lei de papel – e o seu Hamilton, com certeza, tem perfeitamente definido dentro de si o que é Lei Moral. Tão grandioso quanto Gandhi, seu Hamilton praticou uma desobediência civil que podia tê-lo levado para a cadeia e para o desemprego – mas o povo sabe, ah! Como o povo sabe o que é certo e o que é errado, e o povo sabe muito bem que não é Jader Barbalho quem está certo. Gandhi, com sua desobediência civil, acabou derrubando o Império Britânico – no que resultará o ato do seu Hamilton?

E só para fechar, faço mais uma citação, desta vez do poeta alemão Bertold Brecht: “... a compaixão dos oprimidos pelos oprimidos é indispensável. Ela é a esperança do mundo.”

Blumenau, 08 de Maio de 2003.

Urda Alice Klueger

Sobre o Autor

Urda Alice Klueger: Escritora catarinense de Blumenau, onde vive e trabalha. Publicou inúmeros livros, entre eles "Entre condores e lhamas" e "Crônicas de Natal"

http://geocities.yahoo.com.br/prosapoesiaecia/urdaautores.htm




< ÚLTIMA PUBLICAÇÃO | TODAS | PRÓXIMA>

LEIA MAIS


Crise de Identidade, por Tom Coelho.

Relíquia dos anos 50 é a melhor tragédia do mestre de Fassbinder e Almodóvar, por Chico Lopes.

Últimos post´s no Blog Verdes Trigos


Busca no VerdesTrigos