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A bacia de Brandônio

por Airo Zamoner *
publicado em 24/06/2004.

Quando eu o encontrei pela primeira vez, tinha recém mudado para o bairro. Casa simples na beira da rua. A escada com dois degraus avançava pela calçada. Claro que era clandestina. Nenhum código de posturas municipais permitiria tal disparate. O fato é que a escada estava lá há muitos anos.

Era domingo e Brandônio estava sentado naquela escada desviada por todos os transeuntes. Colocou uma bacia cheia de água em sua frente. Sacudia os cadernos do jornal, um a um, sobre a bacia e muitas letras, fotos e desenhos iam caindo e dissolvendo-se na água. A água já estava escura e o jornal quase branco. Quando nada mais caía, ele pegava outro caderno e repetia a operação.

Os transeuntes, mais preocupados com o transtorno da escada no meio do caminho, que com o estranho ritual de Brandônio, murmuravam impropérios merecidos. Ele, mais preocupado com sua estapafúrdia tarefa, nem ouvia os descontentes.

Esbocei um gesto de atravessar a rua. Queria ver de perto. Queria saber porque e principalmente com que poder esse meu novo vizinho conseguia fazer aquilo. Não deu tempo. Terminou de sacudir o último caderno e arrumou-os dobrando-os impecavelmente alinhados. De longe, dava para ver a quantidade de espaços brancos que sobraram. Também se via que muita coisa escrita sobrou. O jornal ficou esquisito, mal acabado, limpo. Dobrou-o mais uma vez e o jogou para dentro da casa. Levantou-se, pegou calmamente a bacia com as duas mãos. Foi até a sarjeta e despejou aquele caldo grosso que escorreu poucos centímetros até desaparecer esgoto adentro.

Passaram-se alguns dias sem que eu pudesse ver Brandônio novamente. A casa da frente sempre fechada até parecia não ter mais ninguém.

Domingo seguinte. Chuva forte desde manhã cedo. Espiei a rua deserta e encharcada e quase desmaio. Lá do outro lado estava o Brandônio. Bacia à sua frente, sacudindo o jornal. A água transbordava alimentada pela chuva. O jornal se desmanchava e as letras caiam do mesmo modo que havia visto na primeira vez. Na calçada, frisos de água preta se misturavam com água cristalina. Foi então que Brandônio olhou para frente e bateu seus olhos na minha vidraça. Acenou-me sorrindo e eu retribuí sem graça.

Corri até a porta disposto a atravessar essa maldita rua e esclarecer aquele comportamento e a aparente magia. Quando abri minha porta, Brandônio já havia se recolhido, provavelmente estaria sentado à beira do fogão, lendo seu jornal, ou o que sobrara dele.

Fechei-me no quarto. Levei o meu jornal e uma bacia de água. Sacudi até doer os braços e nenhuma desgraçada letra conseguia cair...

Você deve estar imaginando como eu sabia o nome dele, não? Olha como foi. No dia seguinte dois pedreiros desmanchavam a escada do Brandônio. Claro! Era uma obrigação. Feria as normas municipais. Atravessei a rua e perguntei aos pedreiros se o morador é que tinha encomendado o serviço.

– Morador?

– Sim, aquele senhor que veio morar aqui por esses dias.

– Olha aqui, moço! Quem morava aqui era “seu” Brandônio, mas isso foi há quase vinte anos. – ele nem interrompeu a tarefa - Desde lá que ninguém mais veio morar aqui. É prédio condenado pela Prefeitura.

Voltei para casa. Fui ler meu jornal. Inteiro. Com todas as letras. Depois da leitura, enlouqueci mais um pouco.

Sobre o Autor

Airo Zamoner: Airo Zamoner nasceu em Joaçaba, Santa Catarina, criou-se no Paraná e vive em Curitiba. É atualmente cronista do jornal O ESTADO DO PARANÁ e outros periódicos nacionais. Suas crônicas são densas de conteúdo sócio-político, de crítica instigante e bem humorada. Divide sua atividade literária entre o romance juvenil, o conto e a crônica, tendo conquistado inúmeros prêmios e honrosas citações.

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