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MENINOS DO PORTINARI

por Pablo Morenno *
publicado em 12/04/2008.

Menino do Papagaio foi pintada por Portinari em 1954. Vi a tela original de perto no Museu Ruth Schneider, aqui em Passo Fundo-RS, na exposição itinerante do MARGS-Museu de Arte do Rio Grande do Sul. Raramente teríamos oportunidade de sentir o cheiro perturbador da tinta, se não fosse esse projeto de arte extra-muros. Ainda não tenho um Portinari na sala da minha casa para ter dispensado esta oportunidade singular.

Menino do Papagaio parece uma mancha de fogo no mar. Também seria possível dizer que o menino de Portinari é uma miragem de sol no deserto. O menino que não tem rosto é o único em cores quentes, rodeado de cores frias. Até mesmo a ovelha que lhe dá aconchego é feita de cores frias. Tudo é árido. Não há uma única planta. Só areia e rochas. Não esperem brotação. O céu está extremamente límpido. Não háverá possibilidade de chuva por muitos dias.

O menino do papagaio é um menino de fogo no meio de um mundo frio. Até o sol é frio. Não lembro de ter visto em outras pinturas um sol tão gelado. Tem gente que diz que o sol de Portinari não é um sol, mas uma lua. Não parece ser razoável. Primeiro, porque a cara do objeto azul no céu azul é de sol e não de lua. Segundo, um menino jamais soltaria papagaio na noite. Outra coisa, as figuras têm sombra refletida no chão de areia. A lua não sabe fazer sombras tão marcantes.

Não há dúvidas que ele está num mundo de cores frias, que tudo é frio; que ele está num deserto, que tudo é árido. Mas não há dúvidas que tudo acontece durante o dia. Então, não pode ser uma lua, embora o sol de Portinari parece não ter luz própria.

O menino está só num mundo de cores frias, no meio de um deserto, com um sol apagado. Este menino não tem rosto e é o único vermelho. De companhia apenas uma ovelhinha. Quem sabe o calor do menino venha dessa ovelhinha, como se fosse o Menino Jesus esquentado no presépio. No mundo frio de Portinari, o menino está só. E não tem rosto. Podendo, portanto, ser qualquer menino ou menina do mundo tentando fazer um papagaio para brincar, um papagaio que também é de um papel extremamente frio.

Poucos entendem a arte. Ou, no máximo, se endinheirados, compram arte pra decorar a sala. Só sabem dizer se combina ou não com o resto dos móveis. Ou dividem tudo em feio e bonito. E o quadro de Portinari está mais pro feio, além de parecer ter sido feito às pressas, sem esmero no acabamento.

Há algumas semanas, a Sílvia, bela bruxa da novela Duas Caras tentou afogar o Renato, seu enteado. E, na mesma semana, uma menina foi jogada do sexto andar de um prédio em São Paulo, segundo apurado, pelo pai. Na ficção e na vida, meninos e meninas correm riscos.

O menino de Portinari só foi para a tela porque existia e existe no mundo. Um mundo tão frio que até o sol pode ser confundido com a lua. O menino está só de gente, e não tem rosto. O pior é que tudo está diante de nossos olhos sob a claríssima luminosidade do dia.

Pensando bem, é bom que a boa arte fique enclausurada nos museus. A arte verdadeira é muito incomodativa para ficar na sala de enfeite. Casa da gente é lugar de paz e sossego.


Menino do papagaio, 1954
Pintura a óleo/tela - 60 x 73 cm
Coleção Museu de Arte do Rio Grande do Sul/MARGS
Porto Alegre, RS.

Sobre o Autor

Pablo Morenno: Pablo Morenno nasceu em 21.05.1969, em Belmonte, SC, e mora em Passo Fundo, RS. É licenciado em Filosofia e bacharel em Direito. Também é professor de Espanhol em cursinhos pré-vestibular, músico e servidor público federal do Tribunal Regional do Trabalho/4ª Região, e pinta nas horas vagas. Escreve uma coluna semanal de crônicas no jornal O Nacional, de Passo Fundo RS, e Nossa Cidade de Marau-RS. Colabora com os jornais Zero Hora, Direito e Avesso, e com sites de leitura e literatura. É Membro da Academia Passofundense de Letras, ocupando a cadeira cujo patrono é Érico Veríssimo. Como animador cultural e escritor, participa de projetos de leitura do IEL- Instituto Estadual do Livro do RS e de eventos literários no Rio grande do Sul e Santa Catarina. Com suas palestras interdisciplinares e descontraídas, utilizando-se de histórias e da música, conversa com crianças, jovens, pais, professores e idosos sobre a importância da leitura e da arte na vida.

Livros publicados: POR QUE OS HOMENS NÃO VOAM? Crônicas, WS Editor e MENINO ESQUISITO, Poesia Infantil, WS Editor. Contato com o Autor: Pablo Morenno

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