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QUE É A VERDADE?

por Maria Cristina Castilho de Andrade *
publicado em 05/04/2004.

Quando Jesus diz a Pilatos que veio ao mundo para dar testemunho da verdade e que todo aquele que é da verdade escuta a Sua voz, Pilatos pergunta-Lhe: "Que é a verdade?" (Jo 18,38). "Quid est veritas?" Essa expressão é o título do comentário de Henrique Chagas, responsável pelo site Verdes Trigos Cultural, a respeito do filme "Paixão de Cristo" de Mel Gibson. Afirma que o cinema é uma arte, não é a verdade, mas que, como dizia Pablo Picasso, o cinema não deixa de ser um caminho para se chegar à verdade. Conclui Chagas que Pilatos perguntou diretamente a Jesus. Viu, sentiu, esteve à sua frente, foi alertado por sua mulher, mas preferiu a conveniência e descartou a Verdade. Lavou as mãos e permitiu um falso julgamento.

Sem abordar os efeitos do filme e a interpretação dos atores, que julgo belíssimos, considero a "Paixão de Cristo" de Gibson como um alerta, num tempo em que abdicamos de valores que realmente dão sentido à trajetória humana. A dor imensa de Jesus Cristo foi por uma única razão: Amor. É a oposição entre a luz e as trevas. O demônio, uma figura andrógena, em um determinado momento, passa com seu filho ao colo, como se ele tratasse melhor o seu filho do que Deus. No olhar do demônio, não há comunhão. É um olhar que incomoda e, alicerçado em mentiras, destrói. De olhos inchados por apanhar tanto, o olhar do Cristo estende-se com o sangue até as pessoas, acolhe-as, perdoa, marca o véu da mulher que lhe enxuga o rosto e ressuscita. É o olhar da Verdade.

O profeta Isaías, séculos antes de Jesus Cristo, anunciou que o Messias não seria alguém que tira a vida, mas alguém que dá sua própria vida. Seria surrado, insultado, esbofeteado, cuspiriam em seu rosto, mas Ele não reagiria por confiar no Pai. "... Não tinha beleza nem esplendor que pudesse atrair o olhar, nem formosura capaz de nos deleitar". (Isaías 53, 1-12). É Aquele que, pleno de dores, volta-se para Pedro, que instantes antes O renegara, em sinal do perdão que lhe concede. E como afirma o Diácono Pedro Fávaro Júnior, em artigo sobre o assunto, publicado no Jornal "O Verbo" da Diocese de Jundiaí, "Gibson parece ter querido fazer metáfora entre a quantidade de sangue derramado e a profusão do perdão". Retrata, fielmente, a vida de Cristo.

Que dificuldade imensa a Verdade, para nós que caminhamos onde, em nome do culto ao prazer, aborta-se a palavra renúncia; para nós que caminhamos onde os que incomodam continuam, de alguma forma, a ser mortos; para nós, que não abrimos mão de nossas comodidades, maiores e menores.

O olhar de dor de Maria impressiona, contudo sem condenar, odiar ou desejar vingança. Impressiona também a expressão de Dimas, um dos ladrões crucificado ao lado de Jesus. Ao ouvi-Lo gritar "Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem", teve um impacto, reconheceu o verdadeiro Mestre e pediu que Se lembrasse dele, quando estivesse em Seu Reino. A única experiência que converte é a do amor.

Creio no rosto do Deus que Jesus apresentou e que tão bem Mel Gibson conseguiu retratar: Deus Mãe e Pai, que liberta o ser humano dos medos e ama com a mesma ternura, os bons e os maus, os incluídos e excluídos; alimenta os pássaros e dá pétalas aos lírios do campo. Deus que não enviou Seu Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o mundo fosse salvo por Ele.

Que tenhamos a coragem de reconhecer que se o Cristo tivesse descido da cruz, não teria dado a vida por você e por mim. Seria um vencedor aos olhos de homens e mulheres, mas um derrotado diante do Pai. E cheguemos, assim, à festa da Páscoa, como ressuscitados.

(Artigo publicado na última quinta-feira no Jornal da Cidade de Jundiaí)

Sobre o Autor

Maria Cristina Castilho de Andrade: Cristina Castilho é professora de Português e agente das Pastorais da Mulher e a Carcerária. No trabalho com mulheres prostituídas e presidiários, circulou e circula pelo submundo, conhecendo sua realidade. Seu livro de crônicas conta a história das pessoas com quem se deparou no submundo do mundo. Escreve semanalmente no Jornal da Cidade de Jundiaí; mensalmente no Suplemento Estilo do Jornal de Jundiaí - Regional e, quinzenalmente, no Jornal de Abrantes - Portugal.

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