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Cagona

por Noga Lubicz Sklar *
publicado em 05/04/2008.

"Eu quero que morra quem está me criticando. É tudo cagão."
Ziraldo Pinto, credor e merecedor de milionária indenização política


Deus que me perdoe se não for verdade que admiro o Ziraldo e a família dele inteirinha: artistas; talentos; sucessos. Agora vem cá: hum milhão? Fala sério. Não só Ziraldo é um bem-sucedido, como um bem-sucedido que trabalha pro governo, faz logomarcas oficiais e cartazes a torto e a direito, bom pra ele que tem talento e a sorte de ser bem relacionado com seus ex-pares todos ex-vítimas de Geisel e seus afins, todos por cima da carne seca que de seca não tem mais nada (e se considerando, quem sabe, merecedores de qualquer abuso do bem-bom devido a seu passado tão sofrido). Bom pra eles e que isso lhes baste. Agora vem cá: hum milhão assim, de graça? E dinheiro seu, meu, nosso? Peraí. Se me calei até hoje foi mesmo por ser cagona, taí, admito: não queria me meter nisso. Mas agora estou que não me agüento.

Ziraldo reclama que nunca fez um tostão com o Pasquim, e que nunca, coitado, vendeu um anúncio da revista "Bundas". Ora, gente. Tell me about it. Esta Bundas que eu saiba é bem pós-ditadura, lançada com "extraordinário sucesso" em julho de 1999, e se acabou-se em fracasso comercial a culpa é de quem a editou do jeito que pode e quis, aliás: por que este assunto agora?

Fracasso como artistas e empresários somos quase todos neste país, bem, quase quase todos. Vítimas da ditadura, isso sim, somos todos, os da minha geração, os da que veio antes dela e até depois dela, sofrendo com o atraso, com a pobreza, com a tradição perene do conchavo, herança brasileira maldita. Vou reclamar pro bispo?
Pois se Ziraldo tem direito incagonável ao seu milhão, sugiro que o governo brasileiro indenize, um por um, a todo cidadão vivo e nascido antes de 1978 (quando a fera começa a se cansar), por ter sempre sofrido e ter o sofrido destino de ser nascido neste Brasil de excessos e negociatas. Fala sério.

Um dos contemplados se considera legítimo merecedor da bola apesar de ter sobrevivido e construído carreira. Seu irmão arquiteto não teve a mesma sorte: não suportou a pressão e se matou. Taí. É isso mesmo. Fora os que foram mortos e torturados e traumatizados a ponto de ter a vida inteira imobilizada - e olhem que mesmo assim já não tenho tanta certeza sobre indenizações em dinheiro - cada um que se vire como pode com as injustiças desta vida. É o que eu faço. É o que todo mundo faz de um jeito ou de outro: toca em frente do jeito que dá.

Se houvesse mesmo justiça, e um pingo vergonha na cara, cada um desses anistiados-milionários-que-não-precisam-disso deveria abrir mão de sua fortuna recente em benefício da pátria amada faminta Brasil, não é mesmo? Pois é. Nem sonhando.

Sobre o Autor

Noga Lubicz Sklar: Noga Lubicz Sklar é escritora. Graduou-se como arquiteta e foi designer de jóias, móveis e objetos; desde 2004 se dedica exclusivamente à literatura. Hierosgamos - Diário de uma Sedução, lançado na FLIP 2007 pela Giz Editorial, é seu segundo livro publicado e seu primeiro romance. Tem vários artigos publicados nas áreas de culinária e comportamento. Atualmente Noga se dedica à crônica do cotidiano escrevendo diariamente em seu blog.

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[ FUVEST 2005 ] Memórias de um Sargento de Milícias, por Maria Clara Celligoi.

Sobra sexo em livro de cuiabano, por Rodrigo Capella.

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