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MENINOS DO PORTINARI
por Pablo Morenno
*
publicado em 12/04/2008.
Menino do Papagaio parece uma mancha de fogo no mar. Também seria possível dizer que o menino de Portinari é uma miragem de sol no deserto. O menino que não tem rosto é o único em cores quentes, rodeado de cores frias. Até mesmo a ovelha que lhe dá aconchego é feita de cores frias. Tudo é árido. Não há uma única planta. Só areia e rochas. Não esperem brotação. O céu está extremamente límpido. Não háverá possibilidade de chuva por muitos dias.
O menino do papagaio é um menino de fogo no meio de um mundo frio. Até o sol é frio. Não lembro de ter visto em outras pinturas um sol tão gelado. Tem gente que diz que o sol de Portinari não é um sol, mas uma lua. Não parece ser razoável. Primeiro, porque a cara do objeto azul no céu azul é de sol e não de lua. Segundo, um menino jamais soltaria papagaio na noite. Outra coisa, as figuras têm sombra refletida no chão de areia. A lua não sabe fazer sombras tão marcantes.
Não há dúvidas que ele está num mundo de cores frias, que tudo é frio; que ele está num deserto, que tudo é árido. Mas não há dúvidas que tudo acontece durante o dia. Então, não pode ser uma lua, embora o sol de Portinari parece não ter luz própria.
O menino está só num mundo de cores frias, no meio de um deserto, com um sol apagado. Este menino não tem rosto e é o único vermelho. De companhia apenas uma ovelhinha. Quem sabe o calor do menino venha dessa ovelhinha, como se fosse o Menino Jesus esquentado no presépio. No mundo frio de Portinari, o menino está só. E não tem rosto. Podendo, portanto, ser qualquer menino ou menina do mundo tentando fazer um papagaio para brincar, um papagaio que também é de um papel extremamente frio.
Poucos entendem a arte. Ou, no máximo, se endinheirados, compram arte pra decorar a sala. Só sabem dizer se combina ou não com o resto dos móveis. Ou dividem tudo em feio e bonito. E o quadro de Portinari está mais pro feio, além de parecer ter sido feito às pressas, sem esmero no acabamento.
Há algumas semanas, a Sílvia, bela bruxa da novela Duas Caras tentou afogar o Renato, seu enteado. E, na mesma semana, uma menina foi jogada do sexto andar de um prédio em São Paulo, segundo apurado, pelo pai. Na ficção e na vida, meninos e meninas correm riscos.
O menino de Portinari só foi para a tela porque existia e existe no mundo. Um mundo tão frio que até o sol pode ser confundido com a lua. O menino está só de gente, e não tem rosto. O pior é que tudo está diante de nossos olhos sob a claríssima luminosidade do dia.
Pensando bem, é bom que a boa arte fique enclausurada nos museus. A arte verdadeira é muito incomodativa para ficar na sala de enfeite. Casa da gente é lugar de paz e sossego.
Menino do papagaio, 1954
Pintura a óleo/tela - 60 x 73 cm
Coleção Museu de Arte do Rio Grande do Sul/MARGS
Porto Alegre, RS.
Sobre o Autor
Pablo Morenno: Pablo Morenno nasceu em 21.05.1969, em Belmonte, SC, e mora em Passo Fundo, RS. É licenciado em Filosofia e bacharel em Direito. Também é professor de Espanhol em cursinhos pré-vestibular, músico e servidor público federal do Tribunal Regional do Trabalho/4ª Região, e pinta nas horas vagas. Escreve uma coluna semanal de crônicas no jornal O Nacional, de Passo Fundo RS, e Nossa Cidade de Marau-RS. Colabora com os jornais Zero Hora, Direito e Avesso, e com sites de leitura e literatura. É Membro da Academia Passofundense de Letras, ocupando a cadeira cujo patrono é Érico Veríssimo. Como animador cultural e escritor, participa de projetos de leitura do IEL- Instituto Estadual do Livro do RS e de eventos literários no Rio grande do Sul e Santa Catarina. Com suas palestras interdisciplinares e descontraídas, utilizando-se de histórias e da música, conversa com crianças, jovens, pais, professores e idosos sobre a importância da leitura e da arte na vida.Livros publicados: POR QUE OS HOMENS NÃO VOAM? Crônicas, WS Editor e MENINO ESQUISITO, Poesia Infantil, WS Editor. Contato com o Autor: Pablo Morenno
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