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Caminho da Santa Fé

por Leopoldo Viana Batista Júnior *
publicado em 30/06/2003.

O ser humano, desde os primórdios, é dado a fazer sacrifícios religiosos a fim de fortificar sua fé. Em quase todas as religiões são eles descritos, alguns em passado distante, outros nossos contemporâneos. Relembro que em um deles, como descrito no Velho Testamento, Abraão chegou a oferecer o próprio filho à imolação, como se fora um carneiro, àquele que imaginava necessitasse provar sua fé. Outras mostras, após alguma evolução, e ainda hoje visto em inúmeras culturas mundo afora, leva os homens a jejuar, autoflagelar-se com correias e fios de metal, chegando à exaustão e aos sangramentos que comprometem a própria saúde. Junte-se a isso tantas outras manifestações extravagantes de fé.

Todos, como a literatura mostra, o fazem para permitir ao crente sua depuração espiritual e seu contato mais próximo com o criador. A dor física, dizem os entendidos, depura a alma e fortalece o espírito. Além disso, os rituais possuem outras características: normalmente são apresentados de maneira pública, para crédulos ou não, como que necessária fosse ao executor sua demonstração de extrema fé.

Atualmente são muitos os exemplos de que a prática continua viva e firme, mudando apenas o referencial. Esse referencial, naturalmente, acompanha a “evolução” do ser humano e anda de mãos dadas com o código moral e ético de cada povo. Desde algum tempo atrás, na Espanha – aliás terra fértil em santos, papas, papas santos e outras autoridades eclesiásticas – há atualmente um ritual que se encontra mais que em moda mundialmente, e atinge principalmente os que crêem em santos. É o Caminho de Santiago de Compostela.

Nesse caminho, sucede que o cristão - base da cadeia católica - ao longo de estradas pré-determinadas e com aproximadamente 700 Km de ponto a ponto, visita igrejas, capelas, altares. Trafega entre córregos, brejos, matas, pedras, colinas, montanhas e todo tipo de acidente natural, chegando ao final do périplo curtido e exausto, em dor física que lhe trará a certeza do dever cumprido. Nessa caminhada procura comer o mínimo possível e dormir em ambientes coletivos e espartanos. Carrega pouquíssimas vestes e pertences. Em verdade se faz pobre, como não é. Penso que ficam muito parecidos com os nossos verdadeiros pobres, aqueles que sobrevivem nas favelas periféricas das cidades ou em miseráveis taperas rurais.

Um cajado é o símbolo da saga. Todos andarilhos afirmam, passada a experiência, que sua fé se fortalece. Se homem, a barba cresce. Se mulher, nenhum cuidado com os cabelos. Há depuração espiritual e psicológica. No decorrer da caminhada, em geral sozinho e por óbvio, lhe é dado o tempo e toda a oportunidade de repensar sua vida, pedindo perdão pelos seus pecados, decidindo ser novo homem, mudando conceitos, revendo posições, em suma, e naturalmente, acreditando melhorar enquanto ser humano.

É claro que independentemente do interesse religioso inicialmente buscado, o “sacrifício” permitirá ao cristão crescer enquanto personalidade social. É provável mesmo que os jejuns forçados, a ingestão de poucas calorias e proteínas, a alimentação deficiente aliada aos exercícios físicos extravagantes – registre-se que por opção – ajude-os no desiderato.

O fato é que de uma forma ou outra se percebe pelas informações daqueles que resolvem caminhar a Compostela, na Espanha, participarem eles de uma experiência excepcional e até indescritível. Todavia, não nos esqueçamos, que essa mesma experiência é semelhante ao cotidiano da maioria dos cidadãos pobres paraibanos: os sobreviventes.

Nada contra, nem teria porquê, o caminhar a Compostela. Não pretendo discutir o direito ao arbítrio e a fé do cidadão. Nada, também, contra os intermediários ao criador, os santos, alguns tão prestigiados que mais parecem semideuses. Nenhuma crítica aos que acreditam que aquele meio de exercício físico e mental lhes traga a depuração emocional e religiosa esperada, em busca de maior aproximação com os céus. Apenas penso que se poderia em nosso próprio Estado da Paraíba ser desenvolvido programa e caminho semelhante. Nesse Caminho, de logo fica a sugestão, denominar-se-ia de Caminho de Santa Fé, em homenagem a nossa Cidade de Bonito, no final do Estado. Que tal?

Passaria o peregrino às mesmas ou maiores dificuldades que no outro caminho estrangeiro. Enfrentando a pobreza opcional, testemunharia a pobreza real. Passaria em inúmeras igrejas, cruzeiros e retiros, dormindo em ambientes coletivos, pobres, mas limpos e, o mais importante, teria o conhecimento real do sofrimento do seu próprio irmão, certamente ato aprovado por sua religião e seus dogmas, que veria no acontecimento uma oportunidade ao cristão andarilho para refletir e resolver, posteriormente, aliviar a dor física e mental daqueles efetivamente miseráveis que identificará ao longo do trecho. É certo que além da depuração pessoal se tornará um novo ser: mais humano, mais tolerante, mais generoso e mais caridoso. Não esquecer, ainda, que os gastos em viagem internacional, a começar pelas passagens, seriam revertidos a essa mesma população sofredora local, em mais um ato deveras apreciado pela própria religião, como dito, o que implicaria em efetiva prática de amor e caridade, como recomendam os escritos.

E aí, repise-se, a sugestão aos interessados: ficaria mais cômoda a peregrinação – e mais barato até - o Caminho de Santa Fé. E não esqueçamos, a nossa terra é generosa com as coisas do Céu. São muitas as homenagens aos santos, aqui mesmo e bem pertinho da gente. Mais de duas dezenas de nossas cidades são gravadas com seus nomes. De outra banda, o nosso clima é extremamente parecido com a não menos agreste Espanha. Os peregrinos interessados, mochila nas costas e bengala de pau-de-goiabeira na mão – precaução contra algum vira-lata sarnento e morto de fome - iniciariam suas caminhadas ao nascer de uma manhã ensolarada.

O ponto de partida: o busto de Tamandaré, onde se encontrava o antigo relógio da globo que enfeava a paisagem da nossa querida Tambaú. Outra vantagem: toda a família deverá estar presente, além dos muitos conhecidos caminhantes praianos. Alguém do clero para abençoar o peregrino. Polícia orientando o trânsito que certamente engarrafaria. Puxa, que partida... Via Epitácio, visitação e orações em várias estações locais: Capela das Lourdinas, Catedral de N.S. das Neves, Mãe dos Homens, Capela do Colégio Das Neves, Igreja do Carmo, Pátio de São Francisco, Mosteiro de São Bento. Pouso para dormida na periferia de Santa Rita, com descanso em rede instalada em casa de pescador de caranguejos. Percorridos já uns 20 Km do objetivo. Atenção: durante toda a peregrinação, nada de vinho. No máximo uma lapada de uma das nossas legítimas papudas. Na rotina, apenas café, pão, mariola, farinha e rapadura. Com sorte, uma ou outra fruta colhida pessoalmente no caminho: araçá, umbu, fruta-da-palma e do mandacaru, serão quase presentes.

Segundo dia. Pela manhã, pé no caminho de novo agora atento aos pontos de oração que serão muitos em nossa pequenina Paraíba. Previsão de 30 dias de esforço. Atenção peregrino: não tenha medo, principalmente com o aspecto esfomeado e miserável dos semelhantes que encontrar, com direito a ser observado por eles como indivíduo excêntrico ou aluado. Não vale levar cartão de crédito, nem dólares, nem pesetas, apenas reais, que servirão muito mais para doações. Serão muitas as cidades e arruados percorridos. Acidentes naturais significativos permitirão muitas reflexões. Na rota, não deixar de visitar as cidades com nomes de santos: Espírito Santo, Campo de Santana, Barra de Santa Rosa, Santo André, São João do Cariri, Barra de São Miguel, São Sebastião do Umbuzeiro, São José do Sabugi, Santa Luzia, São Mamede, São José do Bomfim, Santa Terezinha, São José de Espinharas, São José do Brejo da Cruz, Brejo dos Santos, São Francisco, São José de Lagoa Tapada, São João do Rio do Peixe, Santa Helena, Bom Jesus, Santana de Mangueira, São José de Caiena, São José de Piranhas, e Bonito de Santa Fé, último ponto da caminhada e da triunfante chegada.

Registre que o tortuoso caminho em verdadeiro zigzag no Estado, totalizará pelo menos os 700 Km compostelianos. Não se tem necessariamente que seguir o roteiro acima. Várias outras opções podem ser criadas. Pode-se, inclusive, inverter o Caminho. A chegada, nesse caso, será ainda mais interessante e esplendorosa que a partida. Ainda: a caminhada deve ser realizada por vias vicinais ou caminhos estreitos e difíceis, de preferência pedregosos e espinhentos, oportunidade que terá o peregrino andarilho de vivenciar efetivamente o tortuoso e real sacrifício em que vivem os seus irmãos paraibanos.

Por fim, após a caminhada de Santa Fé, certamente novos adeptos estimulados a iniciarão. Haverá divulgação de suas histórias e experiências, trazendo um fluxo turístico ao Estado, como acontece na Espanha, que indiretamente amainará a pobreza aqui instalada. Não esquecer: aqueles que se encontram na obrigação de reduzi-la, os governantes, decerto agradecerão.

Sobre o Autor

Leopoldo Viana Batista Júnior: Cronista.
Autor do Livro: Estrada de Barro para Ladeira de Pedra.
Advogado da CAIXA em João Pessoa/PB.
Professor Universitário e Ex-Conselheiro Estadual da OAB/PB.


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