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Deixe de ser tão comportado!
por Airo Zamoner
*
publicado em 08/01/2004.
– Desculpe, senhor!
– Não se desculpe. Ao contrário, agradeço!
– Não entendi! Como, agradece?
– Você não é capaz de imaginar quantas vezes quis fazer isso! Só que hoje, se tentasse, ficaria dividido em pelo menos duas metades... Você o fez por mim... Obrigado!
– De qualquer modo, desculpe por tê-lo assustado!
– Não me perturbo mais assim tão fácil! Posso perguntar o porquê de tanta alegria?
– Eu tenho muitos motivos. Quando levantei hoje pela manhã, apalpei meu corpo e me senti vivo. A vida por si só, me alegra! Nem bem abri os olhos, ganhei um beijo de minha mulher! Daí, imaginei quantas pessoas estavam acordando sozinhas naquele momento. Depois do beijo começamos a rir e a rir quase sem parar...
– Engraçado! Rir? E qual era o motivo?
– Ontem fomos dormir muito tarde, discutindo nossas infindáveis contas a pagar. Enchemos o cesto de papéis amassados, gastamos a tinta de duas canetas, e fomos dormir sem saber como vamos enfrentar as dívidas...
– Mas vocês acordaram rindo...
– Exatamente! Acordamos e vimos que existe tanta coisa boa em nossas vidas... Percebemos em nosso beijo matinal que nossa preocupação de ontem era muito insignificante diante de coisas tão maiores...
– Que coisas?
– A vida, o Sol, a chuva, a companhia, o amor... Eu posso pular por cima desse banco... Isso não é maravilhoso?
– Você tem razão. Eu não posso!
– São tantas as coisas incríveis que me cercam. Não me sinto no direito de ser infeliz...
Ele deu um outro salto, saindo do banco e dessa vez quase o derruba. Acompanhei sua saída, por um instante. Parecia um menino ingenuamente feliz, mas não era. Não era ingênuo. Conhecia bem as mazelas que o preocupavam. Lembrei-me que há tempos não tenho mais um sonho que se repetia sempre. E era bom! Acho que vocês já tiveram um igual, ao menos uma vez. A gente está caminhando pela cidade, sendo perseguido por bandidos armados, por ameaças insondáveis, doenças, morte... De repente, damos um salto, o corpo fica leve e alça vôo. Sobe muito alto e lá de cima, tudo se torna diferente. O mundo fica enorme, azul. Nosso vôo é leve e saudado pelas carícias das nuvens. As briguinhas e dissabores pessoais, os pequenos e grandes problemas, tomam uma dimensão ridícula. Nossos perseguidores abobalhados, ficam colados ao chão. Apenas nos olham, impotentes com suas potentes e inúteis armas. E nosso vôo é cada vez mais alto...
Examino meu corpo, apalpando-me. Levanto-me lépido como há muito tempo não fazia. Lembro-me do beijo que ganhei hoje cedo de minha mulher. Dou a volta em meu banco. Um clarão seguido de violenta trovoada ecoa lá em cima e não me assusta. A chuva despenca safada, ensopando-me inteiro. Pessoas em volta correm e xingam. Olho pra cima e deixo a água massagear minha vida. Afasto-me do banco mais um pouco. Dou uma corrida tímida e depois acelero. Apoio minha mão direita no topo do encosto e jogo as duas pernas por cima, caindo sentado direitinho como se tivesse usado o comportado modo tradicional de sentar.
Sobre o Autor
Airo Zamoner: Airo Zamoner nasceu em Joaçaba, Santa Catarina, criou-se no Paraná e vive em Curitiba. É atualmente cronista do jornal O ESTADO DO PARANÁ e outros periódicos nacionais. Suas crônicas são densas de conteúdo sócio-político, de crítica instigante e bem humorada. Divide sua atividade literária entre o romance juvenil, o conto e a crônica, tendo conquistado inúmeros prêmios e honrosas citações.< ÚLTIMA PUBLICAÇÃO | TODAS | PRÓXIMA>
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