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Fotos, fatos e falas

por Airo Zamoner *
publicado em 22/09/2004.

Neomásia estava louca para perdoar. Perdoando, tudo voltaria a ser como antes. Retornaria a calma, a suavidade, a segurança, a rotina. Mas precisaria um pedido.

O alívio das lágrimas de Neomásia, veio durante um diálogo nublado e tenso, quando ela identificou, no emaranhado dos subterfúgios costumeiros, que Gervásio pedia perdão.

Abraços e beijos coroaram o reatamento.

Nas incertas ravinas de suas histórias, persistia porém, vibrando teimosa, a mentira deslavada de Gervásio. Descarado, infantil até, não tivera habilidade e tempo para elaborar suas explicações. E o enredo capenga ficou paraplégico.

O raciocínio privilegiado de Neomásia cotejava como ninguém, fatos, fotos e falas. Memorizava fotos indelevelmente e sabia compará-las com fatos, desvendando as falas em sua crueldade plena.

Aquela mentira, obviamente, não resistiu à primeira e superficial análise. Gervásio ainda tentou se esquivar, com mais fatos e menos lógica, menos planejamento e mais fotos, mais falas e menos verdades. Neomásia explodiu em choro, descobrindo os inusitados labirintos do caráter de seu amado. Era exatamente neste ponto que morava o sofrimento.

Gervásio, imprudente, desnudou sem cuidados sua arquitetura pessoal em elaboração. Uma arquitetura dúbia, involuntária, feita de complexos sedimentados, revolta planejada, sonhos estapafúrdios, vinganças salvadoras, raivas desconhecidas, inimigos imaginários. Tudo fora se construindo ao longo de uma infância de ciúmes, uma adolescência mal servida, e maturidade tardia.

Seus duvidosos complexos foram supridos com folga por uma Neomásia atenta, amorosa, produtora imaginativa de incentivos e pronta para suavizar os vales profundos daquela alma agitada, incompleta, faminta, ansiosa para mostrar os mínimos espasmos de realizações, escancarados como vitórias universais.

E agora, depois de tanto esforço, Neomásia constatara o esbulho da verdade, pilar impoluto daquela relação de frágeis cristais. Aí residia a dúvida. Aí se buscava o perdão como saneador definitivo de um equilíbrio imaginário.

Separados, Neomásia queria perdoar e apagar o sofrimento. Gervásio via no pedido de perdão a moeda de troca para voltar a ter Neomásia para continuar a construção de seu arcabouço anímico. Mas nem ele sabia exatamente porque Neomásia era sua mentora.

No meio deste jogo infeliz, o perdão se debatia entre pólos alheios à sua natureza. Dançavam pelo éter os verdadeiros: arrependimento sincero de um lado e de outro, desejo profundo da reconstrução. Mas ali eles não estavam. No lugar do arrependimento, havia em Gervásio o reconhecimento espertalhão da recompra dos carinhos de Neomásia. No lugar do desejo profundo de reconstrução, havia em Neomásia o desejo preguiçoso de recompor sua biografia de vidro frágil. O perdão virou a moeda e ficou encurralado à espera do angustiante desfecho.

Nas madrugadas mal dormidas de Neomásia, fractais dançavam em fantasias, apontando para as rachaduras insofismáveis do perdão hipócrita.

Neomásia, cotejando fotos, fatos e falas, jogou as cobertas para o alto, livrando-se dos calores hormonais. No banho frio da manhã, lavou-se definitivamente de Gervásio.

Sobre o Autor

Airo Zamoner: Airo Zamoner nasceu em Joaçaba, Santa Catarina, criou-se no Paraná e vive em Curitiba. É atualmente cronista do jornal O ESTADO DO PARANÁ e outros periódicos nacionais. Suas crônicas são densas de conteúdo sócio-político, de crítica instigante e bem humorada. Divide sua atividade literária entre o romance juvenil, o conto e a crônica, tendo conquistado inúmeros prêmios e honrosas citações.

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