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Deixe de ser tão comportado!

por Airo Zamoner *
publicado em 08/01/2004.

Raramente me assusto com movimentos bruscos, inesperados. Nem com trovoadas repentinas, gritos, safanões desculpáveis, empurrões indesculpáveis. Raramente me assusto! Mesmo quando estou aqui na beira da praia, descansando minhas lembranças neste banco, paciente amigo a me esperar todos os dias. Por isso não tremi quando ele chegou por trás, apoiou a mão direita no topo do encosto de meu banco e jogou as duas pernas por cima, caindo sentado direitinho como se tivesse usado o comportado modo tradicional de sentar. A estrutura sacudiu forte, fazendo trabalhar os parafusos que a prendiam ao chão. Um dia, afinal, esses velhos parafusos teriam que justificar suas vidas, antes que chegasse a morte por ferrugem. O banco, um tanto malandro, fingiu virar, derrubando-nos ao chão. Mas nada de grave aconteceu. Aquele pulo, quase acrobático era coisa típica de jovens energéticos. Mas ele nem era assim tão jovem. Era maduro, transbordando a alma pelos poros.

– Desculpe, senhor!

– Não se desculpe. Ao contrário, agradeço!

– Não entendi! Como, agradece?

– Você não é capaz de imaginar quantas vezes quis fazer isso! Só que hoje, se tentasse, ficaria dividido em pelo menos duas metades... Você o fez por mim... Obrigado!

– De qualquer modo, desculpe por tê-lo assustado!

– Não me perturbo mais assim tão fácil! Posso perguntar o porquê de tanta alegria?

– Eu tenho muitos motivos. Quando levantei hoje pela manhã, apalpei meu corpo e me senti vivo. A vida por si só, me alegra! Nem bem abri os olhos, ganhei um beijo de minha mulher! Daí, imaginei quantas pessoas estavam acordando sozinhas naquele momento. Depois do beijo começamos a rir e a rir quase sem parar...

– Engraçado! Rir? E qual era o motivo?

– Ontem fomos dormir muito tarde, discutindo nossas infindáveis contas a pagar. Enchemos o cesto de papéis amassados, gastamos a tinta de duas canetas, e fomos dormir sem saber como vamos enfrentar as dívidas...

– Mas vocês acordaram rindo...

– Exatamente! Acordamos e vimos que existe tanta coisa boa em nossas vidas... Percebemos em nosso beijo matinal que nossa preocupação de ontem era muito insignificante diante de coisas tão maiores...

– Que coisas?

– A vida, o Sol, a chuva, a companhia, o amor... Eu posso pular por cima desse banco... Isso não é maravilhoso?

– Você tem razão. Eu não posso!

– São tantas as coisas incríveis que me cercam. Não me sinto no direito de ser infeliz...

Ele deu um outro salto, saindo do banco e dessa vez quase o derruba. Acompanhei sua saída, por um instante. Parecia um menino ingenuamente feliz, mas não era. Não era ingênuo. Conhecia bem as mazelas que o preocupavam. Lembrei-me que há tempos não tenho mais um sonho que se repetia sempre. E era bom! Acho que vocês já tiveram um igual, ao menos uma vez. A gente está caminhando pela cidade, sendo perseguido por bandidos armados, por ameaças insondáveis, doenças, morte... De repente, damos um salto, o corpo fica leve e alça vôo. Sobe muito alto e lá de cima, tudo se torna diferente. O mundo fica enorme, azul. Nosso vôo é leve e saudado pelas carícias das nuvens. As briguinhas e dissabores pessoais, os pequenos e grandes problemas, tomam uma dimensão ridícula. Nossos perseguidores abobalhados, ficam colados ao chão. Apenas nos olham, impotentes com suas potentes e inúteis armas. E nosso vôo é cada vez mais alto...

Examino meu corpo, apalpando-me. Levanto-me lépido como há muito tempo não fazia. Lembro-me do beijo que ganhei hoje cedo de minha mulher. Dou a volta em meu banco. Um clarão seguido de violenta trovoada ecoa lá em cima e não me assusta. A chuva despenca safada, ensopando-me inteiro. Pessoas em volta correm e xingam. Olho pra cima e deixo a água massagear minha vida. Afasto-me do banco mais um pouco. Dou uma corrida tímida e depois acelero. Apoio minha mão direita no topo do encosto e jogo as duas pernas por cima, caindo sentado direitinho como se tivesse usado o comportado modo tradicional de sentar.

Sobre o Autor

Airo Zamoner: Airo Zamoner nasceu em Joaçaba, Santa Catarina, criou-se no Paraná e vive em Curitiba. É atualmente cronista do jornal O ESTADO DO PARANÁ e outros periódicos nacionais. Suas crônicas são densas de conteúdo sócio-político, de crítica instigante e bem humorada. Divide sua atividade literária entre o romance juvenil, o conto e a crônica, tendo conquistado inúmeros prêmios e honrosas citações.

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