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A força do homem comum no escritor Carlos Herculano
por Chico Lopes
*
publicado em 21/08/2004.
Não o conheço pessoalmente, mas o vejo em fotografias aqui e ali, quando lança seus livros e estes são comentados na imprensa especializada. O que vejo é um homem miúdo, de uma fragilidade física meio enganadora, pois que o rosto é bastante determinado, intenso. De algum modo, ele me parece simbolizar o mineiro no que há de melhor, com doçuras de alma temperadas por muito ferro, muito realismo, muita lucidez. O homem daquelas fotografias dá uma impressão de força e confiabilidade.
Como ele se vê? Em entrevista concedida a Suênio Campos de Lucena no livro "21 escritores brasileiros - Uma viagem entre mitos e motes" (Escrituras, SP, 2001), Suênio lhe pergunta: "Não vê o artista, especialmente o escritor, como alguém incomum?", e ele responde: "Não, absolutamente. Sou totalmente comum. Trabalho demais, vou à minha cidade duas vezes por mês. Vivo em dois universos: o urbano, na redação do jornal, e o da Minas mais arcaica, mais atrasada, que é a do Vale do Rio Doce e do Jequitinhonha, onde os valores ainda são do século XIX. Convivo com essas duas Minas. Estou fazendo uma matéria em São Paulo, Rio, e depois vou à minha terra ver castrar um boi, curar uma bicheira".
Mineiro de Coluna, onde nasceu em 1956, Herculano tem uma carreira curiosa, pois seu "Dança dos cabelos" já de cara deu-lhe um prêmio importante, o Guimarães Rosa, e chegou à nona edição. Venceu a Bienal Nestlé de Literatura, em 1990, com "Sombras de julho". Tão fundamente mineiro, ele não é um regionalista. Em "Sombras de julho", borbulha exatamente esse mineirismo arcaico a que ele se refere - história de uma peleja entre fazendeiros em que a morte violenta irrompe por questões de antipatias atávicas, divisões de terras. Fica ali bem claro que a beleza, a amizade, a juventude, nada, nada escapa às vastas sombras de primitivismo e truculência desses homens. Fica claro também que Herculano aspira a uma universalidade, e a consegue.
Ele tinha que, cedo ou tarde, pagar tributo a Drummond, que tão bem entendeu esse mundo mineiro primitivo. E o faz com "O Vestido", em que adaptou o famosíssimo "Caso do vestido", poema de Drummond que tanto sugere sobre esse mundo de silêncio em torno da mulher, das famílias, das aventuras extraconjugais, no patriarcalismo mineiro. Lançou este livro, argumento para o filme homônimo de Paulo Thiago, que não vi. Mas é uma bela edição da Geração Editorial de SP, é outra vez a densidade atávica em ação, e Herculano move-se em terreno bem familiar, bem seu, dentro dele.
Move-se em outra direção, nas crônicas de "Entre BH e Texas" (editora Record, 2004) - a do homem urbano de Belo Horizonte (mas nem é preciso lembrar o que vai de roça no elevador, parafraseando Drummond), que se encanta com os pardais no dia da vitória do Penta, que radiografa o que vai pelas ruas, sem perder aquela lucidez lírica e meio desencantada que é a marca do gênero. Mas eu o prefiro com menos amenidade.
A Suênio, Herculano disse, definindo o escritor: "Uma pessoa que tem humildade para observar, conversar com as pessoas, saber que cada ser humano é diferente, tem uma história. O porteiro, o vaqueiro, a cozinheira, o ascensorista, o médico..."
Isso o define. Ele é comum sim, mas com a boa carga de singularidade e estranheza que todo comum carrega.
Sobre o Autor
Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.Mais Chico Lopes, clique aqui
Francisco Carlos Lopes
Rua Guido Borim Filho, 450
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