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Aconteceu na Via-Sacra

por André Carlos Salzano Masini *
publicado em 29/10/2003.

Tudo começou na quinta feira santa. Eu assistia TV tranqüilamente, quando tocou a campainha.

Ao espiar pelo olho mágico, vi uns oito homens, todos brancos como a cal virgem e fortes como leões-de-chácara. Um deles aguardava bem diante da porta, com expressão compenetrada. Os outros lá atrás faziam enorme baderna, falando numa língua incompreensível; erguiam uns copos de metal, brindavam e despejavam o conteúdo nas goelas; depois gargalhavam e enchiam os copos novamente...

Eu - que não sou besta nem nada - fiquei bem quieto, fingindo que não estava, até o barulho acabar. Então respirei aliviado e voltei para a TV.

Quinze minutos depois a campainha voltou a tocar. Era a esposa de meu vizinho; estava desesperada, embolando as palavras. Com dificuldade entendi que os sujeitos tinham ido parar na casa dela... e estavam lá, brindando e gargalhando...

- Mas, como?! perguntei eu. Quem são eles, de onde saíram?!

- Sei lá! disse ela quase chorando. Acho que foi o chefe do Antônio, lá de Curitiba, que deu o endereço. Acho que são convidados da empresa... ou engenheiros... ou sei lá...

Ela pediu que eu fosse - junto com o marido dela - levar os oito até uma certa cidadezinha, onde supunha-se que alguém estivesse esperando por eles. Ela queria que eu servisse de intérprete.

- Intérprete?! protestei. Mas intérprete de quê, se eu não sei nem que língua eles falam?!

Mas não adiantou discutir. Ela caiu em prantos; e nenhum argumento racional a fez mudar de idéia. No fim, lá fui eu de intérprete.

Ao chegar à cidade, aconteceu o que eu mais temia: não havia ninguém lá esperando por eles. Rodamos por várias horas, e acabamos indo parar na sacristia da matriz, onde, por sorte, um bondoso e rechonchudo padre nos recebeu. Mas, por azar, ele inventou que os branquelos eram os convidados internacionais para a encenação da via-sacra; espécies tupiniquins de os oito reis magos da páscoa, ou algo assim.

Apesar de tudo isso, as coisas ainda não pareciam tão ruins; até que tentamos lhes explicar o que era via-sacra...

- Cristo, dizia o padre para mim.

- Cristo! berrava eu para o líder.

- Cruistuo?! perguntava o líder berrando ainda mais alto e arregalando os olhos; e depois balançava a cabeça negativamente.

Os outros sete continuavam falando entre si, alheios às explicações.

Mas o padre não desistiu. Pegou uma imagem de Cristo e a mostrou ao líder, dizendo:

- Cristo, nosso irmão, muito bom! Ele ama vocês todos!

O líder fez uma enorme careta de espanto e, colocando a mão no peito, perguntou:

- Amar, ieu?!?

- Sim! disse o padre abrindo um amplo sorriso. Ama! ama vocês todos!

- Amar, ieles?!? perguntou o líder, ainda mais incrédulo, apontando para os outros.

- Sim! disse o padre. Ama eles também!

- Vroswk! berrou o líder. Imgsb Cruistuo gjlma! disse ele apontando para a imagem.

Todos se calaram com expressões espantadíssimas.

- Cruistuo gjlma mian? Perguntou um deles colocando a mão no peito.

- Daah! Respondeu o líder.

Todos pareceram ficar profundamente comovidos, e por algum tempo contemplaram a imagem...

Pelo jeito, eles haviam entendido quem era Cristo, mas isso foi tudo que entenderam. Por longas horas eu e o padre continuamos tentando lhes explicar o que era encenação, teatro, representação, mas o líder apenas balançava a cabeça negativamente.

No dia seguinte, o grupo assistiu à via-sacra... Quando os soldados prenderam Jesus, eles começaram a ficar agitados. Quando Herodes fez suas maldades, eles levantaram e começaram a urrar. Mas quando Jesus começou a ser açoitado, aí eles partiram pra ignorância...

Coitado do ator com o açoite na mão! Ele não deve ter entendido nada quando viu surgir aqueles brutamontes distribuindo sopapos. Foi um Deus nos acuda, com soldado romano correndo pra tudo que é lado, Pilatos mergulhando num bueiro e Caifás se escondendo debaixo do palco.

Quando vi que um dos convidados internacionais tinha pego Judas e o arrastava gritando e esperneando para o calvário, onde pelo jeito iam crucificá-lo, eu fugi da cidade; e até hoje não sei como a coisa acabou.

Chegando a Cascavel encontrei alguns jovens católicos, da São Pedro, São Cristóvão e outras paróquias. Estavam tristes porque a chuva havia impedido as encenações da via-sacra e meses de árduo trabalho haviam sido perdidos...

Então lhes contei essa história, e a tristeza pareceu diminuir. Um deles olhou para o céu e sorriu...

Quantas vezes aquilo que lamentamos não é, sem que saibamos, uma dádiva da providência?

Sobre o Autor

André Carlos Salzano Masini: André C S Masini nasceu em São Paulo, em 1960. Aos 17 anos escreveu sua primeira história de ficção científica, "Os montes além do deserto", que existe até hoje em manuscrito. Cursou Geologia na USP, e formou-se em 1983.

Hoje tem dois livros publicados: a ficção científica "Humanos" e o livro de traduções e estudos “Pequena Coletânea de Poesias de Língua Inglesa”, além disso tem uma coluna semanal no Jornal "O Paraná", e é diretor de um centro cultural virtual, a www.casadacultura.org, que divulga seus trabalhos e tem milhares de assinantes em todo o Brasil.

contato: andre@casadacultura.org

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