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Histórias Cinzas

por Maria Cristina Castilho de Andrade *
publicado em 12/04/2008.

Reli a crônica “Meu ideal seria escrever” de Rubem Braga, do livro “A Traição das Elegantes”, Editora Sabiá, 1967. Rubem diz que seu ideal seria escrever uma história tão engraçada que “aquela moça que está doente naquela casa cinzenta”, quando lesse sua história, no jornal, risse, risse tanto que chegasse a chorar e dizer: “ai, meu Deus, que história mais engraçada!”.

Eu não moro em casa cinzenta, mas escrevo, quase sempre, histórias cinzas. São acontecimentos com os quais convivo, principalmente desde que misturei minha história à dos excluídos. E já faz tanto tempo!

Essas histórias, enquanto as ouço, circulam em minhas veias e chego a me questionar se por encargo ou pela maneira com que fui educada. O velho carrilhão da sala de nossa antiga casa não perdia a hora e nem o seu toque de capela centenária a despertar os sentimentos bons. Sentimentos de comunhão com Deus, comigo mesma, com os outros e a natureza. Sentimentos com lágrimas e também com sorrisos e risos.

Em casa, nunca fugimos da felicidade de existir e nem da dor com sentido. Vivemos alicerçados pela crença em Deus e, em plenitude, por aquilo que o presente nos indica. Não somos de esconderijos e abandonos.

E a gente vai guardando o que realmente vale. De Poços de Caldas, por exemplo, onde residimos em 1962 e outras vezes voltamos, trago os olhos repletos da serra e do azul cor de anil do céu. Nem sei por que coloco isso agora, já que comento sobre minhas histórias cinzas.

O fato das histórias, que não são minhas, circularem em meu sangue, seria, portanto, somente a maneira que aprendi de ser ou missão?

Não creio que aqui nos encontremos sem um propósito maior. E maior dispensa aparência, destaque, poder, aplausos... Maior é o sonho de Deus de dias mais claros para todas as pessoas, dentre as quais me incluo. Penso que sou o resultado de minha missão, que se revelou no côncavo de minha família, construída, apesar de seus limites, sob os valores do Evangelho.

As histórias cinzas que escrevo são todas verdadeiras. Ah, meu Deus, como há gente que sofre demais desde a infância! Gente sem colo de mãe, sem abraço puro de pai, sem afago de irmão, sem olhos com asas! Gente sem cantigas de ninar, sem bambolê e barquinho de papel! Gente sem aprendizagem das renúncias que se transformam em força, coragem e chama de vela nas trevas! Gente que não aprendeu um verso e outro que forma poesia!

Mas nem tudo está perdido! Ao cinza é possível acrescentar novos tons.
As histórias cinzas que lhe entrego, nas crônicas que publico, é para que você, com seu coração terno e iluminado e com os dons que o Altíssimo lhe concedeu, plante nelas um canteiro do jardim de Deus com violetas, miosótis, girassóis, jasmins, lírios, rosas, gerânios, brincos-de-princesa, cravos, rosas, orquídeas... São histórias, portanto, à espera de mãos que carregam sementes da Transfiguração.

Sobre o Autor

Maria Cristina Castilho de Andrade: Cristina Castilho é professora de Português e agente das Pastorais da Mulher e a Carcerária. No trabalho com mulheres prostituídas e presidiários, circulou e circula pelo submundo, conhecendo sua realidade. Seu livro de crônicas conta a história das pessoas com quem se deparou no submundo do mundo. Escreve semanalmente no Jornal da Cidade de Jundiaí; mensalmente no Suplemento Estilo do Jornal de Jundiaí - Regional e, quinzenalmente, no Jornal de Abrantes - Portugal.

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