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Que saudades da francesinha!

por T.M. Castro *
publicado em 24/10/2007.

Que a volta seja a melhor parte da viagem é dito que se torna dia a dia mais verdade. Os dias de ausência são sempre permeados por lembranças bem peculiares a cada qual: aquele disco do Sinatra a acompanhar um uísque à tardinha, o jornal da terra sobre a santa mesinha, vera credência a apoiar hieráticos costumes cujas origens se perdem na poeira dos palácios persas, gregos, egípcios, romanos e se alojam em nossos costumes modernos e ocidentais; e o bafo do Lulu aos pés e até mesmo aquela baratinha francesa sempre a desfilar sobre o aparador da cozinha. Poupe-se a bichinha até minha volta.

Essa nostalgia pelo lar doméstico decorre dos percalços, a cada dia mais insólitos, mais desconfortáveis, mais inexplicáveis, que acometem os viajantes.

Já começa pelo próprio meio de transporte. Se reinavam os sóbrios vapores há um tempo, prática que teve seu auge no incauto Titanic, hoje conspurcam-se os horizontes com supermercados voadores, quinhentos passageiros comprimidos em cadeiras mínimas e espaços que, se constantes, levam a inevitáveis tromboses. Pelo ângulo do transporte, viajar é lastimável hoje.

Bem, o mundo acresceu em número de habitantes e daí, democratizou-se a viagem. É justo. Mas é lastimável. Não me falem em primeira classe... Falo em viajar, não visualizo o empobrecer, o desfalque aos bolsos, a dilapidação do patrimônio. De mais a mais, as primeiras e executivas já são bem raras hoje.

Finalmente, depois de dez horas de vôo, a ansiada Europa. Claro que a aviação italiana não sabia que você estava a caminho, senão teriam eles adiado aquela greve que o manteve horas na fila da imigração e dias a mais em Roma antes de você seguir para Atenas.

Eis que surge a Acrópole. O enlevo da primeira visão dá lugar ao susto que você toma ao ver seu táxi, com suas malas e já uma dezena de preciosas sacolinhas, ser invadido por pessoas não convidadas. É que Atenas tem uma mínima frota e o táxi passa pelo desagradável odor da socialização e haja perfume forte, brilhantina grega invencível, suores do calor em gente que você nunca viu. Psiu, calma, cada qual apeará onde mais conveniente no trajeto e você chegará são e salvo a seu hotel; tudo dará certo e a experiência o enriquecerá até materialmente, pois não há despender dinheiro com terapeutas para encontrar a causa do pavor que o invade sempre que, em sua cidade, você bota a cara na rua para qualquer atividade, como ir às compras ... Ali mesmo, de graça, você reconhecerá o costumeiro pânico e, mesmo sendo esclarecido sobre a boa-fé da invasão grega, investirá no pavor, crendo-se à outrance vítima de seqüestro-relâmpago. Eis a paranóia em sua mais clara etiologia . De repente, você se dá conta de que é do país do seqüestro, et pour cause... Daí para a cura é um passo, e de quebra dos gastos da viagem.

Bem, o incidente grego dará mais frutos. Você também economizará aquele dinheiro que reservara para um curso de extensão em ciências políticas, pois, aprenderá de súbito a diferença entre o socialismo do livro desse do táxi. É a mesma diferença que há entre a Bela e a Fera antes desta assumir a forma da humana pulcritude. No livro, é romântico, mas pense no que isso é na vida prática. Psiu, é péssimo.


Dali você toma do ensejo para conhecer uma cidade do leste Europeu. Que maravilha o mundo livre! Abriram-se os horizontes. Um decaído táxi, só para você, o conduz a um hotel médio... É que há uma convenção do Lions, a primeira após Muro ao chão, e a cidade está tomada. Ora, que sintomático o apartamento que lhe dão! Tudo com muita assepsia e simplicidade e rusticidade espartana, mas, entende-se, faz pouco que tiraram o Muro do lugar. Aí, você corre para a única janela existente naquele aposento, descerra-lhe as travas, abre-a e eis que se lhe depara o muro. Mudaram-no de lugar, apenas. O quarto não tem visão exterior, mas, ao contrário, dá para um fosso que vai do telhado ao alicerce e você, “empedernido comunista”, goza do privilégio de ter seu próprio muro, inexpugnável, protegido da sanha da desordeira ralé. Que saudades da barata francesinha!

Isle de France lá lá lá, La mer lalalá, Padan, Padan, Padan... E você percorre todo o Charles de Gaull cantarolando mentalmente as mais românticas canções do mundo.

-Sinto muito, monsieur, mas a cidade está lotada; o festival da haute couture... Monsieur não devia ter vindo a Paris sem reservas, mas, vejamos este... ulalalá. Sorte sua. ( Claro que tudo em francês, pois em França jamais teve um mestre de qualquer idioma que não o nativo ) Você gagueja seu merci e vai se encontrar, daí a horas, em uma espelunca no ulalalá de Paris, onde o banheiro coletivo, só pra aquilo e aquilíssimo, e não pra banho, é localizadíssimo sob o vão da escada. Há, ulule, pias e vãos para a higiene pessoal em seu quarto, sem janelas sequer para muros. Mas, nous aimons Paris, urge não esquecer. Onde está minha barata francesinha?

No fim de semana, já com um Renault alugadinho, estalando, você apanha sua filha que estuda na Cidade Luz e parte para as estradas. Que trânsito intenso nas rodovias! Sua filha quer se aventurar em tudo, a idade, você sabe melhor, contudo... Não, você é quase proibido de providenciar uma reserva em cidade próxima, embora anoiteça, pois viajar é aventurar-se, diz ela.Você vence e recorre a um aprazível centro comercial à margem da estrada. Você se encanta com a perspectiva de pousar em Avignon, a cidade dos papas. E...

- Monsieur, c´est le 14 Juilet. Rien, rien, rien... Ulalá, encontrei o ultimo, le derniére, rápido seu cartão de crédito. Merci, aí sua reserva, mas não faça mais isso, que l´horreur. Les pères, toujours... sens responsabilité. Entre cabisbaixo e aliviado, até agradecido, você se retira, esculhambado.

Em Avignon você se informa. Claro que antes se deliciara com o maravilhoso vinho local e alguns queijinhos. Ainda é sol, embora próximo das vinte horas. Escurece. Eis a insólita notícia: o hotel é nos arredores do que escurece. Corramos.

Ao chegar no anel viário, após exaustivos esforços de adivinhação, você encontra seu pouso em Avignon. Estaciona. Estranho, no alpendre da entrada não há qualquer movimento... cruzes, filha, não há ninguém, a mulher da reserva nos tomou o dinheiro! As portas estão fechadas. Que faremos, onde... duas camas? Aqui, nem fantasmas.(A cena inclui leve tonteira e empalidecimento )

De fato, apavorei-me. Aquilo que seria o alpendre de entrada, hodiernamente apelidado de rol, era uma máquina, tipo caixa eletrônica. Minha filha, que a mim cabia zelar, cuidar e prover de tudo, tomou do cartão de crédito, introduziu-o na máquina e se muniu de uma papeleta que saltou, onde se lia Votre code : XHY43kLJU, ou outro disparate semelhante.

De posse dos dados, dirigimo-nos, ela, mui senhora de si, eu, tonto e perdido, a um aglomerado de mais ou menos cem cabinas, todas erguidas aparentemente em alvenaria. Ao digitar nosso código em dispositivo eletrônico à porta da que nos fora destinada, abriu-se nos uma cabina de avião, tudo naquele material que lhe é próprio, com banheiro de avião, com aspecto de avião, com cheiro de avião e um beliche formado por duas camas de casal, àquela altura benditas e confortáveis, eis que esperava poltronas meramente reclináveis.

Dia seguinte, vi que me encontrava em um campo absolutamente deserto, dizimado, sem nenhuma árvore ao redor, mas lotado de centenas de pequenos cubículos, dispostos lado a lado e em blocos de quatro superpostos e cinco laterais.

A falta daquela tradicional figura das pousadas européias, o dono ou a dona, sempre de meia-idade e bem compostos, dava ao artificialismo do lugar uma frieza sideral. Não havia um porteiro, um mensageiro, um camareiro. Um refrigerante, um café, sim, mil máquinas ao redor. Impossível crer-se no interior da França. Desertos e crateras compunham a paisagem, outrora certamente arborizada e enaltecida pela natureza com árvores ou neves, a depender da época. Não havia dúvidas, hospedara-me na lua. Agora já soluçava de saudades da francesinha, que veria dai a uns dias, pois findara meu martírio, digo, minha venturosa viagem.

Sobre o Autor

T.M. Castro: Temístocles Mendonça de Castro – é formado em Direito, lecionou em Faculdades, foi Promotor do Júri, Procurador de Justiça, Procurador do Cidadão, e hoje está aposentado. Vive entre Alexânia, GO, e Brasília, DF. Um texto seu já foi publicado no site messageinabotou, de Brasília.

Contato com o autor por email: temisbsb@terra.com.br

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