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Uma comédia para comover e a melancolia de um cineasta singular
por Chico Lopes
*
publicado em 12/07/2008.
Dá para rir de uma história em que dois homens doentes de câncer dividem um mesmo quarto de hospital entre vômitos, quimioterapia, crises? Pois os dois atores são tão grandiosos e absorventes, sutis e engraçados que os diálogos deles, mesmo sobre banalidades e absurdos, são o sal de tudo. Um é milionário e branco, outro é negro de classe média, dono de uma oficina mecânica. (Morgan e Jack estão envelhecidos, mas em Jack isso chega a ser chocante, e há uma cena em que ele se defronta com o espelho que é visceral demais e temos vontade de desviar os olhos).
A situação é absurda pelo fato de o milionário ser dono do hospital - por ironia, pregando austeridade nos gastos da entidade, ficou doente e caiu no quarto compartilhado, não podendo exigir quarto particular para não parecer incoerente. Rabugento no início, não gosta nada da idéia de dividir o quarto com o outro, mas as conversas de cama a cama vão aproximando-os. O dono da oficina mecânica tem cabeça para guardar preciosidades de "cultura inútil", parecendo um compêndio vivo de "curiosidades", mas é um personagem divertido e, como é interpretado por Morgan Freeman, ganha aquele peso e aquela dignidade que só um grande ator pode emprestar a essas falas. Ele tem certa "bucket list" (título original do filme, da gíria "to kick the bucket - ou "bater as botas"), em que anota as coisas que gostaria de fazer antes de morrer, que o outro apanha e acha interessante - tendo o dinheiro que tem, por que não tentar realizá-las? Sabendo que o prazo de vida que lhes resta é realmente curto, vão pô-las em prática juntos, contra a vontade da mulher de Freeman, que acha que Jack o está roubando dela. Mas eles estão fazendo um pacto para obter a pouca alegria que lhes resta.
O filme vai derrapando num clichê após outro, tem uma cena de mergulho dos dois de um avião que é irritante pela obviedade do efeito especial e várias outras que são ora engraçadas ora de amargar, pelos clichês (um safári africano ao som de "The lion sleeps tonight" e uma cena na França ao som do "Milord" de Piaf), cartões-postais (o Taj Mahal, as pirâmides do Egito). Parece fantasia de novo-rico, e, se você está doente e tem a sua lista para antes de "bater as botas", ter um amigo milionário também doente terminal é absolutamente necessário (é preciso que, diferente dos ricos reais, ele seja também generoso).
O filme chega a ofender pelo sentimentalismo exagerado. Incrível é que Morgan e Jack são tão bons que resistem a tudo isso. O grande talento dos dois torna a coisa, de algum modo, comovente, e dá para chorar por boas razões. Afinal, o assunto de que o filme trata é essencial. Mas aos mais realistas recomendo "Vênus", em que um veterano quase aos frangalhos físicos, o grande Peter O´Toole, faz um idoso (com câncer na próstata) apaixonado por uma jovem estúpida e vulgar na Londres dos dias atuais com enorme dignidade e sem as concessões demagógicas e populistas que o cinema americano faz por comercialismo irremediável.
O FRIO E A MELANCOLIA DE CRONENBERG - Duvido que de todos os grandes cineastas surgidos nos anos 80 haja algum mais triste e frio do que o canadense David Cronenberg. Acompanho a sua carreira (de altos e baixos, mas sempre com estilo definido) desde "Scanners", e seus filmes sempre me parecem a obra de um sujeito cético, entranhadamente cético, que vê o mundo com uma crueza e um desgosto físico de espécie tão peculiar que nenhum outro diretor se lhe assemelha.
Mas, acho que seu cinema atingiu uma espécie de depuração e grandeza que não se pode negar só a partir de "Gêmeos - Mórbida semelhança", em que Jeremy Irons tem um desempenho duplo espetacular numa história sobre a lacuna essencial dos seres e as tentativas patéticas de preenchê-la, de "consertar a vida". Depois disso, filmes como "Spider", "Marcas da violência" e agora "Senhores do crime" mostram-no tranqüilo no domínio da direção, já um mestre.
Em "Senhores do crime", de 2007, ele continua violento (a cena na barbearia, logo no início, é insuportável, e, quando julgamos estar livres dela, vem outra ainda mais terrível - a da garota prestes a dar à luz dentro da farmácia, pedindo socorro e caindo sobre seu próprio sangue no chão), mas continua filmando com aquela eficácia fria e fluente que faz com que seja impossível não acompanhar suas tramas.
Conta, com ótimos atores - Viggo Mortensen, Naomi Watts, Vincent Cassel e Armin Mueller-Stahl - a história de Nikolai, um membro da máfia russa em Londres. Ele se envolverá com Anna, enfermeira que salvou a filha de uma garota russa implicada em prostituição e drogas, subjugada pelos mafiosos. Nikolai é um monstro de eficácia homicida e está em ascensão dentro daquele submundo, amado pelo frenético e enlouquecido filho do chefe (Kirill, muito bem vivido por Vincent Cassel). Mas o jogo e as reviravoltas de ambições, bem como as identidades e os interesses secretos, terão um peso em tudo isso.
É ótima a interpretação de Mueller-Stahl para o "chefão" russo - com aqueles olhos espantosamente azuis, já tinha vivido papel semelhante em "Muito mais do que um crime", como o velho "bonzinho e doce" pai de Jessica Lange que é, na verdade, um carrasco nazista. Ele toca a máfia russa em Londres sob a fachada de um inocente restaurante russo em que até se ouve o quê? - ah, sim, a manjada "Olhos negros", cantada por um acordeonista e freqüentadores. Mueller-Stahl pode ser meigo e violento como ninguém, com aqueles olhos tão celestiais e tão ambíguos. E como a ambigüidade é o terreno em que Cronenberg melhor se move, o filme é muito forte.
Há cenas impressionantes, mas só se fala daquela em que, totalmente nu, na sauna, Nikolai tem que lutar contra as facas de dois russos que querem matá-lo com uma crueldade muito "asiática". Mas também impressiona a declaração de amor (indireta e machista) de Kirill a Nikolai, exigindo autoritária e desesperadamente que, num bordel, o outro possua uma das mulheres para que ele possa ver. Há na história do Cinema poucas demonstrações tão veementes de homossexualidade enrustida quanto essa. Sente-se que ele queria angustiosamente estar no lugar da mulher possuída por Nikolai. E, no final do filme, um pouco de compaixão livra o espectador de achar que Cronenberg é o cineasta mais frio do planeta. Melancólico ele é, sem dúvida alguma. E usa em seus filmes a música de Howard Shore, que se casa magnificamente bem com suas intenções estéticas.
Sobre o Autor
Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.Mais Chico Lopes, clique aqui
Francisco Carlos Lopes
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