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ANNE HATHAWAY: o enigma de Jane Austen em “AMOR E INOCÊNCIA”

por Chico Lopes *
publicado em 26/11/2008.

Se você sente que precisa fugir de tantos filmes violentos, repletos de perseguições, tiroteios e mortes horríveis, todos dentro dessa mania de sadismo impenitente que domina cinemas e locadoras e que faz com que o ser humano cada vez mais pareça um monstro cujo apetite de destruição vai para muito além do delírio, é bom saber que esses mesmos cinemas e locadoras ainda oferecem alternativas como filmes históricos e românticos ocasionalmente bem feitos.

Um dos últimos é "Amor e inocência" ("Becoming Jane"), estrelado por Anne Hathaway. Ela começou a fazer sucesso com "Diários da princesa", comédia romântica bem frívola, e ninguém diria que acabaria crescendo a ponto de contracenar muito bem, com Meryl Streep, em "O Diabo veste Prada", ganhando destaque (se bem que equivocado) numa comédia blockbuster como "Agente 86" e virando uma atriz de respeito. Na verdade, cresceu tanto que é possível que seja indicada ao Oscar de Melhor Atriz em 2009 pelo sucesso de crítica que está fazendo no filme "Rachel´s getting married", último de Jonathan Demme: um monte de gente importante achou-a o máximo. Em "Amor e inocência", faz Jane Austen aos 20 anos com muita dignidade e charme.

O filme é uma daquelas produções inglesas com ares de Merchant - Ivory, a dupla de produtores que se especializou em filmar coisas como "Uma janela para o amor", "Maurice", "Retorno a Howards End", adaptações de obras literárias de E.M Forster e outros situadas numa Inglaterra que, ao menos na tela, fica muito bem, a fotografia se deleitando com os matizes de interiores e exteriores altamente pictóricos e clássicos, o chique vitoriano encobrindo vidas reprimidas, mulheres românticas flertando com rapazes pedantes, a célebre e estereotipada divisão de classes que faz com que o esnobismo inglês pareça a coisa mais odiosa do mundo, mas sempre muito charmosa. Na verdade, esses filmes, ainda que representem uma Inglaterra em que ninguém de nossos tempos permissivos ficaria à vontade para viver, são bons como escapismo e fruição estética - dão a idéia de um mundo preciso, fechado e coerente de ritos sociais, aspirações burguesas, lares regidos por um esquema de patriarcalismo rígido, amores proibidos e excitantes, belas paisagens e figurinos etc. e fazem com que sintamos uma espécie de nostalgia da Ordem e da Repressão em nome de uma civilidade refinada (ainda que, por baixo de tanta contenção, todos padeçam e fiquem desesperados por uma vida mais instintiva e autêntica).

QUEM FOI JANE AUSTEN DE FATO?

Jane Austen (1775-1817) escreveu romances que viraram uma espécie de griffe cinematográfica de luxo e qualidade, nos últimos anos - "Razão e sensibilidade" e "Orgulho e preconceito" os mais conhecidos. Mas ninguém nunca soube direito como viveu e o que pensava, e "Amor e inocência", realizado por Julian Jarrold em 2007, se ocupa de sua vida de jovem.

Naturalmente, o filme é especulativo. O tipo por quem Jane se apaixona, o jovem advogado irlandês Tom Lefroy (James McAvoy), parece não ter sido senão um flerte na vida real de Jane, mas a produção inventa um romance prolongado e socialmente impossível entre ambos. A família de Jane não quer de modo algum que ela se interesse por um advogado sem fortuna, já que existe para ela um grande partido - o sobrinho de uma dama rica da região (Maggie Smith). Jane, no entanto, acha-o (com carradas de razão) um sujeito monótono, e, quanto ao casamento, quer se casar por amor ou ser uma mulher independente, uma escritora profissional, com todo o seu feminismo não mais que justo e lógico, dentro de uma sociedade tão sufocante como aquela (há gritinhos sufocados de escândalo quando ela decide jogar críquete com os rapazes). Hathaway é cativante e tem um personagem simpático e "politicamente correto" para nos cativar - de modo que tomamos o partido da personagem sem mais delongas.

Quanto ao advogado vivido por McAvoy, não será tão fácil simpatizar com ele, que entra no filme como um sujeito farrista, dado ao boxe, à bebida e às prostitutas, que só vai parar na belíssima e verdíssima Inglaterra do interior porque o tio, um juiz odiento de quem ele depende financeiramente, quer que ele se torne um sujeito mais sério - naturalmente, ele irá parar na terra natal de Jane. É o típico machão egocêntrico e convencido. E, de cara, os dois irão se desentender, quando Jane lê um trecho de um escrito seu numa reunião social e ele, além de bocejar durante a leitura, tece um comentário bem sardônico ao final. Dito e feito: os dois passarão a ser abertamente incompatíveis e a se digladiar com mesuras e frases de espírito carregadas de sarcasmo, ao gênero Spencer Tracy - Katharine Hepburn - indício mais que seguro de que vão se apaixonar um pelo outro.

A curiosidade é que McAvoy, bom ator escocês plenamente revelado no grandioso "Desejo e reparação", parece talhado para esse tipo de filme. Não é um galã tradicional - tem mais expressividade que beleza, mas consegue sugerir uma masculinidade romântica e um tipo com intensa e atormentada vida interior. Quando precisa sugerir que ama Jane só com olhares e uma mudez desesperada, dá um banho. Consegue boa química com Hathaway. O episódio da tentativa de fuga é muito bem feito e fica na memória.

O que há de satisfatório nesse tipo de produção é que, ainda que o leading actor seja americano, a qualidade da interpretação é sempre garantida com a participação daqueles atores ingleses que volta e meia revemos e que dão sempre um enorme prazer: a magnífica Maggie Smith (como a tia do bom partido), verdadeira estátua viva da arte de representar; Julie Walters como a mãe e James Cromwell como o pai de Jane. A fotografia também é deslumbrante, e, ainda que haja certa frouxidão na primeira parte do roteiro (não era preciso que personagens secundários tivessem o relevo que às vezes ganham), o filme nos conquista pelo romantismo e por especular bem com a vida de uma romancista que todos admiram e de cuja vida real ninguém sabe muita coisa (sua irmã, Cassandra, deu um fim em seus cadernos e diários). De modo que é preciso pensar que metade de tudo aquilo é fictício e embarcar na proposta. Fica valendo como um devaneio romântico. O romantismo todo da história, no entanto, é esfaqueado pelo realismo para lá de terra-a-terra da família de Jane (e, de resto, de toda uma sociedade bem acanhada) e este realismo terrível é resumido quando a mãe de Jane, irritada com sua aversão a um casamento por interesse, diz, aliás, com considerável sabedoria prosaica: "O amor é desejável... já o dinheiro, é indispensável..."

Mas, quanto ao ofício de escritora de Austen, o filme tem bons momentos, como quando ela visita a já profissional Ann Ward Radcliffe, que tinha feito um sucesso insólito com "Os mistérios de Udolfo", pioneiro do romantismo gótico. A graça é que, a despeito de ser autora de um livro cheio de horror e fantástico, é uma mulher tímida, convencional e um tanto assustada. Outro achado - numa cena em casa de Jane, a dama cujo sobrinho quer se casar com Jane, ao vê-la escrevendo, pergunta à mãe o que ela está fazendo, e, obtida a resposta, diz, com a maior e mais legítima das estupefações: "Can anything be done about it?" Com a cara da grande Maggie Smith, a cena dá o "zeitgeist" perfeito: de fato, naquele ambiente, uma escritora era a coisa mais bizarra possível. A pobre Jane não tinha saída.

Sobre o Autor

Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.

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Francisco Carlos Lopes
Rua Guido Borim Filho, 450
CEP 37706 062 - Poços de Caldas - MG

Email: franlopes54@terra.com.br

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