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O Desconhecido
por T.M. Castro
*
publicado em 26/06/2007.
Forçoso era continuar até um fim que não parecia existir ou quedar-me ali mesmo onde estava, que não era nem seu começo nem seu meio, pois o que não tem fim visível e consolador, meio e começo, tampouco os tem, e assim, prostrei-me caminhando, que outra coisa não podia fazer, sequer morrer, que a morte não enfrentaria tão horripilantes páramos, o exílio da ausência, o exílio de todas as ausências.
De repente, descubro no solo elusivas pegadas humanas e sinto um alívio em perspectiva. Sigo-as. Mais à frente, dezenas, centenas, milhares de pegadas, agora fortes, marcantes, decisivas, e todas em uma só direção. Vi que havia esperança e festejei aquela milagrosa descoberta. Segui-as. Já não estava só. À frente havia sócios. Soergui-me em caminhando, demo-nos as mãos, apesar de minha vaidosa relutância em crer que o inopinado socorro fosse real - cria-me refém do nada e já entregue à insanidade.
A monotonia do caminho e o excesso de autoconfiança me fizeram desprender daquelas mãos... Estendi o olhar à frente, aos lados, e dei-me conta da infinitude das pegadas predecessoras e esmoreci diante do trilhar que se me impunha imenso. Deixei-me socorrer novamente e senti-me acolhido, dessa feita com mais vigor. Seu braço direito cingiu-me os ombros e me impeliu a andar e senti que ia conseguir.
Observei existirem objetos largados por antigos passantes e, embora a contragosto, tomei o exemplo e experimentei gratificante alívio. Ele esboçou suave sorriso de aprovação e apontou-me ao longe, muito ao longe, uma chama que bruxuleava e só por ingente esforço era percebida. Respirei fundo e sentei-me ao solo, cruzando as pernas, para um breve descanso e para melhor gozar aquela redentora visão. Entorpecido, permiti-me um leve e beiral cochilo. Em meio ao torpor ocorreu-me algo que devia dizer; abri os olhos, procurei ao redor, volteando a cabeça, mas não mais estava.
Acho que retornou à cabeceira provável daquele prado onde me encontrou em agonias da humana indigência. Sinto não haver expressado minha gratidão com uma pequena lembrança, contudo nada que valha a pena me sobrou.
Dissipo o pesar. Como sempre, exagero em sentimentalismo - afinal, tudo não passou de casual e feliz incidente de jornada, pois sequer trocamos os nomes. Acostumado às caminhadas, isso que fez a mim deve ser fato corriqueiro e, assim como chegou, saiu. De fato, não vi nem uma coisa nem outra. Cultiva a discrição ou quer aparentar soberbia. Não sei o que dizer.
De minha parte, a angústia do início e a visão libertadora daquela tão mínima cintilação me toldaram os sentidos, me tiraram do prumo, e negligenciei as regras do gentil proceder, ainda que em relação a um mero estradeiro, um errabundo. Ele há de entender. Se tal acaso se repetir, darei explicações... mas como ? Suas feições, não as guardei... deixar pra lá é o que resta.
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Anos já se passaram daquele marcante episódio de minha vida. Mesmo assim, quando se me deparam as inevitáveis agruras do existir, o crepitar de um fósforo, o acender de um isqueiro, o acionar de uma lâmpada, a incidência de um facho luminoso sobre uma garrafa, qualquer coisa que invoque uma cintilação, uma luz, por tênue que seja, assume a meus olhos a magnitude de um luzeiro e faz-me invocar aquele desconhecido e, como que por um passe de mágica, aquela presença se faz sentir e me enche de força e discernimento.
Confesso que, na sobriedade do dia a dia, quando normais as coisas, não me ocorre tal invocação, um gesto de cordialidade. É que sou meio desligado em demonstrar gratidão, coisa comum entre os homens.
Sobre o Autor
T.M. Castro: Temístocles Mendonça de Castro – é formado em Direito, lecionou em Faculdades, foi Promotor do Júri, Procurador de Justiça, Procurador do Cidadão, e hoje está aposentado. Vive entre Alexânia, GO, e Brasília, DF. Um texto seu já foi publicado no site messageinabotou, de Brasília.Contato com o autor por email: temisbsb@terra.com.br
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