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A "droga" da literatura

por Noga Lubicz Sklar *
publicado em 17/01/2009.

Não sei o que me acontece que essa minha vida de escritora é tão sem graça, juro, gente (pelo menos como arquiteta bissexta vejo a casa se levantar do nada, é bem mais excitante e bem menos frustrante, confesso). Tudo que eu faço é escrever todo santo dia e, nas poucas horas vagas, ler alguma coisa pra relaxar, nada de dançar ao luar, viajar a Madri ou Istambul, ter crise de nervos, me revoltar contra o calor ou me esticar numa chaise-longue com um daiquiri ao alcance da mão, como a maioria dos meus charmosos amigos de ofício confessa no facebook. Bem. Tudo bem. Estive em Waikiki em novembro, no dia da vitória de Obama, não foi?, imaginem, com meu lindo enteado David ao lado (a foto ao lado, que vem do facebook, é só pra provar que o tal lindo enteado existe, e [não] é [história de] pescador), então... não posso reclamar, mas cá entre nós, a vida de escritor é ralar, ralar, ralar. Para. Peraí. Não era por aí.

O que eu ia dizer é que mesmo estando em virada, nunca deixo de ler o "Todoprosa" - ih, com aspas ou sem? ou seria itálico? hein? ops. peraí. é tudo por conta da ironia, ou da longa discussão sobre os aspectos graficamente representados da ironia, oscilando entre nomear claramente um livro, ou um "capítulo do livro", ah, pára (com "acento" ou sem?), deixa pra lá que esse papo técnico de revisão é um saco e, afinal de contas, ninguém liga mais pra isso, isto é, pras sutilezas gramáticas do português - enfim, depois de um lauto travessão, de volta ao melhor blog de literatura do Brasil, pois é, onde vou me informar pra depois arrotar pra vocês pérolas de minha profunda erudição literária. Qual o quê.

Pois ontem, antes de dormir - é, gente, eu já disse, minha vida não tem graça nenhuma, nada de boemia: durmo cedo e acordo cedo pra... trabalhar de novo, podem conferir o tédio no meu facebook - fui como sempre ao blog do Sérgio e encontrei este post sobre os autores mais lidos do ano passado, e, gente, não resisti: acabei confessando em público que já li Jodi Picoult, ai, vergonha, nem pra vocês eu nunca tinha contado, né? Pois é. A best-seller americana Jodi Picoult faz tipicamente uma "droga de literatura", isto é, nos três sentidos possíveis, pelo menos aqui e agora só me ocorrem três: é uma droga, isto é, uma mer#$%#da; é uma droga, isto é, você pega e não larga, por pior que esteja achando; é uma droga, te tira completamente de qualquer realidade, inclusive da realidade da boa literatura, e te joga sem resgate num mundo de fantasia e romance barato.

Taí. Não sei o que me acontece que eu leio tanto, mas cá entre nós, só sinto atração por porcarias. Ou, por outro lado, quem sabe é o mercado que só divulga... bem, hum... porcarias? Não sei. Só sei que tenho um óbvio mal gosto para escolher livros, com raras, raríssimas exceções que honrosamente divulgo aqui no blog como se as únicas fossem, claro. Por que eu contaria a vocês sobre as drogas que eu leio?

Agora mesmo. Por falta absoluta de opção na estante estou lendo o livro - digamos: "O Açucareiro", PPP (privacy-preserving pseudonym), essa é nova, inventei ontem - de uma conhecida que comprei há uns três anos, por ocasião do lançamento independente dela, ah, gente: lançamento independente é mesmo um perigo. E olhem que esta senhora não fez, como todos fazem, um livrinho descartável de menos de cem páginas que se desmancha ao acabar-se de ler, não, gente: optou por escrever um romance histórico em formato grande, trezentas e tantas páginas com dezenas de personagens conversando em itálico - na segunda pessoa do plural algumas vezes conjugada errada, acrediteis! - e uma alentada pesquisa de 500 anos sobre a perseguição da inquisição a judeus, e tem sido a pesquisa, pois é, razoavelmente bem feita e muito interessante, que me tem mantido presa ao livro, taí, mais uma "droga". Mas, gente, ontem, como quem não quer nada, no meio assim de um capítulo sem sem nenhum aviso, não é que Araci virou Iracema? E Uiciara virou Uiaraci? Uai, gente. E a matriarca animada aguarda para o jantar da família em Pernambuco um primo que naquele momento da trama... está na Holanda??!!?? Comecei a rir, disse pra mim mesma, chega! - e eis que, na página seguinte, a autora se redime despejando a erudição semântica de um "uxoricida", ih, essa nem com dicionário ao lado - mas, ah, gente, não levei muito tempo pra cair na real e entrar em pânico, eis aí explicado pra que serve um editor, bem, hum: pelo menos para o que servia, antes da gorda pilha de originais rejeitados atravancando o cargo, ou melhor, o office.

Só sei que depois desse banho de árida realidade literária, isto é, de lamentável exiguidade de qualidade literária, decidi acrescentar uma revisão extra ao meu livro, e, ops: bora parar de escrever bobagem que está na hora do expediente. Bom sábado de paz procês.

(nota de autor: passem batido por esse texto e perdoem os erros, por falta de tempo o joguei aí na tela de qualquer jeito só pra não perder o costume da crônica, ops, vício, ops, droga!, e não editei, e nem revisei, e nem reescrevi umas vinte vezes como costumo fazer, viu? mas o escrevi tendo ao lado um charmoso daiquiri, mentira: um copo d'água matinal de 500 ml, mais um tédio rotineiro de escritor)

Sobre o Autor

Noga Lubicz Sklar: Noga Lubicz Sklar é escritora. Graduou-se como arquiteta e foi designer de jóias, móveis e objetos; desde 2004 se dedica exclusivamente à literatura. Hierosgamos - Diário de uma Sedução, lançado na FLIP 2007 pela Giz Editorial, é seu segundo livro publicado e seu primeiro romance. Tem vários artigos publicados nas áreas de culinária e comportamento. Atualmente Noga se dedica à crônica do cotidiano escrevendo diariamente em seu blog.

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