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Casa própria: financiar ou não, eis a questão!

por Henrique Chagas *
publicado em 16/04/2003.

Constantemente sou consultado sobre as vantagens de se fazer um financiamento para a aquisição de imóvel residencial, ocasião em que costumo dizer que o financiamento habitacional é sempre vantajoso para quem tem dinheiro. Para quem não o tem, também é vantajoso, desde que o mutuário tenha capacidade de pagamento suficiente para cumprir o contrato no prazo estabelecido. Se o mutuário não tiver capacidade de pagamento e vier a atrasar o pagamento das prestações, o saldo devedor do seu contrato transformar-se-á numa bola de neve e tornar-se-á um enorme problema, em vez de solução. Costumo ainda dizer que o nó górdio do Sistema Financeiro da Habitação é a correção monetária. Até o final desta coluna, com certeza, você entenderá o porquê.

Suponhamos que você, caro leitor, tenha uma poupança de R$ 50.000,00 e deseja comprar um imóvel. Nestas circunstâncias, o financiamento poderá ser um excelente negócio. Basta fazer as contas: você realizará um empréstimo no valor de R$ 50.000,00 pelo prazo de 15 anos e aplicará o seu dinheiro em fundos de renda fixa pelo mesmo prazo e com rentabilidade superior ao pago nas cadernetas de poupança. Qual será o valor da prestação do seu hipotético empréstimo? Muito fácil, pegue os R$ 50.000,00 e os divida por 180, o valor de amortização mensal do capital emprestado será igual à R$ 277,78; sobre este valor deverá ser somado o valor dos juros remuneratórios contratados e a taxa de seguro do imóvel.

No financiamento habitacional, geralmente a taxa de juros não ultrapassa os doze por cento anuais constitucionalmente admitidos. Imaginemos que os juros remuneratórios estabelecidos pelo seu hipotético contrato de empréstimo sejam cobrados pela taxa média dos contratos: 10,50% ao ano ou 0,875% (zero virgula oitocentos e setenta e cinco por cento) ao mês. Aí, você já terá uma idéia de quanto serão os juros devidos: R$ 50.000,00 x 0,875% = R$ 437,50! O valor da prestação inicial (amortização + juros) chegar-se-á a R$ 715,28 (R$ 277,78 e 437,50), lembrando que neste hipotético contrato também estará prevista uma taxa para uma eventual cobertura securitária (seguros), que será somada ao valor da prestação mensal.

Excelente negócio: enquanto você estará pagando 0,875% ao mês de juros no empréstimo habitacional, por outro lado estará recebendo 1,10% ao mês num fundo de renda fixa, variando, é claro, para mais ou para menos, dependendo do fundo no qual estará aplicando.

Imaginemos que você tenha contratado este suposto empréstimo no dia 30/06/98. Portanto, a primeira prestação venceu no mês seguinte, dia 30/07/98, um mês após a celebração do contrato. Todos nós sabemos que a moeda vai se depreciando no curso do tempo; por isso mesmo, no nosso direito é admissível à aplicação da correção monetária ou de atualização monetária. Direito esse que alcança a todos, o que significa dizer, num jargão jurídico, que produz efeitos erga omnes. Portanto, com certeza, como prevêem os contratos, o saldo devedor deste seu suposto empréstimo também deverá ser atualizado seja pela variação da remuneração básica da caderneta de poupança ou por qualquer outro indicador financeiro (INPC, IGP e etc.). Imaginemos que este suposto contrato tenha como cláusula de atualização de saldo devedor o percentual da remuneração básica das cadernetas de poupança – que não deixa de ser justo, pois provavelmente o banco financiador estará captando dinheiro das cadernetas de poupança para lhe emprestar. Se você tem o dinheiro, com certeza, estará aplicando em fundos com rentabilidade superior ao da caderneta de poupança, para que ao final de 15 anos venha até sobrar um dinheirinho para reformar o seu imóvel ou adquirir um veículo.

Seguindo este raciocínio, no final de trinta dias, no ato do pagamento da primeira prestação, seus R$ 50.000,00 já não possuem mais o mesmo poder de compra que tinha na data da celebração do contrato; juntamente com ele depreciou também o dinheiro que você tem aplicado em fundos, que também estarão sendo corrigidos. Assim, o saldo devedor do suposto contrato será atualizado pelo percentual de 0,468672% (remuneração básica das cadernetas de poupança que foi aplicada às contas com vencimento em 30/07/98), elevando-se à quantia de R$ 50.234,34. Portanto os mesmos R$ 50.000,00 de 30/06/98, trinta dias depois valem R$ 50.234,34, tanto para quem deve quanto para quem tem para receber. A moeda se depreciou, isto é uma obviedade social e juridicamente admitida e aceita, tanto é verdade que nunca vi alguém ingressar em juízo para discutir e pleitear a invalidade da atualização monetária; pelo contrário, tenho visto pleitos judiciais para substituir a TR pelo INPC, o que significa trocar seis por meia dúzia. Ou pior, pois os índices do INPC é muito superior aos da TR. Portanto, se você emprestou dinheiro, além da amortização do capital emprestado, dos juros e da taxa de seguros contratados, terá que pagar também a correção monetária do saldo devedor, que vai depreciando ao longo do tempo. Isto é péssimo, se você não tem dinheiro; entretanto, se você tem dinheiro, este também estará sendo corrigido.

Pelo suposto contrato, somente a título de exemplo, no dia 30/07/98 venceu a primeira prestação e seu saldo devedor já é de R$ 50.234,34. Vamos aos cálculos: com o pagamento da prestação de R$ 715,28 (sem o prêmio de seguro, que neste caso provavelmente seria de aproximadamente R$ 70,00), primeiro paga-se os juros. E qual é o valor dos juros (0,875% sobre o saldo devedor)? R$ 50.234,34 x 0,875% = R$ 439,55. Dos R$ 715,28, pagos os juros, sobraram para amortizar o saldo devedor a importância de R$ 275,73. R$ 50.234,34 menos R$ 275,73 = R$ 49.958,61: este é o valor do saldo devedor em 30/07/98 do hipotético contrato. Nos primeiros trinta dias nosso hipotético contrato, diminuiu numericamente em relação ao contratado apenas R$ 41,39. Digo numericamente, pois financeiramente a moeda encontra-se desvalorizada e nos próximos trinta dias terá nova desvalorização. Se o seu contrato tiver apenas re-cálculo anual ou não tiver qualquer re-cálculo, seu saldo devedor não vai diminuir nunca, vai inclusive aumentar se você não pagar pelo menos os juros e a correção do saldo devedor do seu contrato.

Se você quer mesmo pagar o emprestado no prazo contratado, o ideal será realizar o re-cálculo mensal do saldo devedor. Assim, você estaria pagando mês a mês todos os encargos contratuais. Se você pagar uma prestação menor que o valor dos juros e da correção monetária, com certeza, não estará diminuindo em nada o saldo devedor do seu contrato e, no final do empréstimo, terá um alto resíduo para saldar.

De forma prática, acabei explicando como funciona o sistema de amortização crescente, que é mais simples e mais compreensível que o sistema francês de amortização, também chamado de Tabela Price. Nos contratos onde o sistema de amortização é o sistema da Tabela Price, a prestação será bastante inferior do sistema de amortização crescente. Pelo sistema de amortização crescente, a prestação tende a diminuir com o passar do tempo, pois o saldo devedor diminui e, por conseqüência, diminui também o valor dos juros. Todavia, sistema de amortização será pauta para uma outra coluna.

Se você tem contrato de empréstimo habitacional, solicite junto ao seu banco financiador uma planilha de evolução de financiamento e verifique todos os dados do seu contrato e faça as contas; se você não estiver pagando os juros, a correção monetária e ainda amortizando o saldo devedor, o saldo devedor do seu contrato não vai diminuir nunca. Vai aumentar. Não existem milagres! Com certeza, você já entendeu porque eu costumo dizer que o nó górdio do Sistema Financeiro da Habitação é a correção monetária. Concluindo, se você não tem dinheiro ou vive de salário, que não tem correção alguma, seu financiamento habitacional lhe comerá por uma perna.

Sobre o Autor

Henrique Chagas: Henrique Chagas, 49, nasceu em Cruzália/SP, reside em Presidente Prudente, onde exerce a advocacia e participa de inúmeros eventos literários, especialmente no sentido de divulgar a nossa cultura brasileira. Ingressou na Caixa Econômica Federal em 1984. Estudou Filosofia, Psicologia e Direito, com pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil e com MBA em Direito Empresarial pela FGV. Como advogado é procurador concursado da CAIXA desde 1992, onde exerce a função de Coordenador Jurídico Regional em Presidente Prudente (desde 1996). Habilitado pela Universidade Corporativa Caixa como Palestrante desde 2007 e ministra palestras na área temática Responsabilidade Sócio Empresarial, entre outras.

É professor de Filosofia no Seminário Diocesano de Presidente Prudente/SP, onde leciona o módulo de Formação da Consciência Crítica; e foi professor universitário de Direito Internacional Público e Privado de 1998 a 2002 na Faculdade de Direito da UNOESTE, Presidente Prudente/SP. No setor educacional, foi professor e diretor de escola de ensino de 1º e 2º graus de 1980 a 1984.

Além das suas atividades profissionais ligadas ao direito, Henrique Chagas é escritor e pratica jornalismo cultural no portal cultural VerdesTrigos (www.verdestrigos.org), do qual é o criador intelectual e mantenedor desde 1998. É jurado de vários prêmios nacionais e internacionais de literatura, entre eles o Prêmio Portugal Telecom de Literatura.

No BLOG Verdes Trigos, Henrique anota as principais novidades editoriais, literárias e culturais, praticando verdadeiro jornalismo cultural. Totalmente atualizado: 7 dias por semana.

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