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A Porta

por Airo Zamoner *
publicado em 17/12/2003.

Armário de mau humor? É. Foi isso que aconteceu naquele dia: o armário estava de mau humor. Só podia ser isso! Dissera uma única palavra desde cedo. Não ligou muito, pois isso já acontecera antes. O balcão não! O balcão sorriu assim que ele entrou na sala. A cadeira, alegre, já o convidou para sentar-se. Sentou-se e contou animado para o balcão, todo o maravilhoso sonho que tivera. Um sonho que durara a noite toda. Ou seria o dia todo? No sonho, ele conversava com o amigo mais chegado. Morava ali do lado. Pobreza não faltava para nenhum dos dois. Jogavam dama de vez em quando. O amigo era bom cozinheiro. Fazia comida para os dois.

Dividiam as despesas e as desgraças. Curtiam a solidão a dois. Depois cada um voltava para sua casa. Hora de lembrar. Hora de esconder de si mesmo a lágrima salgada, correndo sempre pelo mesmo sulco. Aprofundando. Perguntou para o balcão se ele sabia o que acontecera com o armário que estava tão mal-humorado. Nem ouviu a resposta. Sentiu fome e foi correndo lá para a porta da frente. Uma porta que estava fechada por muitos anos.

Tinha uma fresta embaixo. Não era uma fresta comum dessas muito estreitas que toda porta tem. Era uma fresta grande, como se a porta fosse mais curta. Sempre ficava sentado em frente à porta, com os olhos fixos na enorme fresta. Era como se esperasse a comida ficar pronta no forno. Esfregava as mãos de contente quando a panela aparecia na fresta. Nunca mais precisou saber quem fazia aquilo. Ele sabia. Era a porta que o alimentava todos os dias. Desde que fez amizade com a porta, o armário, o balcão e os outros que moravam na casa, nunca mais viu o amigo. Nem lembra da tristeza que sentiu. Tinha os novos amigos.

Pela fresta, pegava a panela de alumínio meio aberta. Era daquelas panelas feitas com um alumínio fino e mole. Quando segurava com uma só mão, ela se desmanchava com o peso. Derrubava um pouco de molho no chão que pingava sobre tantos outros líquidos caídos em tantos outros dias. Líquidos e molhos endurecidos e fétidos, misturados pelo acaso, sem capricho algum.

Agradeceu à porta. Voltou para a sala. Foi participar da roda de conversa com o balcão, a cadeira, o armário que já havia melhorado de humor. Muitas vezes teve que pedir para as janelas pararem as algazarras. Daquele jeito não podia conversar.

Dia desses, sentado à frente da porta esperou, esperou, esperou... Foi dormir triste e faminto. Aguardou o dia seguinte e o outro e o outro. Não sabia quantos dias haviam se passado. Estava furioso com a porta. Batia nela com as poucas forças que restavam. Ela não respondia e apanhava, apanhava, apanhava...

Havia um cheiro insuportável na vizinhança. Vizinhos e polícia arrombaram a porta. Foi fácil, ela caiu ao primeiro empurrão. Entraram polícia e vizinhos. Olhavam e tapavam os narizes. Retiraram o corpo envolto em manta plástica e o colocaram junto com o outro que saiu da casa ao lado. Havia morrido também há alguns dias. Só agora descobriram. Foi o cheiro. Arrombaram a porta dele também. As casas ficaram vazias. Quietas pra sempre.

Sobre o Autor

Airo Zamoner: Airo Zamoner nasceu em Joaçaba, Santa Catarina, criou-se no Paraná e vive em Curitiba. É atualmente cronista do jornal O ESTADO DO PARANÁ e outros periódicos nacionais. Suas crônicas são densas de conteúdo sócio-político, de crítica instigante e bem humorada. Divide sua atividade literária entre o romance juvenil, o conto e a crônica, tendo conquistado inúmeros prêmios e honrosas citações.

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