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Comentários Iniciais sobre o Direito da Empresa no Novo Código Civil

por Henrique Chagas *
publicado em 14/04/2003.

Inicialmente faz-se necessário uma breve introdução ao estudo da TEORIA DA EMPRESA, que teve seu início positivado na Itália, em 1942, com o Codice Civile. Na Itália, desde 1892, com Cesare Vivante, defendia-se a tese do fim da autonomia do Direito Comercial; todavia o próprio Cesare Vivante, quando nomeado para a Reforma do Código Comercial, em 1919, abandonou a tese da unificação.

Entretanto, em 1942, o Codice Civile passou então a disciplinar tanto matéria de natureza civil quanto comercial. O modelo italiano, no qual o Novo Código Civil Brasileiro busca inúmeras “inspirações”, de regular a atividade econômica sustenta-se na teoria da empresa. No dizer de Fábio Ulhoa Coelho, tem-se a Teoria da Empresa como o núcleo de um sistema novo de disciplina privada da atividade econômica e não como expressão da unificação dos direitos comercial e civil. No seu aspecto comercial, o seu núcleo conceitual deixa de ser “o ato de comércio” e passa a ser a “empresa”.

Mas o que é empresa? O novo Código Civil não conceitua o que é empresa, apenas identifica quem é o empresário e quem é a sociedade empresária. Mas didaticamente podemos conceituar empresa como sendo uma atividade destinada à obtenção de lucros com o oferecimento ao mercado de bens ou serviços, gerados mediante a organização dos fatores de produção (força de trabalho, matéria-prima, capital e tecnologia).

O legislador deixou de conceituar a empresa, exatamente porque é multifacetária, o que tornar-se-ia muito complicado juridicamente enquadrá-la num único conceito ou num único esquema jurídico. O jurista italiano Asquini sustenta que a empresa pode ter vários perfis:

a) Perfil subjetivo: a empresa é identificada a partir do empresário – então juridicamente identifica-se quem é o empresário e as normas que regulam o exercício de sua atividade (art. 966);

b) Perfil objetivo: a empresa é identificada a partir do seu patrimônio e de seu estabelecimento – tutela o estabelecimento, preserva a existência noção de fundo de comércio (art. 1142);

c) Perfil funcional: a empresa é identificada a partir de sua própria atividade (tal perfil não encontra previsão no NCC, mas em leis esparsas (antitruste) e na própria CRFB, artigo 170), onde se estabelecem os limites da atividade econômica; e

d) Perfil corporativo: a empresa é identificada como instituição, onde suas relações interna ou externa corporis poderão ser estudadas, normatizadas e reguladas, em razão dos propósitos e objetivos comuns àqueles que com ela se inter-relacionam (operários, capitalistas e fornecedores).

Essa visão multifacetária, embora encontram entusiastas (entre nós, Sylvio Marcondes Machado), é praticamente impossível reuni-los num único conceito de empresa. Segundo Fábio Ulhoa Coelho, os perfis subjetivo e objetivo nada mais são do que nova denominação para os conhecidos sujeitos de direito e de estabelecimento comercial, quanto ao perfil corporativo, por sua vez, sequer corresponde a algum dado real (pois, especialmente no Brasil, inexiste empresa onde ocorra realmente uma corporação entre o capitalista e seus empregados).

Assim sendo, empresa é a atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços. Sendo uma atividade, a empresa não tem a natureza jurídica de sujeito de direito nem de coisa. Em outros termos, a empresa (atividade) não se confunde com o empresário (sujeito) nem com o estabelecimento empresarial (coisa).

A correta conceituação das categorias jurídicas vinculadas à atividade empresarial, ao seu sujeito e objeto é de extrema importância, visto que em torno da empresa gravitam inúmeros interesses, cujos titulares podem ser os empregados, a comunidade, os consumidores e etc. Portanto, a dissociação entre a empresa (atividade econômica) e o empresário (pessoa natural ou sociedade empresária) não trata apenas mais um tema para a reflexão, mas sua afirmação traz inúmeras conseqüências para a tutela dos interesses dos trabalhadores, dos consumidores ou dos investidores.

Segundo o meu professor Alexandre Alves, da FGV/RJ, o aspecto mais importante do conceito de empresa é a organização, que se contrapõe às técnicas primitivas de produção e comercialização. Organização é o elemento novo que se agrega à atividade econômica; que não faziam parte da noção de “ato de comércio” e nem de “comerciante” prevista no Código Comercial.

Mesmo diante de uma indefinição jurídica para a empresa, o novo Código Civil, adotando a teoria da empresa, indica que ela está associada ao exercício de uma atividade econômica pelo empresário (art. 966) que se concretiza no estabelecimento (art. 1.142), isto é, no complexo de bens organizados para o exercício da empresa. Assim sendo, Bulgarelli define empresa como “a atividade econômica organizada, exercida profissionalmente pelo empresário, através do estabelecimento”.

Tais conceitos não esclarecem a possibilidade da existência de empresa virtual; por exemplo, uma empresa virtualmente estabelecida em alguma ilha do Pacífico cuja atividade econômica ocorra em nosso território nacional (existe atividade econômica, mas não existe estabelecimento, portanto, não é empresa).

CC. Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Como já afirmamos anteriormente, o Código não conceitua empresa, apenas identifica quem é o empresário. Verifica-se, de imediato, que substitui a teoria dos “atos de comércio” (originária do Código Comercial Francês) para a teoria da empresa (inspirada no Codice Civile italiano).

O artigo 966 é “inspirado” no artigo 2.082 do Código Civil Italiano:

Codice Civile, art. 2082. Imprenditore. È imprenditore chi esercita professionalmente un’attività econômica organizzata al fine della produzione o dello scambio di beni o di servizi.

Pela teoria dos atos de comércio, totalmente superada pela nova legislação, era comerciante todo que aquele que praticava o ato de comércio ou atividade mercantil. Em suma, o ato de mercância exercido era o que qualificava o agente como comerciante.

A empresa, enquanto atividade organizada, não existirá pela simples prática de uma atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços, dependerá substancialmente do esforço organizacional do empresário (pessoa natural ou sociedade empresária) para a constituição dos elementos necessários à realização dos seus objetivos (constituição do estabelecimento empresarial e da dinâmica evolutiva dos negócios com fins de lucro, etc.).

O empresário é o titular da empresa (não é a empresa); é o sujeito de direito (perfil subjetivo), podendo ser a pessoa natural (empresário individual) ou a pessoa jurídica (sociedade empresária). Portanto, a simples prática de atividade econômica não qualifica alguém como empresário; para ser empresário é necessário exercê-la de forma organizada, que compreende a existência de um estabelecimento definido e uma dinâmica evolutiva dos negócios.

O Professor Fábio Ulhoa Coelho afirma que “as atividades econômicas de alguma relevância – mesmo as de pequeno porte – são desenvolvidas em sua maioria por pessoas jurídicas, por sociedades empresárias” (1), portanto, segundo o festejado autor, “o mais adequado seria o ajuste entre o texto legal e a realidade que se pretende regular, de modo que a disciplina geral da empresa (isto é do exercício da atividade empresarial) fosse a relativa ao empresário pessoa jurídica, reservando-se algumas poucas disposições especiais para o empresário pessoa física (2)”.

O fato de o NCC ter considerado a pessoa física o núcleo conceitual das normas que edita sobre a atividade empresarial, segundo o referido autor, acaba ensejando confusões entre o empresário pessoa jurídica e os sócios desta. Bem verdade, que a pobreza cultural deste país distancia as pessoas da sua capacidade do raciocínio abstrato e do exercício da abstração conceitual e por esta razão correntemente confunde-se empresário com sócio de pessoa jurídica. Tal confusão não decorre do presente texto legal, pelo contrário, corriqueiramente somos informados, até pela grande mídia, que determinado sócio ou acionista de pessoa jurídica é empresário, sendo que nunca desenvolveram efetivamente qualquer atividade econômica organizada, apenas esperam sentados o crédito dos dividendos de suas ações. Realmente tal pessoa não é empresário, mas apenas um mero acionista ou sócio de uma pessoa jurídica.

Equivoca-se o Professor Fábio Ulhoa Coelho quando afirma que a grande maioria da pessoas que exerce atividade empresarial são pessoas jurídicas. Pesquisa nas juntas comerciais dá conta de que mais de 50% das “empresas” constituídas no Brasil são firmas individuais, que segundo o NCC são identificadas como EMPRESÁRIO, pois importando se tributariamente seja considerada como pessoa jurídica ou não. Vê-se aí também uma confusão conceitual. Firma individual não é sociedade empresária. Teremos uma sociedade empresária quando duas ou mais pessoas se juntarem numa sociedade para exercerem uma atividade organizada para a produção ou comercialização de bens ou serviços (art. 982).

Fica claro, portanto, que integrante de sociedade empresária não é empresário; não está portanto sujeito às normas que definem os direitos e deveres do empresário. Evidentemente, o integrante de sociedade empresária está sujeito às normas que disciplinam a situação do sócio, inclusive imputando-lhe responsabilidades em razão da exploração da atividade empresarial pela sociedade da qual faz parte.

Em resumo, a empresa, como já dito alhures, pode ser explorada por uma pessoa natural (empresário individual) ou sociedade empresária. Fábio Ulhoa Coelho insiste em chamar a sociedade empresária de pessoa jurídica, embora seja, é claro, pois é uma pessoa ficta – ficção jurídica -, porém são categorias distintas.

Diante destas constatações, não somos legitimados a afirmar que o NCC deveria ter como núcleo conceitual a pessoa jurídica, como afirma o Professor Fábio Ulhoa Coelho, pelo contrário, na minha modesta opinião, deveria o NCC ter como núcleo central o conceito de empresa (a atividade econômica organizada), todavia, o legislador preferiu conceituar o empresário (pessoa natural) e a sociedade empresária (pessoa jurídica) que exercem a empresa. Provavelmente, o legislador não a conceituou por encontrar dificuldades em razão da sua visão multifacetária. Na ausência da conceituação de empresa, fez bem o legislador em conceituar os agentes da atividade empresarial: o empresário e a sociedade empresária.

CC. Artigo 966. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

Também aqui se busca inspiração no Codice Civile italiano, onde no seu artigo 2.228, sobre o trabalho autônomo, dispõe que se o exercício da profissão constituir elemento de uma atividade organizada na forma de empresa, aplicar-se-ão as disposições referente ao empresário. Em outras palavras, não é empresário, mas pode ser se em sua atividade estiver presente o elemento de empresa (organização).

Aquele que exerce individualmente uma profissão intelectual, como advogado, médico, contador, cientista ou artista, mesmo que tenha sob suas ordens um quadro de pessoal, colaboradores e auxiliares, não é considerado empresário, mas sim um profissional autônomo.

Portanto, nem toda atividade econômica é empresária. Embora os intelectuais, os artistas, os advogados ou os professores possam exercer uma atividade econômica lucrativa, almejando sempre um resultado positivo, seja na produção ou circulação de bens ou serviços, como já dito, não são considerados empresários. Serão empresários quando o exercício da profissão constituir elemento de empresa, entenda-se a presença de organização e estabelecimento empresarial.

O elemento organização é fundamental, pois, na prática, muitas pessoas realizam uma profissão lucrativa sem agregar elementos de empresa. O próprio artigo 966 estabelece que o exercício de atividade econômica organizada é o que conceitua o empresário. Por exemplo, a atividade de professor não é empresarial, embora busque a sua remuneração pela prestação de serviços; todavia, à medida que este organiza uma sala de sala e monta um cursinho particular, contrata uma secretária, instala um telefone, tornou-se um empresário. Passou a ter organização empresarial no seu empreendimento. Organização empresarial tem sentido econômico e não metodológico.

CC. Art. 972. Podem exercer a atividade de empresário os que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos.

Da análise sistemática dos arts. 966 e 972 do NCC, destacam-se que os elementos para identificação do empresário: capacidade, o profissionalismo, o exercício da atividade econômica, a organização e a finalidade desta (lucro).

Portanto, para ser empresário faz-se necessário estar em pleno gozo da capacidade civil e não for legalmente impedido. Assim, a partir dos dezoito anos a pessoa natural pode ser empresário ou, antes, se for emancipada ou estiver autorizada nos termos do artigo 974.

O exercício de atividade empresarial é não mais constitui elemento para a aquisição da maioridade da pessoa, como acontecia no Direito Comercial anterior. Pelo contrário, com o NCC para ser empresário tem que ter capacidade.

CC. Art. 973. A pessoa legalmente impedida de exercer atividade própria de empresário, se a exercer, responderá pelas obrigações contraídas.

Certas pessoas, em razão da profissão que exercem por circunstancias especiais não podem exercer simultaneamente a atividade empresarial. O impedimento deve ser interpretado restritivamente, pois a regra é a do artigo 170 da CRFB, parágrafo único, que assegura a todos o direito ao livre exercício e qualquer atividade econômica, independentemente de autorização, salvo nos casos previstos em lei.

Portanto, o impedimento decorre da lei, exatamente por tratar-se de uma restrição de direitos. O Código Comercial, revogado, arrolava aqueles “proibidos de comerciar”, embora capazes não podiam exercer o comercio. O NCC repeliu a proibição, preferiu tratar as exceções como impedimentos; entretanto também não relacionou quem são os impedidos. Todavia, dentro do ordenamento jurídico, já existem legislação suficiente para saber quem são os impedidos. Vejamos:

São impedidos para o exercício da empresa, entre outros:

1. Os leiloeiros, inclusive rurais (Decreto nº 21,981/32, art. 36);

2. Os funcionários públicos (Estatuto dos Funcionários Públicos);

3. Comandante de embarcação brasileira contratado sob condição de parceria com o armador sobre o lucro proveniente do transporte de carga, salvo havendo convenção em contrário (Código Comercial, art. 524);

4. Os militares da ativa (Lei nº 6880/80, art. 29);

5. Os magistrados (Lei Complementar nº 35/79 – LOMN, art. 36,I);

6. Os falidos enquanto não reabilitados (Decreto-lei nº 7.661/45, arts. 40 e 138);

7. Os empresários que desrespeitarem as normas contidas na Lei Orgânica da Seguridade Social ( Lei 8.212/91, art. 95, § 2º, d).

De alguma forma, espero que estes breves comentários possam contribuir com as reflexões dos leitores para com a novidade legislativa implementada pelo novo Código Civil Brasileiro quanto ao Direito de Empresa.

Referências:

1. Coelho, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, volume 1. Fábio Ulhoa Coelho - 6a. edição revisada e atualizada de acordo com o novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2002, página 63.

2. Opus citatis, página 63.


(Artigo escrito por Henrique Chagas, advogado, mantenedor do sítio cultural VERDES TRIGOS e publicado no jornal da ADVOCEF, Edição n. 09, Janeiro/2003, Encarte JURIS TANTUM )
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Sobre o Autor

Henrique Chagas: Henrique Chagas, 49, nasceu em Cruzália/SP, reside em Presidente Prudente, onde exerce a advocacia e participa de inúmeros eventos literários, especialmente no sentido de divulgar a nossa cultura brasileira. Ingressou na Caixa Econômica Federal em 1984. Estudou Filosofia, Psicologia e Direito, com pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil e com MBA em Direito Empresarial pela FGV. Como advogado é procurador concursado da CAIXA desde 1992, onde exerce a função de Coordenador Jurídico Regional em Presidente Prudente (desde 1996). Habilitado pela Universidade Corporativa Caixa como Palestrante desde 2007 e ministra palestras na área temática Responsabilidade Sócio Empresarial, entre outras.

É professor de Filosofia no Seminário Diocesano de Presidente Prudente/SP, onde leciona o módulo de Formação da Consciência Crítica; e foi professor universitário de Direito Internacional Público e Privado de 1998 a 2002 na Faculdade de Direito da UNOESTE, Presidente Prudente/SP. No setor educacional, foi professor e diretor de escola de ensino de 1º e 2º graus de 1980 a 1984.

Além das suas atividades profissionais ligadas ao direito, Henrique Chagas é escritor e pratica jornalismo cultural no portal cultural VerdesTrigos (www.verdestrigos.org), do qual é o criador intelectual e mantenedor desde 1998. É jurado de vários prêmios nacionais e internacionais de literatura, entre eles o Prêmio Portugal Telecom de Literatura.

No BLOG Verdes Trigos, Henrique anota as principais novidades editoriais, literárias e culturais, praticando verdadeiro jornalismo cultural. Totalmente atualizado: 7 dias por semana.

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