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Eles lá e nós aqui
por Noga Lubicz Sklar
*
publicado em 26/11/2008.
Muito mais interessante do que catar os poucos cacos que ainda estão sobrando é prestar atenção na nova sociedade que ora está se formando, nos escombros acumulados da velha realidade falida - como numa incubadeira, segundo imagem ótima de Luiz Garcia no Globo, e a coisa, parece, virá melhor do que a encomenda, isso algum tempo depois, claro, de utilizado o fôlego necessário pra limpar todo aquele lixo tóxico de um tão recente quanto terrível passado (a gente nem faz uma boa idéia de quanto). Vou sonhando.
O curioso é que bem no princípio do boom da internet, enquanto internauta incipiente - Paulo Pires, em seu excelente blog, afirma que o termo é cafona, fazer o quê, a palavra "cafona" não deixa tampouco de ser... cafona - eu costumava encarar a rede como uma boa metáfora da "mente coletiva humana" (que manda no mundo). E me entendam bem que naquela época, como até hoje, aliás, eu procurava nesta idéia esquisita de "mente coletiva humana" um bom sucedâneo para o conceito de "Deus", os muito crentes que me perdoem pela ousadia da minha heresia, quer dizer então que a internet é o novo Deus? Bem. Hum. Não dá pra chegar a tanto - afinal de contas, a idéia de um Deus-pai onipresente para mim não procede de jeito nenhum, disso vocês já sabem -, mas cá entre nós, com a invenção da internet o projeto teórico de Jung sobre o inconsciente coletivo acabou aflorando para o consciente prático, não é mesmo?
Corta. Corta. Não era meu plano, nesta sexta enforcada, digressionar sobre o filosoficamente incerto destino da vã psicologia, de jeito nenhum, gente. O que eu queria mesmo era chamar a atenção para a nova intenção de inclusão total do cidadão comum na esfera política decisória através da internet - ufa, tá duro eu me livrar de tal temível prolixidade contagiosa nesta manhã ensolarada, o Deus da gramática que me proteja -, tal como vem sendo sinalizada pela equipe geradora da Nova Era Obama (ih! deu NEO, vocês perceberam? muito Matrix mesmo, vamos combinar: poderia ser Nova Economia, ou ainda Nova Ergonomia).
Li no jornal a respeito, mas na verdade eu já vinha sendo sondada por email, na qualidade de leitora registrada no site de Obama, para participar do novo governo democrata, isto é, desta nova forma democrática de governo. Exagero à parte, quase explodi de excitação: nem nos meus áureos tempos (ilud)idos de esotérica eu ousava imaginar que tão abrangente inclusão social pudesse ser possível, vamos combinar que de hoje em diante a expressão "governo do povo, pelo povo, para o povo" acaba de adquirir um significado completamente novo. Resta rezar pra que não se limite a um simples e inócuo discurso.
Infelizmente pra mim, com toda a esperança que esta nova liderança inspira, não chegou ainda a nossa vez: embora na internet cada um de nós seja a bem da verdade um cidadão do mundo, nossa sociedade brasileira ainda trabalha duro para oferecer às escolas acesso em banda larga, imaginem, um requisito básico para a educação conectada. E como se isso não bastasse, infecciona o ambiente universitário com uma política reducionista de cotas, me entendam bem. Eu sei muito bem que num país como o nosso, que ainda estrebucha na desigualdade, ações afirmativas são bastante úteis, até necessárias. Mas não concordo de jeito nenhum com essa idéia de liberar o acesso ao ensino superior, por intermédio de cotas impostas, pra quem não tem uma boa formação primária. É, gente. Melhor seria conceder aos mais pobres, que demonstrassem interesse e capacidade, um número ilimitado de bolsas de estudo - incluída aí uma boa ajuda de custo para uma sobrevivência decente e uma dedicação integral ao curso, isso, claro, desde o ensino mais básico. Aos demais, vale um pouco de esforço.
Afinal de contas (e até mesmo para nós, da vilipendiada e sempre odiada elite), pouco ou nada neste país se consegue sem uma boa batalha insistente, como o trabalho ingrato de cronista, por exemplo. Agora. Cá entre nós. Quem sabe esta inesperada ou pós-utópica sociedade global conectada nos facilite a vida, não é? É torcer e esperar. Pelo sim, pelo não, já vou correndo na frente. Eu blogo sim, gente.
Sobre o Autor
Noga Lubicz Sklar: Noga Lubicz Sklar é escritora. Graduou-se como arquiteta e foi designer de jóias, móveis e objetos; desde 2004 se dedica exclusivamente à literatura. Hierosgamos - Diário de uma Sedução, lançado na FLIP 2007 pela Giz Editorial, é seu segundo livro publicado e seu primeiro romance. Tem vários artigos publicados nas áreas de culinária e comportamento. Atualmente Noga se dedica à crônica do cotidiano escrevendo diariamente em seu blog.Para falar com Noga senda-lhe um e-mail ou add-lha no orkut.
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