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Hibridez e canção
por Eduardo Bettencourt Pinto
*
publicado em 11/11/2004.
A mesma questão dos géneros literários coloca-se, em certa medida, ao mais recente livro de Onésimo Teotónio Almeida, Onze Prosemas (e um final merencório). Eduíno de Jesus, reconhecido poeta e ensaísta açoriano, num e-mail ao autor (inserto no prólogo do livro sob o título Pre-mail) confronta-se da mesma maneira com a compartimentalização literária do prosema: "Para dizer a verdade, eu não sei muito bem como falar deste novo modo de literariedade, por carência de uma tábua de valores apropriada ao género. Conhecendo a tua vocação fundamental para a crónica, receio sempre formar o meu juízo acerca dos teus prosemas baseado no cânone daquele género, sem descolar dele a minha observação dos respectivos atributos essenciais."
Em resposta a EJ, Onésimo de Almeida escreve o seguinte: "Se continuo a escrever prosemas é porque acho que nessa escrita sem barreiras me deixo ir tal qual sou e chego a ser mais íntimo do que me permito nas crónicas, onde me acho mais contido e mais tradicional na estrutura formal e não só. Por isso eles são prosemas e não poemas." Estará aqui a chave mestra para desbloquear quaisquer paramentos interpretativos?
No caso de Onze Prosemas, não se trata de textos intrinsecamente poéticos em termos da sua construção sematológica. Nem se encontram estruturados entre fundações metafóricas ou surpreendentes coloridos líricos. A sua linguagem, fluida e rítmica, despoleta no leitor "sentimentos poéticos". Os sentidos, cativados, deixam-se levar por este olhar que fotografou momentos pueris, lugares, pessoas, e deseja partilhá-los como quem, tocando um instrumento musical, desnuda a melodia mais submersa do seu âmago. As palavras, numa conivência e cumplicidade íntimas com os objectos tratados, são elementos de um canto, a expressão da alma. Neste contexto, a poesia não será propriamente aqui retratada como evidência do belo, mas uma extrapolação dele. Ou seja, poesia "sentida" e cuja emoção, simbólica, se entrega assim aos olhos do leitor.
Cronista de gabarito, a par de reconhecidos nomes nacionais e da lusofonia, Onésimo Almeida, que publicou teatro, contos e ensaios académicos, enceta, com este mais recente título na sua bibliografia, um novo percurso criativo.
Natural dos Açores e a viver há muitos anos nos Estados Unidos, Onésimo Teotónio Almeida, académico, andarilho e cosmopolita é um insaciável curioso de mundos e vidas repartidas pelas ruas e lugares das mais díspares geografias. Tanto escreve com o punho de quem observa fascinado o crepúsculo mais arrebatador na varanda de um hotel em Maputo, como de quem escuta, maravilhado, o falar das suas gentes nos mais recônditos lugares de um mapa de afectos cujo itinerário o leva à génese do seu mundo e de si próprio. Uma tasca simpática numa rua empinada da ilha de S. Jorge, diante de um pão de milho e de uma saborosíssima fatia de queijo, ou a tranquilidade de uma sala de leitura de uma biblioteca pública nos Estados Unidos, podem ser tratados com finura e entusiasmo poético, transfigurados por uma linguagem cujo andamento onírico rumoreja como substância da alma e de um imaginário voltado para a harmonia das coisas e da sua respiração mais profunda. Ele está como o bom fotógrafo perante a iniludível matéria do seu trabalho: sabendo qual é o objectivo que pretende, prepara o seu equipamento e procura as melhores condições para obter a imagem perfeita. Da mesma forma é o escritor: observando as sinuosidades da vida, sonda os mistérios que fazem de nós, seres humanos, um ininterrupto universo de contradições e dissonâncias, mas também de prodígios possíveis à escala da sua criatividade, convertendo o aborrecimento do dia-a-dia numa viável e duradoura recordação.
Essa empatia sem fronteiras poderia constituir uma quebra no relacionamento com o seu passado e as suas raízes. Afinal o afastamento físico, em termos de afectividades, pode esfriar relações. Obliterá-las mesmo. É uma realidade humana. Não é o caso, porém, de OTA. Sempre o conhecemos entregue às suas paixões açorianas, sobretudo culturais. A verdade, pois, é que as ilhas viajam no espírito daqueles que, amarrados ao seu cerne e às suas mitologias nunca as deixam repousadas no amargo lenço do adeus.
Um ilhéu, exposto desde o berço a uma vida de isolamento geográfico, estabelece uma relação muito profunda com a sua pouca terra e o seu muito mar. Torna-se, por assim dizer, um navegante de nostalgias diante dessa interminável fenda territorial. Está, inequivocamente, perante este insolúvel drama: será o mar apenas um espaço onde os olhos libertam as gaivotas dos sonhos? E a alma? Onde viaja? Onde se liberta? Inquieta, acreditamos, regressa sempre ao húmus das mais insolúveis e complexas questões humanas.
Com uma perspectiva de vida e uma filosofia muito próprias, o ilhéu atravessa constantemente essa gravitacional linha de emoções entre vastos horizontes oníricos e a nostalgia que um mundo isolado e introspectivo gera. Rodeado de água, poesia e estonteante beleza, o açoriano, porém, imagina outros espaços. Vive-os na junção entre a arte, o mito e o drama de quem vacila ante a perspectiva de partir ou ficar. Trata-se, enfim, de uma encruzilhada incomensurável que os sentidos absorvem como um destino, uma inevitável barreira a transpor.
Será que esse estado poético determina e entronca o carácter dos ilhéus, emergindo daí toda a simbologia que o cerca? O mar, o grande deserto de água, desafia o espírito e a imaginação. "Mas as paisagens não existem sozinhas. Os olhos, sim. O nosso modo de ver o arquipélago pode constituir um trabalho ou um prazer. Os Açores serão sempre uma aventura para a alma e um deslumbre para o olhar" escreveu João de Melo no seu belíssimo livro Açores o segredo das ilhas.
Onze Prosemas (e um final merencório) só poderiam ter sido escritos por alguém vindo desse infinito rumor marinho. Há uma música de água entre as palavras, radiante, que busca o êxtase, afinidades, sóis de lembranças. Sentimentos poéticos com histórias dentro? Sim, sem dúvida. E essa indelével busca do Outro nas arestas dos dias, neste Mundo moderno, contraditório e febril, vazio de símbolos e aos tropeções ante os seus decrépitos mitos. Prosemas, sim, de um cultor de harmonias, de um apreciador das coisas belas que ainda temos, que cegos nem sempre descortinamos, afogados que estamos nas encruzilhadas inúteis e aborrecidas das barreiras quotidianas que, merencórias, nos cegam a poesia.
Onze Prosemas (e um final merencório)
Onésimo Teotónio Almeida
77 págs. EditorAusência
Sobre o Autor
Eduardo Bettencourt Pinto: Nasceu em Gabela, Angola, mas iniciou a sua vida literária em Ponta Delgada (Açores). Fez do Canadá a sua terra em 1983. Seus últimos livros publicados incluem poesia: Tango Nos Pátios do Sul (Campo das Letras, Porto), e Um Dia Qualquer em Junho (Instituto Camões, Lisboa), e ficção: Sombra duma Rosa e O Príncipe dos Regressos (Edições Salamandra). A antologia de Pinto, Águas de Soledade, a publicar em 2004 no Funchal, Madeira. O seu trabalho é lido por todo o mundo devido ao seu regular contributo para revistas e periódicos.Eduardo Bettencourt Pinto
Visite o autor em: http://www.geocities.com/ebpinto
Seixo review, revista de Letras & Artes: http://www.seixoreview.com
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